26 Abril 2025
"Com ele, desaparece o último líder global: estamos em um mundo que se fragmenta, sem líderes qualificados pela busca do bem comum global. Bergoglio era um deles", escreve Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant'Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 23-04-2025. A tradução de Luisa Rabolini.
A morte do Papa Francisco deixou um vazio maior do que se acreditava. A morte de João Paulo II era o fim de um modelo de papado, o único conhecido por muitos: um governo carismático. Bergoglio não gostava do modelo wojtyliano. Não compartilhava da política de seu antecessor na América Latina. Paradoxalmente, porém, ambos se defrontaram com o encontro com a fragilidade e, de maneiras diferentes, lidaram não de forma escondida, mas na frente de todos, permanecendo papas até o fim. Não foi assim com Bento XVI, que se sentiu incapaz de gerir o governo do Vaticano e renunciou “com responsabilidade”. Mas a responsabilidade não é a figura que expressa aquela carga de fé que se torna uma força de mudança na história, típica de Wojtyla e Bergoglio (embora tão diferentes). Francisco morreu em sua função, como vimos na Páscoa, quando saudou seu povo de maneira comovente.
Com ele, desaparece o último líder global: estamos em um mundo que se fragmenta, sem líderes qualificados pela busca do bem comum global. Bergoglio era um deles. Basta pensar na encíclica sobre a paz, Fratelli tutti, na qual ele propõe o diálogo e a fraternidade. Há uma passagem fulminante no texto: “Toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal. Não vamos nos deter em discussões teóricas, vamos entrar em contato com as feridas, vamos tocar a carne daqueles que sofrem os danos”. Seu não à guerra propõe um método contra a indiferença global: o contato com a dor causada pelos conflitos. Em relação à paz e a outras questões, Bergoglio soube combinar “coisas novas e antigas”, como o sábio escriba do Evangelho. Ele fez isso com uma humanidade muitas vezes imprevisível, com forte paixão e compaixão. Uma amiga argentina me contou quando o papa foi eleito: ele tem um “fundo misterioso”. Um homem que se entregava às multidões e aos contatos, estava sozinho na direção, sem medo de tomar suas próprias decisões.
No final, desenvolveu uma certa amargura, pois poderia ter feito mais. Muitos papas passaram por essa experiência e isso é um sinal da carga de esperança com que se lançaram na história. Francisco havia sonhado com uma mudança compartilhada na Igreja, com uma “conversão pastoral”: com a Evangelii gaudium em 2013, propôs uma Igreja em saída que se lançasse nas encruzilhadas da vida, além das cercas paroquiais ou dos circuitos habituais. Esse sonho foi sentido, após sua eleição, como um sopro de vitalidade, uma primavera em uma Igreja um tanto desgastada. Era a sua revolução que se chocou com um mundo de resistências, inércias e passividade. A Igreja-povo, formada por clérigos e leigos, em saída com “a alegria do Evangelho”, deveria ser protagonista de um processo de fraternidade e voltar a ser povo. Não foi assim, mas Bergoglio foi em frente. E teve sucessos inegáveis, como a paz estabelecida com setores importantes do Islã, o discurso ecológico, a centralidade dos pobres em uma Igreja que se tornou “dos pobres”, como queria o Concílio, muitas viagens de evangelização e diálogo e muito mais.
Com o passar dos anos, o papa assumiu mais responsabilidades e decisões, em uma Cúria que ele laboriosamente reformou, onde a Secretaria de Estado, desejada por Montini na reforma pós-conciliar, havia perdido a centralidade. A Secretaria, para Paulo VI, tinha a tarefa de mediar entre o papa e os “ministérios” do Vaticano, não para filtrar, mas para coordenar a governança da complexidade de um catolicismo múltiplo. O centro romano se desgastou e não é apenas a internacionalização a ser a solução. A fé indômita, o caráter enérgico e a grande memória levaram a uma verticalização do ministério do papa, no qual ele demonstrou coragem e generosidade. Ele manteve a Igreja globalizada unida com dificuldade. Como primeiro papa global, deixa a questão do que significa um governo de um mundo tão grande e complexo, não mais hegemonizado pelo cristianismo europeu e ocidental.