26 Abril 2025
Quase cinquenta anos se passaram desde 1976, quando Paulo VI confiou à Pontifícia Comissão Bíblica a tarefa de estudar o papel das mulheres nas Escrituras e abrir-se a uma eventual função sacerdotal para as mulheres na Igreja. O parecer da comissão não foi negativo, mas o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Franjo Šeper, não o levou em consideração quando assinou a declaração Inter Insigniores sobre o “lugar da mulher na sociedade moderna e na Igreja” no mesmo ano. Cinco décadas depois, o Papa Francisco, em meio ao caminho sinodal da Igreja, havia definido a questão como “não madura”, tornando ainda mais difícil romper aquele teto de vidro que, de todas as partes do mundo, cada vez mais mulheres católicas e feministas estão pedindo para derrubar de dentro. Isso vem sendo feito há meio século pela Women's Ordination Conference (WOC), fundada em 1975 na esteira do Concílio Vaticano II para apoiar o acesso das mulheres ao presbiterado, diaconato e episcopado em uma Igreja Católica Romana inclusiva e responsável. Kate McElwee, sua diretora executiva, faz um balanço da situação após a chegada de Francisco.
A entrevista com Kate McElwee, é editada por Marco Grieco, e publicada por Domani de 24-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A WOC é uma associação nascida após o Concílio Vaticano II. De lá para cá, viram alguma mudança significativa?
Em 1979, a Irmã Theresa Kane, então presidente das Irmãs da Misericórdia das Américas e da Leadership Conference of Women Religious (LCSW), deu boas vindas ao Papa João Paulo II em uma visita à Basílica do Santuário Nacional em Washington, DC. Theresa estava cercada por gerações de mulheres e sabia que teria que falar não apenas pelas mulheres católicas, mas por todas: “Eu o exorto, Sua Santidade”, disse ela, “a estar aberto e responder às vozes vindas das mulheres deste país que desejam servir na igreja como membros plenamente participantes. Ouvimos a poderosa mensagem da igreja sobre dignidade, e nossa contemplação nos leva a afirmar que a igreja, em sua luta para ser fiel ao seu chamado à humildade e à dignidade para todos, deve oferecer a possibilidade para que as mulheres, como pessoas, de serem incluídas em todos os ministérios da nossa igreja”. Foram palavras corajosas, e foi preciso coragem para confiar naquela voz também.
Dez anos depois (1988), Wojtyła publicou a Carta Apostólica Mulieris dignitatem. Desde então, com o advento do Papa Francisco, algo mudou, não é mesmo?
O empenho do Papa Francisco por um diálogo aberto incentivou um profundo discernimento sobre o papel das mulheres nas estruturas eclesiásticas. Hoje, as mulheres são nomeadas para cargos importantes no Vaticano, os cardeais e bispos estão discutindo abertamente a questão do acesso das mulheres ao diaconato e ao sacerdócio; também vimos mulheres votando no Vaticano pela primeira vez. Por exemplo, o trabalho da segunda comissão sobre as mulheres e o diaconato está continuando após o Sínodo. Todas essas são rachaduras no teto cheio de vidraças coloridas. Embora muitas de nós culpam a lentidão, é preciso reconhecer que essas mudanças em prol da inclusão das mulheres foram, no entanto, significativas.
No entanto, quando a Congregação para a Doutrina da Fé disse não à admissão das mulheres em 1976, ocultou documentos que levantavam questionamentos. Da mesma forma, o Papa Francisco não publicou as conclusões parciais das últimas comissões de estudo.
O que mudou?
O interminável “estudo” sobre o tema das mulheres é uma tática patriarcal de adiamento desenvolvida por homens ordenados para manter o status quo. Não está claro por que os relatórios da comissão não são tornados públicos ou disponibilizados para a assembleia sinodal, como aliás foi solicitado durante a primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade. Acredito que seria útil para o discernimento global em andamento ter mais transparência nesse processo.
No último Sínodo, identificou alguns limites para as aberturas sobre o tema? Você definiu o texto final do caminho sinodal como uma “traição às aspirações das mulheres na Igreja Católica”.
Enquanto o texto profundamente teológico do documento final do Sínodo aponta para os frutos de uma igreja mais colegiada, suas aberturas para a igualdade das mulheres e os dons iguais concedidos a todo o povo de Deus por meio do batismo soam vazias, pois carecem de passos claros para sua implementação. Quanto à questão das mulheres diáconas, simplesmente, a questão permanece “aberta”, mas precisa de mais discernimento. O documento incentiva a participação de mulheres em funções existentes dentro da igreja, mas não se aprofunda em uma reflexão sobre a cultura clerical e machista que desencoraja ou impede a implementação de tais ministérios.
No Sínodo da Amazônia de 2019, a questão do acesso das mulheres ao diaconato esteve no centro de vários debates. A freira franciscana Marlene Fátima Betlinski falou francamente sobre o tema em nome da União Internacional das Superioras Gerais. É apenas uma questão de tempo?
O Sínodo para a Amazônia foi um passo significativo na jornada rumo à realização das mulheres ao diaconato hoje. Durante aquele processo, as mulheres puderam compartilhar testemunhos sobre as realidades de seus ministérios e as profundas necessidades sacramentais da igreja hoje. Reconhecer o trabalho das mulheres por meio da ordenação diaconal seria o primeiro e mais importante passo para corrigir o erro do sexismo institucional, que cria obstáculos para a nossa igreja enquanto tenta responder às crises de nosso tempo. Lembro-me das palavras do Papa Francisco de que a igreja deve ser um “hospital de campanha” que cuida dos feridos graves: “Devemos tratar as feridas [deles]. Depois podemos falar sobre todo o resto. Curar as feridas, curar as feridas.... E é preciso começar pelos alicerces”. Essa cura deve começar com a disposição de acreditar nas mulheres, de confiar que elas possam escutar, discernir e responder ao chamado de Deus.
Muitos analistas observaram que o Papa Francisco, apesar de ter nomeado mulheres para cargos de liderança, não abordou de fato a questão do sacerdócio feminino. Será que hoje a porta ainda está aberta na Igreja Católica?
O Papa Francisco foi solicitado a abordar o acesso das mulheres ao presbiterado quase todos os anos de seu pontificado. Mas descobrimos que sua política repetida de “portas fechadas” sobre a ordenação de mulheres era dolorosamente incongruente com sua natureza pastoral. Para muitas, foi uma traição da Igreja sinodal e em escuta que ele defendia.
Isso o tornou uma figura complicada e, às vezes, desoladora para muitas mulheres. Oramos bastante para que o Papa Francisco pudesse ser transformado pelos testemunhos de mulheres que pediam por igualdade, para poder guiar a igreja para a aceitação da plena igualdade para as mulheres.
O que realmente precisa mudar? Acredita que um dia poderá haver um Conclave com uma presença feminina?
Uma Igreja sinodal exige a plena participação das mulheres como parceiras de mesma igualdade no ministério ordenado, nada mais. Quando mulheres e homens puderem colaborar e responder às necessidades da igreja de hoje com urgência missionária, então a Igreja Católica poderá começar a se curar de suas feridas de clericalismo, abuso e misoginia. Essa exclusão das mulheres dos ministérios ordenados impede que nossa igreja seja completa e viola a integridade de todos os seus membros, limitando as oportunidades de abraçar os dons de Deus e viver o Evangelho de forma autêntica.
Só podemos imaginar o que nossa igreja poderia se tornar se as mulheres fossem apoiadas no acesso aos ministérios e financiadas em nível institucional. Se a igreja hoje quiser abordar as questões mais amplas de opressão, violência e injustiça no mundo, deve começar afirmando a capacidade das mulheres de escutar e seguir a Deus. Oro para que nossa igreja e nossa sociedade possam perceber que as mulheres possuem direitos iguais e são plenamente capazes de imaginar Cristo.