15 Janeiro 2025
Ofensiva conservadora contra políticas de inclusão no mercado de trabalho ganha força no país. Mas especialistas asseguram que movimento veio para ficar – ainda que sob nova roupagem.
A reportagem é de Laura Kabelka, publicada por DW, 14-01-2025.
Nos Estados Unidos, o jargão do mundo corporativo "diversidade, equidade e inclusão" (DEI) virou algo tão polarizador que grandes corporações como Meta, McDonald's, Walmart, Boeing e Ford começaram a rever suas políticas nessa seara.
Para especialistas, isso não necessariamente quer dizer que as empresas já não se importem mais com o tema, mas é um sinal de que elas estão repensando estratégias para se manter livre de encrencas. O recuo vem após o aumento de processos judiciais e de campanhas online de conservadores que alegam sofrer discriminação reversa – e parece ter ganhado força após a vitória eleitoral de Donald Trump.
"Cada líder corporativo agora lida com o fato de que DEI em 2025 vai ser algo muito mais controverso, vai ser um risco, e isso é algo que eles terão que gerenciar", diz à DW a estrategista em DEI Lily Zheng.
O conceito de DEI floresceu por todo o país nas últimas décadas – principalmente desde os protestos Black Lives Matter ("Vidas Negras Importam"), surgidos na esteira do assassinato de George Floyd por policiais em 2020.
Muitas companhias implementaram treinamentos para identificar vieses discriminatórios e programas de mentoria para incentivar grupos sub-representados. Também passaram a considerar critérios de diversidade na hora de contratar ou promover funcionários.
Políticas como essas visam não só criar ambientes de trabalho como também ambientes institucionais e de aprendizado mais justos.
Ao encorajar a representação e a participação de pessoas de diferentes gêneros, raças, habilidades, orientações sexuais, dentre outros marcadores de identidade, espera-se identificar e remediar desigualdades e discriminação sistêmica.
É sobre "criar um campo de jogo nivelado para todo mundo", resume David Glasgow, diretor-executivo do Meltzer Center para Diversidade, Inclusão e Pertencimento da Universidade de New York (NYU).
Ele explica que as políticas de DEI não são só uma questão moral, mas também de mercado: estudos mostram que priorizar a diversidade de talentos leva a mais inovação e criatividade, além de ajudar empresas a se conectar com uma base de consumidores mais plural.
Mas o DEI está longe de ser um consenso nas instituições e no ambiente corporativo.
Glasgow afirma que o número de processos contra ações afirmativas cresceu significativamente desde que uma decisão da Suprema Corte em junho de 2023 classificou como ilegais as seleções no ensino superior baseadas em critérios raciais. A decisão acabou impactando também outros setores.
Ativistas contrários às políticas de DEI não se cansam de atacá-las. Em novembro de 2024, um desses ativistas, Robby Starbuck, chegou até mesmo a atribuir o encerramento do programa de DEI do Walmart à sua militância.
Outro desses ativistas é Stephen Miller, ex-conselheiro em política externa que volta à Casa Branca como nomeado por Trump. Miller já processou a Meta e a Amazon, alegando que as políticas de diversidade dessas empresas discriminam brancos.
Algumas dessas ações judiciais surtiram efeito. Em setembro, o Fearless Fund, iniciativa de apoio a empreendimentos tocados por grupos marginalizados, anunciou que fecharia permanentemente seu programa de bolsas para mulheres negras como parte de um acordo com um grupo de conservadores liderados pelo ativista Edward Blum. Eles alegavam que o programa violava a Lei de Direitos Civis de 1866 por supostamente discriminar pessoas com base em critérios raciais.
Quando Trump assumir a Presidência dos EUA em 20 de janeiro, processos do tipo podem ganhar ainda mais tração, afirma Glasgow: "Ele vai indicar mais juízes com interpretações conservadoras da lei antidiscriminação. Então, alguns dos processos que estamos monitorando, eu espero que tenham um desfecho anti-DEI."
Glasgow diz entender algumas críticas às políticas de DEI, como as feitas contra as abordagens de teor mais acusatório, ou que não são consistentes nem efetivas. "Mas acho que há uma ofensiva mais ampla contra o progresso em questões de justiça social", pondera.
O maior empregador do livre mercado americano, a rede varejista Walmart, não respondeu à DW por que decidiu encerrar um programa de talentos que visava aumentar a diversidade racial e promover a equidade dentro da empresa.
Outra grande companhia que desistiu dessas práticas disse que não comentaria o assunto por causa da má repercussão.
Ao anunciar o fim de seus programas de diversidade, a Meta – empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp – justificou a decisão alegando mudanças no "cenário legal e político em torno dos esforços de diversidade, inclusão e equidade nos Estados Unidos".
Zheng, que é estrategista em DEI, acha que alguns empresários ficaram assustados com um ambiente corporativo mais cheio de riscos. Para ela, eles temem que estejam "tomando decisões que infelizmente terão um impacto provavelmente grande sobre sua imagem, sua reputação, sua capacidade de reter funcionários, sua moral".
Por ora, a grande maioria do mundo corporativo americano ainda mantém políticas de DEI, segundo um estudo do centro de pesquisas de mercado The Conference Board, uma entidade sem fins lucrativos. Oito em cada 10 empresas ouvidas disseram ainda planejar manter ou expandir essas políticas pelos próximos três anos.
Zheng se mantém otimista. Ela acha que mesmo as empresas que estão revendo essas políticas e alardeando menos seus compromissos ainda podem manter seus valores. "Talvez eles agora chamem isso [DEI] de 'pertencimento'. Talvez estejam focando em justiça. De qualquer forma, boa parte desses compromissos já existentes não parece estar mudando", afirma.
E de fato, semanas depois de Trump ganhar as eleições, o Walmart atualizou seu site e rebatizou de "pertencimento" uma seção antes intitulada "pertencimento, diversidade, equidade e inclusão".
Indagado sobre as mudanças de estratégia do Walmart e de outras grandes empresas, Glasgow diz não achar que a mensagem passada seja de que eles "não se importam mais em ter um ambiente de trabalho diverso", e sim que não adotarão mais "certos tipos de programas de DEI".
Mas Zheng aponta que a falta de metas claras de DEI "pode levar a menos investimentos" na área e maior desprestígio dessas políticas perante a opinião pública.
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Com Trump de volta, empresas nos EUA desistem de diversidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU