22 Janeiro 2025
"O problema é que o “poder” não é uma substância, uma coisa, que a gente toma e guarda, mas é uma relação. E a única forma de sentir-se como tendo poder é agir e oprimir os subalternos e trata-los com inferiores", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
A nova era de Trump começou. No seu discurso de posse, um ponto que me chamou muita atenção é a afirmação dele sobre “engenharia social” ou “experimento social”: “Esta semana, vou também acabar com a política governamental de tentar fazer uma engenharia social da raça e do gênero em todos os aspectos da vida pública e privada. Vamos forjar uma sociedade que seja daltônica e baseada no mérito. A partir de hoje, será doravante a política oficial do governo dos Estados Unidos que só existem dois gêneros: masculino e feminino. [...] E assinarei uma ordem para impedir que os nossos guerreiros sejam sujeitos a teorias políticas radicais e experiências sociais durante o serviço”.
Com certeza, muitos lutaram e colocaram muito dinheiro para que ele fosse eleito exatamente para terminar aquilo que ele chamou de engenharia ou experimento social com respeito ao tema da raça, gênero e a força policial-militar. Para os defensores de programas de inclusão social (racial e de programas sociais em favor dos pobres), do reconhecimento de relações de gênero não-binários e o controle da força bruta dos policiais e dos militares em guerra são avanços no campo de direitos humanos.
Assim, estamos diante de uma luta ou guerra que Weber chamou de “deuses”, isto é, a guerra entre duas concepções conflitantes e opostas de ser humano, de cultura, civilização e do “progresso”. Para Trump e os seus aliados pelo mundo inteiro, tudo o que significa o avanço de direitos humanos universais, – isto é, para toda a humanidade e o reconhecimento da igualdade fundamental de todos seres humanos – é engenharia social que nos levará ao desastre e o fim da civilização humana.
Esse argumento é a base do pensamento de Hayek, o principal pensador do neoliberalismo. Para ele, a intervenção do mercado, que ele chamou de “ordem espontânea”, pelo Estado de Bem Estar Social para diminuir os problemas econômico-sociais, especialmente dos pobres, seria “O caminho da servidão”, o título do livro mais famoso (1944). Uma característica do neoliberalismo contra o pensamento liberal moderno é a crítica à “pretensão do conhecimento” (o título do discurso dele no recebimento do Nobel, 1974) de resolver os problemas sociais. Isso seria a origem do mal na economia da década de 1970; isto é, o “pecado original” da sociedade moderna.
Nesse sentido, podemos dizer que a era Trump não rompe com os fundamentos filosóficos do neoliberalismo, mas é uma continuidade de uma tradição filosófico-política que começa com Nietsche e afirma que o sentido último da história e do desenvolvimento da civilização e do ser humano é a “vontade de poder”. Isto é, ser movido pelo que Paulo apóstolo chama de carne, o “espírito” animal, instintivo, de posse e domínio.
Estamos em uma luta em que a solidariedade e o reconhecimento dos direitos dos “outros” está em declínio e a da “vontade de poder”, claramente expressa em Trump e, por exemplo, em Elon Musk com seus apoios a partidos extremistas, autoritários e neofascistas.
A diferença entre os neoliberais do Wall Street e Trump é que esse tem coragem de dizer o que pensa em público. E outros bilionários que estavam na posse de Trump também estão assumindo essa postura. Afinal, para que ganhar e acumular bilhões e bilhões de dólares se não puder “tomar” o poder no mundo. O problema é que o “poder” não é uma substância, uma coisa, que a gente toma e guarda, mas é uma relação. E a única forma de sentir-se como tendo poder é agir e oprimir os subalternos e trata-los com inferiores. Só se sente com poder e “grande de novo” na medida em que oprime o pequeno. E, de novo um problema lógico, o reconhecimento do “oprimido/escravo” (Hegel) não satisfaz o poderoso porque é reconhecimento de um fraco. Daí, precisa entrar em guerra de novo, uma guerra sem fim. Até que se destrua a civilização ou o seu império seja destruído por dentro.
Em termos religioso-teológico, a guerra que vemos hoje é uma guerra entre um Deus da Guerra, ou da Onipotência e Domínio, e um Deus que reconhecer; uma guerra entre os que creem que a espiritualidade humanizadora é superar o instinto egoístico e de posse, e outros que creem que a vontade de poder sobre outros é a sua humanização.