23 Fevereiro 2024
"Uma estratégia eficaz para erradicar o clericalismo é mobilizar-se por novos estilos de vida e de sociedade (p. 155), estando com os vulneráveis, os pobres, os sofredores, os marginalizados, os derrotados pela história, 'que pertencem à Igreja por direito evangélico' (p. 38). A sua frequência 'liberta a comunidade do domínio do clericalismo, dissolve suas causas, e constantemente nos traz de volta ao coração do Evangelho' (p. 150).
O comentário é de Andrea Lebra, leigo católico italiano, em artigo publicado por Settimana News, 22-02-2024.
"Um obstáculo ao ministério e à missão é o clericalismo. Ele surge do mal-entendido da chamada divina, que leva a concebê-la mais como um privilégio do que como um serviço, e se manifesta em um estilo de poder mundano que se recusa a prestar contas. Essa distorção do sacerdócio deve ser combatida desde as primeiras etapas da formação, por meio de um contato vivo com o cotidiano do Povo de Deus e uma experiência concreta de serviço aos mais necessitados" (Da Relatório de síntese da primeira Sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos "Uma Igreja sinodal em missão", parágrafo 11, letra c).
"O clericalismo levanta questões sérias que precisam ser ouvidas, compreendidas, interpretadas para serem radicalmente enfrentadas e remediadas. Se o clericalismo prospera, se continua a atrair novos seguidores, mesmo nas novas gerações, é porque, de certa forma, responde a expectativas, acalma tensões, tranquiliza incertezas, simplifica a complexidade. A análise do clericalismo permite, assim, lançar uma luz sobre as contradições do nosso presente e as dificuldades da Igreja pós-conciliar".
É o que escreve Domenico Cravero – presbítero da diocese de Turim, pároco, psicólogo, psicoterapeuta, sociólogo e escritor, fundador de comunidades terapêuticas – ao introduzir (p. 15) seu último livro intitulado A ferida do clericalismo (Edizioni Sanpino, Pecetto Torinese 2023).
Precedido por um prefácio estimulante de Matteo Maria Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana e arcebispo de Bolonha, o ensaio é estruturado em apenas três capítulos densos, cujos títulos ("A graça do presbiterato", "A desgraça do clericalismo", "Como combater o clericalismo") revelam o objetivo do autor: diante da graça do presbiterado vivido como radicalização da vocação batismal até dar a vida no serviço do Evangelho (p. 58), estigmatizar a desgraça do clericalismo "entendido não apenas como uma forma de desvio, mas como um sistema viciado de vida eclesial" (p. 15) e indicar os passos concretos a serem dados para combatê-lo.
Um texto, o de Cravero, que oferece muitas ideias para curar a doença do clericalismo em profundidade, despertando anticorpos capazes de combatê-la sempre que ela tenda a ressurgir. A história, de fato, ensina que o clericalismo é um mal que, na Igreja, tem raízes antigas e se manifesta de formas diferentes e mais ou menos agudas, dependendo das épocas: pode ser comparado a uma hidra sempre pronta a renascer (Agnès Desmazières, A hora dos leigos: proximidade e corresponsabilidade, EDB, Bolonha 2023, p. 55).
Imagem: Divulgação
Recorrendo frequentemente ao rico magistério do Papa Francisco, o autor oferece uma ampla análise dos elementos que caracterizam o clericalismo, que, simplesmente, "não deveria ter nada a ver com o cristianismo" (p. 28).
O clericalismo atrofia a expressão da vocação batismal (p. 29). É uma deformação do inestimável dom do sacerdócio batismal e ordenado (p. 39): em particular, não reconhece verdadeiramente o sacerdócio comum dos batizados e das batizadas (p. 25). Das três funções atribuídas a Cristo (profética, real, sacerdotal), valoriza de forma desproporcional a sacerdotal em detrimento das outras duas (p. 16). Faz mal aos padres, pois gera uma distorção de sua missão, e faz mal aos leigos, pois impede seu crescimento como cristãos adultos (p. 58). É um abuso de posição dominante, onde a autoridade – termo que deriva de augere, que significa precisamente fazer crescer (p. 29) – é construída sobre o sagrado (p. 131) e não como um instrumento de crescimento (p. 94) em direção ao humano e ao divino (p. 29). "Arrasta a Igreja para um relacionamento assimétrico: aquele dos padres que assumem o papel de guias da Igreja e aquele dos leigos vistos como mandatários" (p. 29).
O clericalismo mortifica o discipulado missionário quando, além de ser fomentado e alimentado pelo clero, é aceito e buscado pelos leigos (p. 23). Prospera porque é conveniente para alguns, enquanto outros carecem de coragem e força para combatê-lo: nele "sempre se esconde uma ambivalência de conformidade e desvio" (p. 32). O presbítero clerical gosta de mandar, dar ordens, demonstrar saber sempre tudo, fechar-se em si mesmo, enquanto está pouco interessado em fazer com que "outros colaborem na missão da Igreja" (p. 72).
O clericalismo esquece que, entre todos os fiéis, há uma verdadeira igualdade em relação à dignidade e à ação comum na construção do corpo de Cristo (p. 38). Desconhece a vocação laical e utiliza os leigos em papéis funcionais para responder a necessidades ou preencher lacunas (p. 84). Usa de forma desequilibrada os carismas femininos (p. 55). Carece de sinodalidade (p. 64): ao contrário, sufoca a sinodalidade e faz dos leigos "figurantes" (p. 110), dos replicantes (p. 23 e 146) ou dos espectadores (p. 62) em vez de pessoas criativas (p. 146) e corresponsáveis (p. 62). Falta-lhe abertura ao Espírito (p. 29). Manifesta uma preocupação ostensiva com a liturgia, a doutrina e o prestígio da Igreja, sem se preocupar com a real inserção do Evangelho no Povo de Deus e nas necessidades concretas da história, contribuindo para tornar a Igreja um item de museu ou uma posse de poucos (p. 153).
O clericalismo realiza um modelo de comunidade que tende a coincidir com os agentes pastorais e o círculo dos participantes regulares (p. 69). Gosta de repetir frequentemente, como advertência para quem frequenta os ambientes da igreja, que "todos são úteis, mas ninguém é indispensável" e "quem não serve, não serve" (quem vai à paróquia, mas não se adapta, frequenta inutilmente): assim, considera as pessoas de forma instrumental sem realmente acolhê-las e reconhecer suas vidas (p. 62-63). Não percebe a urgência pastoral de alcançar os muitos ausentes (p. 40) ou de se relacionar com aqueles que estão ausentes" (p. 177), ou seja, com os não crentes e não praticantes, com os críticos e os perplexos, com os agnósticos e os indiferentes, com aqueles que estão na soleira da comunidade cristã ou a deixaram de lado aos poucos.
Interpretando e vivendo o fenômeno religioso como um espaço do sagrado, um lugar separado do mundo e do povo (p. 80), o clericalismo pensa pequeno e recua diante da complexidade do mundo (p. 175).
Devido à mentalidade esquizoide que foge da vida real e remove o peso do cotidiano, no clericalismo encontramos frequentemente muitas experiências místicas nas quais nos sentimos identificados com o divino (p. 155).
O clericalismo propõe ao leigo um ideal religioso fora do mundo, guiando-o a buscar Deus nos intervalos em vez de no esforço diário (p. 42), esquecendo que "a vocação cristã se realiza ao nível do solo" (p. 156) nas atividades profanas que são "o lugar onde se realiza a obra de Deus" (p. 157).
São numerosos os remédios sugeridos por Cravero para combater o clericalismo. Limito-me a destacar dois referentes à figura do presbítero e à realidade da paróquia.
Contra o clericalismo, sente-se a necessidade de um novo modelo de presbítero (p. 171), que deve ser libertado de qualquer herança alheia às claras indicações do Evangelho (p. 173). O presbítero não clerical está profundamente consciente de que "do batismo não surge o poder sobre uma comunidade de fiéis, mas sim o serviço a ela" e que "o Sacramento da Ordem não sacraliza a pessoa sobre a qual são impostas as mãos, mas radicaliza a sua vocação batismal, concentrando-a em dar a vida no serviço do Evangelho" (p. 58).
Quando tiver feito tudo o que deve, o presbítero dirá "sou um servo inútil" (Lc 17,10). Não um líder, não um carismático, não um soberano, mas sim "um modesto contribuidor para a unidade de uma comunidade" de irmãos e irmãs convocados não pela simpatia, mas pelo Crucificado ressuscitado (p. 169).
Enquanto o sacerdócio dos batizados consiste em serem cristãos, "o presbiterado encontra sua identidade na especial particularidade de seu ministério, exercido como serviço" (p. 67). "Jesus, ao instituir a Eucaristia e o presbiterado, também prescreveu o modelo deles através da metáfora da lavagem dos pés, que Ele deixou como exemplo e comando" (p. 173).
O presbítero "vive com seu povo para acompanhá-lo na fé, sem excessos de rigorismo e moralismo, enfrentando juntos, nas diversas competências, os problemas e obstáculos de um mundo cada vez mais complexo" (p. 172).
Quatro virtudes caracterizam o presbítero não clerical: a simplicidade, a devoção, a gentileza e a amabilidade.
"A nobre simplicidade não é apenas uma regra litúrgica; ela pode moldar toda a vida do presbítero e até mesmo suas roupas civis" (p. 92).
"A devoção é o conjunto de atitudes do corpo, dos pensamentos, das emoções que expressa a atenção, o cuidado, o apego ao louvor e ao serviço de Deus" (p. 104).
A gentileza, associada à empatia, à solicitude e ao cuidado, "qualifica o serviço do presbítero" (p. 115).
A amabilidade, como "sinal da vocação à doação total" do presbítero "repousa no olhar, transparece nos olhos e na modulação da voz, se realiza na espontaneidade do sorriso, é captada pelo movimento e pela postura litúrgica" (p. 130).
Contra o clericalismo, sente-se também a necessidade de um novo modelo de paróquia: de paróquias "mudas, impotentes, amedrontadas" para paróquias "proféticas, ativas, alegres" (p. 52).
Uma vez que hoje, em nossa sociedade ocidental secularizada, "permanece-se crente apenas se convencido e permanece-se convencido apenas se em contínua formação" (p. 37), à paróquia não clerical, "não centrada no grupo fechado, mas moldada pela missão ao mundo", é requerido, juntamente com um compromisso particular no caminho de conversão e na oferta de iniciativas formativas sistemáticas e robustas, uma reserva inesgotável de criatividade e escolhas pastorais corajosas (p. 133), como a de secularizar o anúncio da fé, fazendo-o ressoar em termos religiosos não autorreferenciais (p. 84). "O antídoto ao clericalismo é a afirmação da laicidade, dimensão própria do cristianismo: ser reconhecido como discípulo de Cristo no próprio estilo de vida. A qualidade humana da vida do cristão torna-se o distintivo da identidade do crente. O autenticamente cristão é também autenticamente humano, segundo a humanidade vivida e ensinada por Jesus" (p. 134) e "a plenitude do humano é o verdadeiro critério de verificação da maturidade da fé" (p. 159).
Para estar à altura de sua missão e habitar de forma criativa a condição da pós-modernidade, a paróquia não clerical deve retornar ao caminho original do Evangelho expresso "na metáfora de um triângulo indissociável: Jesus, os discípulos e a multidão" (p. 44).
A Igreja em saída do Papa Francisco não é senão a reproposição na sociedade de hoje desse triângulo evangélico indissociável.
Os discípulos, escolhidos em representação das multidões, vivem em comunhão e itinerância com o Mestre e, apesar de hesitações e medos, ouvem a sua Palavra e tentam acreditar.
As multidões, por outro lado, são um conjunto de pessoas curiosas e interessadas no ensinamento do Nazareno porque esperam ajuda, mas não necessariamente o seguem.
Os discípulos, ao participarem da obra de Jesus, são convidados a servir a multidão. Houve um tempo em que a curiosidade da multidão e a sequência do discípulo coincidiam na cristandade. Mas hoje, com o desaparecimento do costume cristão, não é mais assim. Hoje, perder a multidão, destinatária do discipulado, poderia significar o fim da Igreja (p. 47). Daí decorre que a lógica do "pequeno é bonito" e dos "poucos mas bons" deve ser banida, porque a paróquia nunca pode ser sinônimo de localismo ou de mentalidade fechada (p. 80). "A responsabilidade da paróquia como povo de Deus é colegial" e aqueles que a representam "não são apenas o presbítero, mas sim a comunidade como um todo, o corpo de Cristo" (p. 64).
"A Igreja como povo de Deus, entendida segundo a imagem da multidão evangélica para a qual os discípulos são ordenados, ainda não foi suficientemente investigada. Ainda são poucos os modelos de comunidade em estado de missão, de paróquias pensadas com vista à evangelização. Menos evidente é a prioridade missionária, menos a comunidade encontra formas de harmonizar os diferentes carismas. Somente retornando à centralidade de Cristo é possível entender de maneira evangélica a distinção entre povo e ministros" (p. 172).
Na paróquia não clerical, a liturgia é caracterizada pela "nobre simplicidade", "livre de todos os enfeites" (p. 91), baseada em uma "linguagem acessível e capaz de se adequar ao público" (p. 92).
A crítica que hoje jovens e menos jovens fazem às celebrações litúrgicas é que elas são "simplesmente entediantes": não são percebidas, ou seja, como "experiências vitais" e "ritos de esperança" (p. 163).
É necessário imaginar propostas eficazes, para que o domingo seja vivido como uma festa, bonita, verdadeira, rica em emoções (pathos) e significado (logos) [...]. O cristianismo renasce nas novas gerações quando são impulsionadas não por um movimento abstrato da inteligência, mas por uma paixão do coração" (p. 165). Uma celebração cristã que se submete ao perfil baixo do ritual devocional não é capaz de gerar esperança: "seria apenas um engano" (p. 53).
Uma estratégia eficaz para erradicar o clericalismo é mobilizar-se por novos estilos de vida e de sociedade (p. 155), estando com os vulneráveis, os pobres, os sofredores, os marginalizados, os derrotados pela história, "que pertencem à Igreja por direito evangélico" (p. 38). A sua frequência "liberta a comunidade do domínio do clericalismo, dissolve suas causas, e constantemente nos traz de volta ao coração do Evangelho" (p. 150), ou seja, às "bem-aventuranças do monte" que - como disse o Papa Francisco na audiência geral de 20 de janeiro de 2020 - "contêm a carta de identidade do cristão, pois delineiam o rosto de Jesus e seu estilo de vida".
Portanto, Domenico Cravero acerta em cheio quando, nas páginas conclusivas de seu ensaio, escreve que "apenas o povo das bem-aventuranças poderá vencer o clericalismo". Um povo formado não "pelos perfeitos e puros" (p. 173), mas por "pessoas predispostas ao encontro com a obra da Graça" (p. 93) que, incorporando em suas vidas "virtudes de solidariedade, sacrifício, abertura", podem tornar-se sinais evangélicos nas comunidades dispostas a acolhê-las (p. 174).
Então, como expressar hoje as bem-aventuranças do monte na versão de Mt 5,3-12? Inspirando-me em uma bela página de Angelo Casati (Innamorarsi, Qiqajon, Magnano 2016, pp. 19-20), gosto de dizê-las nos seguintes termos.
Que belo que, num mundo que idolatra riquezas e ganhos pessoais, existam mulheres e homens que confiam em Deus e ouvem o clamor dos pobres: Deus assegura que estão no caminho certo.
Que belo que, num mundo em que a maioria pensa apenas no próprio conforto, existam mulheres e homens que sabem chorar com aqueles que choram, colocando-se no lugar deles e considerando como carne de sua carne aqueles que estão na dor e na angústia: encontrarão em Deus apoio, alívio e encorajamento.
Que belo que, num mundo de pessoas arrogantes, existam mulheres e homens que reagem com humildade e mansidão diante das injustiças, das inimizades, das brigas, das críticas implacáveis, dos comportamentos irritantes e discriminatórios: Deus fará com que sonhem com novos céus e nova terra.
Que belo que, num mundo de covardes e indiferentes, existam mulheres e homens que alimentam a fome e a sede de justiça, contribuindo para garantir isso aos fracos, aos indefesos e àqueles que contam pouco ou nada na sociedade: em meio a cada tempestade, Deus estará ao lado deles, barrando seus medos.
Que belo que, num mundo de pessoas rancorosas e irritadas, existam mulheres e homens que procuram testemunhar o perdão e a misericórdia de Deus, não se deixam vencer pelo mal, mas vencem o mal com o bem: Deus, que deseja misericórdia e não sacrifícios, olhará para eles com compaixão.
Que belo que, num mundo onde muitas vezes se recompensa os corruptos, existam mulheres e homens de coração puro e olhar luminoso, que não conhecem a duplicidade, honram a palavra dada e praticam a honestidade mesmo nas pequenas coisas: Deus revelará a eles o seu rosto.
Que belo que, num mundo onde muitas vezes se acredita resolver os problemas com guerra e violência, existam mulheres e homens que constroem a paz, previnem mal-entendidos, desarmam o coração, abolindo a própria ideia de inimigo, resolvem conflitos, concluem processos de reconciliação, fazem prevalecer a unidade sobre os conflitos: Deus será para eles um Pai amoroso que trata todos como suas filhas e filhos.
Que belo que, em todas as partes do mundo, existam mulheres e homens que não se resignam às injustiças, às opressões e à violação da dignidade humana: Deus assegura que estão no caminho certo.
Que belo quando tantas mulheres e homens hoje conseguem percorrer com coragem, determinação e humildade o caminho do Evangelho de Jesus de Nazaré, desconfiando de atalhos, ajustes ou compromissos.
Que belo se, em nossa vida, tivermos olhos e coração voltados para as bem-aventuranças do monte. Nossa casa será alegrada e, em alguma medida, pela medida que nos cabe, nossa terra também o será.
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Derrotar o clericalismo. Artigo de Andrea Lebra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU