26 Abril 2025
O artigo é de José Maria Tojeira, padre espanhol, naturalizado salvadorenho, jesuíta, ex-reitor da Universidade Centro-Americana "José Simeón Cañas" (UCA) em El Salvador. Desde 2023, Tojeira é porta-voz oficial da Companhia de Jesus na crise vivida pela Companhia na Nicarágua. O artigo é publicado por Religión Digital, 24-04-2025.
A morte do Papa Francisco impactou pela dimensão reformista de seu papado. Seu amor a Cristo e sua devoção pessoal, sua capacidade de descobrir o rosto do Senhor nos rostos sofridos dos seres humanos, impactaram um grande número de católicos e pessoas de outras confissões ou até mesmo descrentes. A forma próxima de tratar com as pessoas, sua austeridade pessoal, até mesmo nos sinais e ornamentos externos, sua radicalidade no acolhimento aos despossuídos e migrantes, seu trabalho incessante para erradicar da Igreja o clericalismo e o carreirismo, a busca por uma nova humanidade, o diálogo e a sinodalidade são manifestações de renovação e novidade no exercício do papado.
Sua morte, sentida profundamente por muitos, nos deixa diante da escolha de um novo papa. Revisar o modelo do papado e ter critérios sobre o perfil do papa que precisamos é importante para todos os cristãos. E, em particular, para os católicos, é importante desenvolver os critérios a partir do Concílio Vaticano II. Desde o início da Constituição Dogmática sobre a Igreja, o Concílio insiste que o Espírito Santo, que a guia, “com a força do Evangelho rejuvenesce a Igreja, a renova incessantemente e a conduz à união consumada com seu Esposo” (LG 4). A novidade, a reforma, o diálogo com o mundo e a história profana são elementos básicos da vida eclesial.
A Francisco frequentemente foi considerado um papa reformista. Ele chegou a ser criticado por estar aberto às mudanças dentro da Igreja e profundamente comprometido com os direitos dos pobres. Suas críticas a uma “economia que mata”, sua defesa da dignidade dos migrantes, sua insistência em algo tão tradicional na Igreja como o destino universal dos bens para alcançar a fraternidade e amizade social no mundo em que vivemos, tensaram alguns católicos comprometidos com uma boa dose de cegueira ao capitalismo existente.
Seus documentos, Evangelii Gaudium, Laudato Si' e Fratelli Tutti marcaram linhas claras de conversão pessoal, reforma eclesial, preocupação social e ecológica e desejos de mudanças estruturais, até mesmo em nível internacional. Sua morte deixou a Igreja em um ambiente de mudança e reforma. Um ambiente que havia sido freado pouco tempo depois do fim do Vaticano II e que, com a simplicidade, abertura e capacidade de diálogo de Francisco, foi renovado. Paulo VI dizia em seu discurso final, ao fechar o Concílio Vaticano II, que “nunca como nesta ocasião a Igreja sentiu a necessidade de conhecer, de se aproximar, de compreender, de penetrar, de servir, de evangelizar a sociedade que a rodeia e de segui-la; por assim dizer, de alcançá-la quase em seu rápido e contínuo movimento”. Francisco foi fiel a esse espírito conciliar que nunca devemos abandonar.
A Igreja, instituição com algo mais de 1.400 milhões de batizados, mais de cinco mil bispos, 400.000 sacerdotes e 700.000 religiosas, em números aproximados, não é fácil de mover de cima para baixo. E aos papas cabe movê-la de cima para baixo, em direção a um espírito evangélico crescente. Não sozinhos, é claro. Mas os costumes, tradições, formulações herdadas de passados distantes e não traduzidas para o vocabulário e pensamento atuais tendem a manter a Igreja estática ou, pelo menos, lenta em sua evolução. Mudanças frequentemente assustam, e a mesma tendência institucional de transformar os carismas em rotina, muitas vezes normatizada, pode paralisar a novidade.
O próprio Francisco, diante de algumas críticas, lembrava que, embora a Igreja tenha trazido novidade para a escravidão, considerando desde seus origens o escravo como um verdadeiro próximo, acostumou-se excessivamente com a escravidão e a viu até como algo normal. Bartolomé de Las Casas, defensor dos índios e considerado hoje, com razão, um dos pais dos direitos universais, a partir de sua exigência de contemplar os seres humanos como parte de uma única humanidade, levava escravos consigo quando chegou a Chiapas para tomar posse de seu bispado. O Concílio Vaticano II rompeu a lentidão de uma Igreja que tendia a se ver como sociedade perfeita e a relançou como o Povo de Deus que peregrina em diálogo e interação com o mundo.
Fiel ao Concílio, Francisco não tratou de mover a Igreja apenas de cima para baixo, mas, sobretudo, a partir da proximidade pessoal com os de baixo e da solidariedade com os “descartados” da história, com seus sofrimentos e marginalizações. Defensor da vida, ele a defende em todas as suas dimensões, desde considerar inadmissível para os cristãos a pena de morte até defender os direitos à vida dos ainda não nascidos. Mover a Igreja pela palavra e pelo testemunho, trazer novidade evangélica ao mundo em que vivemos, por meio do diálogo e da promoção da amizade social, é o desafio permanente de todo Papa.
A própria figura de Francisco nos ajuda a estabelecer alguns critérios ligados ao Vaticano II que podem ser úteis para pensar na figura do papa que podemos querer. Na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Atual, é nos dito que “a humanidade se encontra hoje em um novo período de sua história, caracterizado por mudanças profundas e aceleradas”. E neste mundo de descobertas vertiginosas, a Igreja deve se mover mantendo sua tradição evangélica e sua fidelidade ao Senhor, mas dialogando com as culturas, alcançando sínteses de humanidade, desapegando-se dos desejos de poder e privilégios e se aproximando cada vez mais daquele que “sendo rico se fez pobre para nos salvar”.
Falar de sinodalidade, de caminhar juntos, de diálogo social e inter-religioso, é indispensável em um mundo cuja velocidade nos mudanças culturais e econômicas tende a descartar os mais fracos e favorecer “os mais poderosos, o que com frequência é o mesmo que dizer os mais violentos e desprovidos de consciência” (QA 107), como já dizia Pio XI em 1931. Não devemos ter medo de defender os pobres e lembrar aos ricos e poderosos que servir “aos interesses do mercado divinizado, convertidos em regra absoluta” não é mais do que uma idolatria que implica sacrifícios humanos. Se, por causa de um falso irenismo, fosse escolhido um Papa que não quisesse problemas com os poderosos deste mundo, não apenas faria mal ao escolhido, mas a toda a Igreja. Em um mundo acelerado, com todos os problemas que envolvem uma cultura em rápida evolução, não podemos ver a realidade como algo que nos afasta do Evangelho, mas como uma oportunidade e um desafio para tornar credível a Palavra feita carne, em diálogo, crítica e discernimento permanente.
O sucessor de Francisco deve continuar viajando para os lugares onde há sofrimento. Colocar nas páginas dos jornais os rohinyás de Mianmar, os esquecidos da Mongólia, os migrantes de Lampedusa ou da fronteira dos Estados Unidos, o Iraque; ao Papa cabe consolar e reconciliar crenças diferentes e, se possível, ir também a Gaza e às prisões do terceiro mundo, mostrando sempre as entranhas de misericórdia do Deus que nos amou primeiro. Deve confiar no Espírito que fala em todos os cristãos e dizer aos leigos que os abençoem, como fez Francisco em suas primeiras palavras como Papa desde as janelas do Vaticano. Assim como Francisco, ele deve continuar com o espírito de reforma que os tempos exigem. A transparência, o controle de instituições vinculadas a diferentes formas de corrupção dentro da Igreja, a oposição ao clericalismo, são questões pendentes.
Precisamos de um papa com capacidade de advertir tanto a Cúria romana quanto os Núncios que aspirar a ter uma carreira brilhante não consiste em crescer em poder ou dignidades, mas em servir com humildade ao povo de Deus. A participação da mulher no serviço de autoridade na Igreja deve continuar crescendo. É absurdo que não haja mulheres cardeais, quando esse título pode ser conferido com uma simples reforma da normativa que exige que os cardeais pertençam ao estado clerical. Os cargos episcopais com temporalidade definida, a consulta mais ampla para a nomeação de bispos e com maior participação das Igrejas locais, o diaconato feminino são questões que ainda precisam ser abordadas.
A mesma forma de escolher o Papa deveria ser repensada. Historicamente, houve diversas fórmulas. Será para sempre a melhor a decretada no ano de 1059 pelo Papa Nicolau II? Que nem sequer foi seguida por aquele que a inspirou e por um de seus principais sucessores, Gregório VII. Digamos que foi um bom sistema para a Europa da época em comparação com a intromissão sistemática de reis e senhores feudais que dominavam nos anos anteriores. É verdade que o sistema foi melhorando, especialmente a partir do pontificado de João XXIII, que elevou o número de cardeais para 90 e, assim como os papas que lhe sucederam, começou a nomear um número maior de cardeais não europeus.
A limitação da capacidade dos cardeais até os 80 anos para eleger o Papa também foi positiva. Mas a pergunta de por que as mulheres não podem participar da eleição permanece. Sem necessidade de lembrar que as mulheres foram testemunhas privilegiadas da ressurreição do Senhor, bastaria refletir sobre o fato de que são maioria na Igreja tanto em número quanto em devoção. O fato de que foram as Conferências Episcopais que escolheram delegados tanto do estado clerical quanto do laical para participar da eleição do Pontífice foi mencionado em algum momento. Discutir os prós e contras de outras alternativas diferentes da existente poderia oferecer caminhos criativos de participação.
Não se trata de mudar tudo, mas sim de dar espaço ao diálogo. Francisco sempre recomendava orar antes de propor ideias ou projetos pastorais. E submeter à oração de outros os próprios projetos. Pensar se é necessário se apegar.