18 Novembro 2024
No norte de Gaza não há ambulâncias em serviço e, de qualquer forma, não poderiam chegar. Não há estradas transitáveis, apenas uma extensão de escombros e os esqueletos de edifícios destruídos por bombas e tiros. O Dr. Hussan Abu Safiya também ontem não deixou de descrever o que vê e o que está acontecendo ao redor de seu hospital, o Kamal Adwan, que também foi alvo de ataques em mais de uma ocasião e está sob ordens de despejo do exército israelense. Há algo que, acima de tudo, dilacera a alma de Abu Safiya todos os dias: “São os gritos de desespero e dor das pessoas presas sob os escombros das casas atingidas. Somos impotentes, não podemos fazer nada para salvá-las. Nós as ouvimos, depois as vozes desaparecem... as casas se tornam túmulos. Essa cena se repete todos os dias”.
A reportagem é de Michele Giorgio, publicada por Il manifesto, 15-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os gritos de quem pede em vão por socorro são apenas um aspecto, entre os mais dramáticos, do inferno em que o norte de Gaza foi transformado pelo último e devastador ataque israelense, que começou há seis semanas. O campo de refugiados de Jabaliya, as cidades de Beit Lahiya e Beit Hanoun e os vilarejos vizinhos haviam se tornado de imediato alvo de ataques aéreos e fogo de artilharia desde que o Hamas atacou o sul de Israel em 7 de outubro de 2023. Os tanques haviam entrado no norte em outras ocasiões para o que Israel chama de “operações contra os terroristas”, os combatentes do Hamas e de outras organizações armadas. Também ontem, o porta-voz militar relatou a morte de “dezenas de terroristas” e a descoberta de uma “grande quantidade de armas”. Em Gaza, ao contrário, fala-se de 24 civis mortos - o número total de mortos desde 7 de outubro de 2023 está se aproximando de 44.000 - e a organização Médicos Sem Fronteiras denuncia que Israel, sem explicação, está bloqueando a evacuação para a Jordânia de 8 crianças que necessitam de cuidados especializados urgentes. Nos últimos meses, a MSF solicitou a evacuação médica de 32 crianças e seus responsáveis. Apenas 6 delas tiveram permissão para deixar a Faixa de Gaza. De acordo com a OMS, há pelo menos 14.000 pessoas - pacientes com câncer, em diálise, crianças gravemente doentes, feridos em estado grave e outros - que precisariam urgentemente chegar a hospitais no exterior para tratamento. Em vez disso, estão nos campos de tendas lotados de Mawasi, no que resta de suas habitações, ou continuam a se deslocar de um lugar para outro em Gaza em busca de abrigo.
Aqueles que fogem do norte para o sul perceberam que é improvável que voltem a ver os lugares onde nasceram e cresceram.
Como Abu Raed, que já foi um empreiteiro de construção e agora é um deslocado de Jabaliya junto com dezenas de milhares de outros civis. Ele disse à agência de notícias Reuters que as forças israelenses explodiram os poucos prédios que ainda estavam de pé. “A destruição no ano anterior a 5 de outubro (quando começou a ofensiva israelense) foi grande, mas o que aconteceu no mês passado não pode ser descrito em palavras. Dessa vez, a maior parte do campo foi destruída. Tenho amigos e parentes em Beit Hanoun, quase não há prédios de pé lá, assim como em Beit Lahiya”, disse ele.
O recém-lançado relatório da Human Rights Watch é uma nova acusação aberta contra a destruição do norte da Faixa e as contínuas intimações de evacuação dadas a praticamente toda a população de Gaza, inclusive no sul. Dois milhões de civis, entre os quais idosos e crianças, foram deslocados várias vezes e agora enfrentam uma crise humanitária assustadora. “Os deslocamentos forçados têm sido generalizados e as evidências mostram que foram sistemáticos e fazem parte de uma política de estado provavelmente planejada como permanente nas zonas-tampão e nos corredores de segurança. O exército israelense arrasou áreas inteiras... Nessas áreas, Israel cometeu uma limpeza étnica. Tais atos constituem crimes contra a humanidade”, afirma Adam Coogle, vice-diretor da divisão do Oriente Médio e Norte da África da HRW. Israel nega querer criar zonas-tampão permanentes e o ministro das Relações Exteriores, Gideon Saar, disse na segunda-feira que as pessoas deslocadas terão permissão para retornar ao norte no final da guerra.
Nenhum palestino acredita nisso. Assim como o Comitê Especial da ONU sobre as práticas israelenses nos Territórios ocupados, que em um relatório antecipado em parte ontem e que será apresentado à ONU na segunda-feira, afirma que “a guerra de Israel em Gaza é coerente com as características do genocídio”. Apesar dos repetidos apelos da ONU, das ordens vinculativas do Tribunal Internacional de Justiça e das resoluções do Conselho de Segurança, o Comitê Especial afirma que “Israel provoca intencionalmente morte, fome e lesões graves: usa a fome como método de guerra e inflige punições coletivas à população palestina”. O relatório também denuncia o recurso pelas forças militares e de segurança de Israel à inteligência artificial para atingir a população de Gaza.
Diante das acusações que recebe de muitas partes, e para não fornecer mais argumentos ao Tribunal Internacional de Justiça em Haia, que instituiu processos por “genocídio em Gaza” em janeiro passado a pedido da África do Sul, o jornal Haaretz escreve que o exército israelense investigará se suas forças violaram a lei internacional ao matar mais de mil habitantes no norte da Faixa de Gaza, onde dezenas morrem todos os dias. A investigação abrangerá 16 ataques.
As bombas israelenses também estão atingindo cada vez mais Damasco. Um ataque aéreo ontem matou pelo menos quinze pessoas e feriu outras 20 nos bairros de Mezzeh e Qudsaya. Israel diz que atingiu homens e instalações da Jihad Islâmica.
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