04 Abril 2023
A "doutrina da descoberta" - meio milênio atrás apoiada pelo papado para justificar as empreitadas colonialistas dos soberanos católicos europeus - foi repudiada pelo magistério da Igreja, e há muito tempo não representa mais o seu pensamento. Isso é afirmado em um documento de dois órgãos do Vaticano (os dicastérios de Cultura e do Desenvolvimento Humano Integral) publicado na quinta-feira passada.
A reportagem é de Luigi Sandri, publicada por L'Adige, 03-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A existência de textos racistas de seis séculos atrás, embora de fato esvaziados por Roma desde aquele dia, havia pesado sobre a viagem que Francisco fez ao Canadá em julho do ano passado. Naquela ocasião, de fato, quando ele visitou as “Primeiras Nações” indígenas (os peles-vermelhas) no Quebec, havia dito:
“Vim em espírito penitencial, para vos exprimir a dor que trazemos no coração como Igreja pelo mal que não poucos católicos vos causaram". Referência às “Escolas Residenciais”, instituições que desde meados do século XIX e por mais de 130 anos o governo de Ottawa confiou às Igrejas (católica e anglicana, principalmente) para "trazer à civilização" os filhos dos povos originários do Canadá; a educação consistia em fazer os meninos esquecerem suas religiões e línguas nativas; violências, inclusive sexuais, faziam parte do sistema. No entanto, está em ato no país há cerca de trinta anos, a partir do governo e das igrejas, uma revisitação crítica de tais violências também porque foram constatadas, nessas escolas, valas comuns com centenas de restos daqueles meninos não pranteados.
Uma das primeiras autoridades a propor o que mais tarde seria chamada de doutrina da descoberta foi, em 1454, o Papa Nicolau V.
Ele, com a bula Romanus pontifex, proclamou o pleno direito do rei Afonso V de Portugal de “subjugar todos os Sarracenos e os outros inimigos de Cristo, e invadir suas terras para torná-las cristãs". Palavras que "inspiraram" empreitadas coloniais, por toda parte, de potências católicas, como a Espanha e a França, mas também de outras, Holanda e Inglaterra, protestantes e anglicanas.
Nos tempos modernos, foi o Canadá, parlamento e bispos incluídos, o país onde se manifestou com mais força o desejo de ver cancelada aquela doutrina, embora já tivesse sido muitas vezes desmentida pelos papas; mas alguns setores das "Primeiras Nações" pediam a retratação formal daquela teoria nefasta; no entanto, no Vaticano se replicava: "Francisco já cumpriu tal passo na prática"; resposta insuficiente, para o Canadá. Agora, porém, chegou a esperada retratação.
E imediatamente recebeu os aplausos da Conferência Episcopal Canadense.
O documento vaticano afirma: “A doutrina da descoberta não faz parte do ensinamento da Igreja Católica” e reconhece que bulas como aquela de Nicolau V, aliás, na prática já desmentida por Paulo II em 1537, “não refletiam adequadamente a igual dignidade e os direitos dos povos indígenas".
Resta uma pergunta: o mea culpa explícito atual também se repetirá para os pronunciamentos do Vaticano, a partir do século XX em diante, desmentidos pela ciência? Problema complicado.
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A “doutrina da descoberta” repudiada por Roma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU