28 Outubro 2022
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alerta que as políticas atuais levarão a um aquecimento de 2,8°C até o final do século. Deter ao máximo o aumento da temperatura requer “uma transformação em larga escala, rápida e sistêmica”.
A reportagem é de Eduardo Robaina, publicada por La Marea-Climática, 27-20-2022. A tradução é do Cepat.
Nos dias que antecedem a COP27, a mais importante cúpula anual do clima, multiplicam-se os estudos e análises que buscam nos atualizar sobre a questão e, de passagem, colocar em prática políticas mais urgentes e arrojadas em prol do clima e da biodiversidade. Nesta quinta-feira foi a vez do relatório Lacuna de Emissões elaborado todos os anos pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). E o que conta não é bom, embora nem tudo esteja perdido se se agir com urgência e decisão. Além disso, lança alguma luz em meio a tanta escuridão.
Em 2015, durante a COP21, quase 200 países acabaram redigindo o Acordo de Paris, o maior pacto climático até hoje obtido. O objetivo principal era tentar evitar que a temperatura global subisse mais de 2°C e fazer todo o possível para que não ultrapassasse 1,5°C. Pois bem. Passaram-se sete anos e a agência da ONU para o Meio Ambiente deixa claro que esses objetivos “ainda estão muito distantes”, ao mesmo tempo em que considera que não há “forma segura de atingir 1,5°C”.
“Este relatório nos diz em termos científicos frios o que a natureza tem nos dito, durante todo o ano, através de inundações mortais, tempestades e incêndios violentos: temos que parar de encher a nossa atmosfera com gases de efeito estufa, e rapidamente”, assegura Inger Andersen, diretora-executiva do PNUMA. A especialista lamenta que “tivemos a oportunidade de fazer mudanças graduais, mas esse tempo se esgotou. Somente uma transformação radical de nossas economias e sociedades pode nos salvar de um desastre climático acelerado”.
Apesar das promessas e discursos vazios da cúpula anterior, realizada em Glasgow (Inglaterra) em 2021, “os progressos foram lamentavelmente insuficientes”, segundo o relatório. As Contribuições Determinadas em Nível Nacional (NDC, em inglês; são os planos climáticos dos países) reduzem apenas 0,5 gigatonelada de dióxido de carbono equivalente (CO2eq, valor usado para incluir todos os gases em um só) as emissões globais projetadas até 2030. Isso é menos de um 1% de redução das emissões que aquecem a terra e o mar.
Quando se leva em consideração todas as NDCs novas e atualizadas apresentadas entre 1º de janeiro de 2020 e 23 de setembro de 2022, a contagem é de 166 nações, que representam 91% das emissões de gases de efeito estufa. A maioria dos membros do G20 está apenas começando a fazer esforços para atingir suas novas metas. Mesmo assim, espera-se que o G20 como um todo fique aquém de suas promessas até 2030 se as medidas não forem reforçadas.
Atualmente, a equipe de especialistas do PNUMA calcula que a faixa de aquecimento esteja entre 1,8°C e 2,8°C até 2100, dependendo dos movimentos que forem feitos. Para que a temperatura não ultrapasse os 2,4°C, é necessário que sejam cumpridas as NDCs condicionais, que são aquelas cujos objetivos dependem de fatores externos, como o financiamento. Ao contrário, se calculado com base nas NDCs incondicionais, há 66% de chance de limitar o aquecimento global a cerca de 2,6°C ao longo do século. No entanto, as políticas atuais (ou seja, aquelas já em vigor, não promessas ou intenções) levam a um aumento de 2,8°C. “Em outras palavras, estamos caminhando para uma catástrofe global”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Mesmo assim, há um caminho que aponta para um aumento de 1,8°C. Isso implica a plena implementação das NDCs incondicionais e os compromissos adicionais de emissões líquidas zero. No entanto, o PNUMA está ciente de que “este cenário não é confiável atualmente devido à discrepância entre as emissões atuais, as metas de curto prazo das NDCs e as metas de longo prazo de emissões líquidas zero”.
Embora 1,5°C e 2°C sempre tenha sido o valor de referência, ultrapassar ou ficar apenas no limite não garante nada. O planeta, que já está 1,2°C mais quente do que antes da revolução industrial, está deixando um leque muito importante de mudanças pagas por humanos, animais e ecossistemas. É claro que os desastres que vemos hoje e outros que virão serão muito piores se o aquecimento global for de 3°C em vez de 2°C. Mas o grande desafio é sempre fazer com que a temperatura pare de subir, seja qual for o número. 1,55°C sempre será melhor do que 1,56°C, assim como importa muito se o aquecimento for 1,98°C em vez de 1,99°C. Em última análise, cada décimo extra de temperatura é importante.
Para conseguir se aproximar do Acordo de Paris, esta década se apresenta como fundamental. O que for feito nesses oito anos determinará o futuro do clima e, portanto, de quem o habita. A principal ação deve consistir na redução até quase zero dos gases de efeito estufa a níveis sem precedentes.
Estima-se que as NDCs incondicionais e condicionais reduzam as emissões globais em 2030 em 5% e 10%, respectivamente, em comparação com as emissões com base nas políticas atualmente em vigor. Para estar na trajetória de 1,5°C, as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas em 45% em relação às projetadas nas políticas atuais para 2030. Para atingir a meta de 2°C, faz-se necessário um corte de 30%.
Esses enormes cortes implicam “uma transformação em larga escala, rápida e sistêmica”, dizem os autores, que também apontam para setores-chave dessa mudança. A eletricidade, a indústria, os transportes e as construções avançam para emissões líquidas zero, segundo o relatório, embora insistam que deve ser muito mais rápido, sempre sem descurar uma transição justa e o acesso universal à energia. Eles também lembram que projetos “que consomem muito combustível fóssil” devem ser interrompidos.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente concentra-se nos sistemas alimentares, que “podem ser reformados para alcançar cortes rápidos e duradouros”. Atualmente, esse setor responde por um terço das emissões globais, mas poderá ser reduzido a um terço até 2050 com algumas mudanças: proteção dos ecossistemas naturais, mudanças na dieta do lado da demanda, melhorias na produção de alimentos no campo e descarbonização das cadeias de abastecimento alimentar.
Os governos de todo o mundo desempenham um papel fundamental em todo esse processo. Por exemplo, de acordo com o relatório, eles podem facilitar a transformação por meio da reforma dos subsídios e dos sistemas tributários. O setor privado, por sua vez, pode reduzir a perda e o desperdício de alimentos, usar energia renovável e desenvolver novos alimentos que reduzam as emissões de carbono. E no que se refere à população, pode mudar seu estilo de vida para consumir alimentos que promovam a sustentabilidade ambiental e reduzam as emissões de carbono, além de proporcionar muitos benefícios à saúde.
“A lacuna de emissões é um subproduto de uma lacuna de compromissos. Uma lacuna de promessas. Uma lacuna de ação”, queixou-se Guterres, que insiste pela enésima vez que “o nosso planeta não pode permitir mais greenwashing, manobras falsas ou manobras tardias”.
A transformação global para uma economia de baixo carbono exige investimentos de pelo menos 4 a 6 bilhões de dólares ao ano. “Trata-se de uma parte relativamente pequena (1,5-2%) do total de ativos financeiros administrados, mas significativa (20-28%) em termos de recursos anuais adicionais alocados”, diz a ONU.
O relatório também contemplou o setor financeiro. Considera que, apesar de suas intenções declaradas, “demonstrou ação limitada na mitigação climática” devido a interesses de curto prazo, objetivos conflitantes e não reconhecer adequadamente os riscos climáticos. Por isso, recomenda a implementação de seis ações para reformar o setor financeiro. São as seguintes:
• Tornar os mercados financeiros mais eficientes, inclusive por meio de taxonomias e transparência.
• Introduzir a fixação de preços do carbono, como impostos ou sistemas de limite e comércio.
• Promover o comportamento financeiro, por meio de intervenções de políticas públicas, impostos, despesas e regulamentações.
• Criar mercados para tecnologia de baixo carbono, por meio da mudança de fluxos financeiros, estimulando a inovação e ajudando a estabelecer padrões.
• Mobilizar os bancos centrais: os bancos centrais estão cada vez mais interessados em enfrentar a crise climática, mas são necessárias ações mais concretas sobre as regulamentações.
• Criar ‘clubes’ climáticos de países cooperantes, iniciativas financeiras transfronteiriças e parcerias de transformação justas, que podem alterar as normas políticas e mudar o curso das finanças por meio de dispositivos de compromisso financeiro críveis, como garantias soberanas.
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ONU. Não há garantias de manter o planeta no limite de 1,5ºC mais quente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU