22 Junho 2024
Embora muitos governos possam acreditar que estão ganhando algo com suas posições, a realidade é que estão presos em uma versão climática do dilema do prisioneiro.
O artigo é de de Javier Andaluz Prieto, publicado por El Salto, 21-06-2024.
Javier Andaluz Prieto é licenciado em Ciências Ambientais, especialista em Direitos Humanos e relações internacionais. Ele é ativista da Ecologistas en Acción Salamanca. Após vários anos de especialização nos movimentos climáticos europeus e internacionais, Javier é coordenador de clima e energia na Ecologistas en Acción desde 2018, representando a organização nas cúpulas internacionais do clima (COPs) e no Conselho Nacional do Clima da Espanha.
A emergência climática não é um jogo e as negociações climáticas não podem responder à teoria dos jogos, ouviu-se em 15 de junho na sessão plenária final da última cúpula do clima realizada em Bonn, um encontro que deveria servir para aproximar posições e preparar o terreno para a XXIX Conferência sobre Mudança Climática (COP29), que ocorrerá em novembro em Baku (Azerbaijão). Os fenômenos meteorológicos extremos que estão se acelerando, como as chuvas torrenciais da tarde anterior em Múrcia e a sucessão de ondas de calor, deveriam ser suficientemente alarmantes para que os governos mundiais percebessem que se trata de colaborar, e não de competir. No entanto, os acordos climáticos internacionais resultam em um campo de jogo geoestratégico no qual parece que a estratégia vencedora é lançar acusações e bloquear avanços.
Embora muitos governos possam acreditar que estão ganhando algo com suas posições, a realidade é que estão presos em uma versão climática do dilema do prisioneiro. Esse dilema apresenta o caso de dois presos entrevistados separadamente a quem se oferece uma redução de pena se delatarem seu companheiro, embora, se não se delatarem mutuamente, seria difícil provar o delito. Nesse caso, o delito de que os governos são acusados é o de não fazer o suficiente diante da emergência climática, e a pena é perder a batalha contra a emergência climática.
Nossos prisioneiros encontram-se presos, justificando recorrentemente que é "o outro" quem tem que agir. Assim, de um lado está o prisioneiro do Norte Global, que tenta que ninguém repare nos séculos que passou extraindo e queimando combustíveis fósseis e quer zerar o marcador para que se esqueçam seus antecedentes históricos. A responsabilidade moral que lhe atribui seu cúmplice do Sul é respondida com um "Mas você já sabia como era!" e as reparações históricas que ele reclama nem sequer são levadas a sério.
Por outro lado, o prisioneiro do Sul Global tenta repetir os passos errôneos de seu cúmplice do Norte, sob o pretexto de dizer "Eu também tenho direito". Procura que ninguém ponha fim às suas aspirações e oculta sob seu disfarce interesses fósseis que não deveria legitimar. Um desfecho ruim nos espera se continuar nesse caminho, se não aprender com os erros do Norte e seguir sem optar por fazer as coisas muito melhor.
No entanto, se algo nos mostra o dilema é que, embora contraintuitiva para as partes envolvidas, a melhor opção é agir com altruísmo cego: não se delatar, assumir que ambos são cúmplices do mesmo delito e confiar que o outro cumpra com sua parte. A melhor estratégia é que ambos deixem de buscar no comportamento do outro a desculpa para proteger seus benefícios. O que aconteceria se os países assumissem essa realidade?
"Quantos conflitos e emissões poderiam ser evitados se, em vez de gastar na indústria da morte, financiássemos a vida?"
Para começar, os países do Norte Global que se negaram a propor um novo objetivo de financiamento climático garantiriam fundos públicos e suficientes. Assim, em vez de ignorar a proposta da África do Sul de 1,3 trilhões de dólares anuais, começariam a criar uma forma de dispor desses fundos. Deixando para trás a desculpa recorrente (que ninguém acredita) de que não há dinheiro, basta ver como, segundo o Transnational Institute, Stop Wapenhandel e Tipping Point, chegamos a gastar até 2,24 trilhões de dólares em despesas militares, ou os 91,4 bilhões que custou manter o armamento nuclear em 2023, como nos lembra a Campanha pela Abolição das Armas Nucleares. Quantos conflitos e emissões poderiam ser evitados se, em vez de gastar na indústria da morte, financiássemos a vida?
Também esse Norte Global deveria deixar sua atitude hipócrita de pedir a outros países financiamento ou recorrer a empresas privadas e filantropias, e tomar medidas fiscais que cumpram a obrigação de "quem polui paga" (e repara, já que estamos). Poderia também deixar de confiar em um sistema de mercado mundial que trouxe as múltiplas crises que enfrentamos e reformar as regras do jogo para que questões como a dívida externa, ilegítima em muitos casos, não continuem sufocando os países mais vulneráveis.
De fato, instituições como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional são diretamente responsáveis pela dependência dos combustíveis fósseis, já que amarraram muitos países a devolver suas dívidas por meio da exportação de petróleo. O consequente calote (se deixassem de exportar petróleo) os submeteria a duras medidas de "disciplina econômica" como a desvalorização de sua moeda ou a falta de acesso a fontes de financiamento internacional. Essa estratégia oculta a perpetuação de um modelo colonial de servidão do Sul ao Norte Global que deve cessar imediatamente com, entre outras medidas, a reforma integral dos bancos multilaterais, a condenação da dívida e um financiamento climático baseado em ajudas ou empréstimos sem juros.
E se todas essas ações fossem realizadas pelo Norte, muitos países do Sul Global ficariam sem justificativa para continuar com a extração de combustíveis fósseis. Isso revelaria muitos dos países petrolíferos que, escondidos sob o pretexto da "necessidade de desenvolvimento", tentam conservar os imensos lucros que a extração e o tráfico de combustíveis fósseis lhes proporcionam. Países como Arábia Saudita, Emirados Árabes ou China, que em Bonn parecem ter esquecido o acordo de Dubai de "transicionar para fora" dos fósseis. Esses governos persistem em tentar, de forma desonesta, bloquear um programa de trabalho sobre a redução de emissões que é fundamental, se quisermos estabilizar o aumento da temperatura global em 1,5ºC até o final do século.
A triste realidade é que, por enquanto, quem continua preso e sem futuro são países muito vulneráveis como os pequenos estados insulares, que ano após ano nos lembram que sua sobrevivência não é negociável. Também é prisioneira a sociedade civil, que grita nos corredores que estamos chegando tarde demais e que o atraso acumulado ano após ano é injustificável. A falta de atenção às suas demandas não é apenas resultado da surdez dos governos, mas também de uma estratégia comunicativa que tende a focar a atenção da mídia em fatos superficiais, em vez de abordar profundamente as soluções.
A próxima cúpula em Baku não parece ser muito melhor. Será uma cúpula que repetirá o erro de uma presidência ligada à exportação de combustíveis fósseis e em um país onde os Direitos Humanos não são respeitados. Uma cúpula que não é percebida como de especial importância nos países do Norte Global, já que se concentrará nos temas de financiamento, e será a falta de atenção que tornará ainda mais fácil bloquear um financiamento climático à altura das circunstâncias, especialmente diante da ausência de pressão na opinião pública dos países com maior responsabilidade histórica. Sem fechar um financiamento adequado, não será possível avançar na redução das emissões, aumentará ainda mais a desconfiança entre os países e, se já estamos fazendo muito pouco, faremos ainda menos.
A luta pela justiça climática se torna, cúpula após cúpula, mais difícil. Nela, a frustração e a procrastinação colidem com a realidade de viver em um mundo em estado de emergência climática. Este espaço continua sendo a única forma de fazer com que os governos concordem em avançar na redução das emissões, mas também é uma oportunidade para exigir reparações climáticas históricas do Norte para o Sul Global. Este reconhecimento da dívida climática não virá pela bondade dos governos, mas sim pela pressão da sociedade civil que, de todos os lados, exige a mudança sistêmica de que precisamos. A próxima cúpula do clima em Baku não será um passeio idílico, mas sim uma nova batalha para que os governos façam mais. Diante da cegueira da comunidade internacional, as ativistas repetirão incansavelmente: que eles reconheçam que a melhor estratégia é fazer tudo o que for possível sem esperar nada em troca.
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Brincando com o clima em Bonn. Artigo de Javier Andaluz Prieto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU