24 Abril 2025
"Para o Papa Francisco, a Igreja não deve ser considerada sagrada, mas ser movida pelo Espírito Santo e viver a santidade; o que significa sair de si e ir em direção às pessoas caídas na vida", enfatiza Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião, atualmente pesquisador visitante da Faculdade de Teologia da Vanderbilt University, em Nashville, EUA.
O Papa Francisco foi um líder da Igreja de ações e afirmações inesperadas e chocantes. Quem não se lembra da resposta dele a uma pergunta de uma jornalista sobre os gays na Igreja: “Se uma pessoa é gay e procura Jesus, e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?” Foi acusado por muitos de heresia e apoiado por outros por sua suposta posição progressista. Também por suas declarações e documentos em que afirma que vivemos em um sistema econômico que mata os pobres e está destruindo o meio ambiente em nome do lucro e de um mercado sacralizados. Mais do que isso, criticou a “idolatria do dinheiro”, isto é, uma cultura que faz do dinheiro o seu deus.
Para entendermos melhor o seu pensamento e o seu legado, precisamos compreender que o Papa Francisco não pensava a partir de dois princípios hermenêuticos fundamentais do mundo moderno: o sagrado como o fundamento do que é a religião, e a separação entre o secular e o religioso.
A sua abertura às pessoas da comunidade LGBTQIA+ que querem ser reconhecidas como pessoas com dignidade e direito de participar, se quiser, em comunidades cristãs o levou a ser criticado por setores conservadores como herético. Para eles, isso seria negar leis e valores morais “sagrados”, inquestionáveis e imutáveis. Por outro lado, a sua crítica à economia atual e a defesa dos pobres o levou a ser acusado de misturar indevidamente o que é o religioso e o que é do secular; e, o pior, de ser comunista. Até mesmo para os progressistas, esse discurso teológico que articular conceitos teológicos com os econômicos é estranho.
A sua luta em defesa de todas pessoas e grupos sociais em situações de marginalização, exclusão e de perigo de morte não vem do seu “progressismo”, pois o progresso civilizatório e tecnológico que nos trouxe até aqui é o mesmo que produziu também a dupla crise que enfrentamos: a ambiental e a da desigualdade social. O que nos faz compreender melhor o seu pensamento e ação é o seu princípio da defesa da vida e da dignidade de todos seres humanos. Isso porque todas pessoas são amadas por Deus, que não faz diferença entre gentios e judeus, escravos e livres, homens e mulheres...
Por causa dessa fé, Francisco lutou contra todas relações e instituições que oprimem, geram exclusões e morte. Ele não era contra leis, instituições ou ritos, sejam seculares ou religiosos, porque esses são necessários, mas criticava quando se perde o seu sentido e a finalidade humana. Isso inclui também suas lutas no interior da própria Igreja católica.
É a consciência de que a missão da Igreja é estar à serviço da vida digna da humanidade e do Reino de Deus que o levou a assumir o risco de ser criticado por outras pessoas da Igreja, que creem que a Igreja é sagrada e, portanto, imutável e inquestionável. Para o Papa Francisco, a Igreja não deve ser considerada sagrada, mas ser movida pelo Espírito Santo e viver a santidade; o que significa sair de si e ir em direção às pessoas caídas na vida. Como fez o Bom Samaritano, diferentemente do sacerdote e levita que, em nome das leis sagradas, se afastaram com indiferença.
Na minha opinião, o desafio central do próximo papa não será o conflito entre os conservadores e os progressistas ou as questões financeiras e burocráticas, que também existem, mas o de ser capaz ou não de manter na Igreja o espírito de misericórdia e compaixão aos que sofrem no mundo. Em outras palavras, dois caminhos de definição do que é a principal missão e identidade da Igreja Católica: a testemunhar um Deus que ama a todas pessoas e chama a Igreja a defender a vida e a dignidade de todas pessoas e acolher aquelas e aqueles que querem fazer parte dela; ou a de resgatar a noção sagrada da Igreja, que se distancia aos poucos dos problemas humanos em nome da missão sobrenatural.
A noção tradicional do conservador e do progressista não dá conta do pensamento e ação de Papa Francisco. O que ele fez transcende essas categorias, pois para ele Deus está além das diferenças culturais e religiosos. Como disse o apóstolo Paulo, onde está o Espírito de Deus está a liberdade, com justiça e paz. Por isso, o Papa dialogava com todas lideranças das religiões que buscavam paz e justiça, assim como com pessoas de todos tipos de identidade. O seu critério foi a busca da justiça e paz.
Em um mundo em que diferenças religiosas são instrumentos úteis nas lutas políticas e culturais, vamos sentir muita falta do Francisco. Pois, pessoas carismáticas, com boa formação intelectual e existencialmente comprometido com justiça social e paz não se encontram em muitos lugares.