11 Novembro 2022
"Para a maioria dos católicos indígenas, a percepção que eles têm de Igreja é que ela não evangeliza os grupos indígenas como Wapichan, Macushi e outros das regiões de Rupununi e Pacaraima, na fronteira com o Brasil, através da prática proselitista nestes tempos modernos, como foi realizado no passado. Nessa nova abordagem evangélica, deve-se dar crédito aos missionários católicos por respeitarem suas culturas, promovendo as línguas e costumes, uma bênção para a fé católica indígena na Guiana amazônica".
O artigo é de Medino Felician Abraham, irmão jesuíta, natural de República Cooperativista da Guiana. Formado em Pedagogia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, é mestre em Sociedade e Fronteiras pela Universidade Federal de Roraima – UFRR. Por dez anos foi missionário junto aos povos indígenas da região de Rupununi, fronteira da Guiana com Brasil. Atualmente está na missão dos jesuítas e das irmãs filhas da Caridade do Brasil, que tem presença entre os povos indígenas Wapichan e Macushi, na região da Serra da Lua, em Roraima.
Na Guiana, a etno-história sugere que os Wapichan e outros grupos indígenas com população aproximadamente de nove mil e que vivem na região do sul do país, fronteiriço com o Brasil, têm uma forte cosmovisão que se apoia no uso extensivo da língua local e fortes práticas culturais. Este fenômeno pode ser interpretado como resultante do relativo desinteresse que os colonizadores tiveram pelos povos indígenas do interior da antiga Guiana Inglesa ao longo dos anos, em oposição às plantações do litoral. A crença de que eles eram incapazes de trazer quaisquer benefícios econômicos – que eles não poderiam ser lucrativos no sentido capitalista – significava que eram deixados aos cuidados da Igreja.
Assim, a maioria se declara “católicos” na Guiana. Com a entrada dos primeiros missionários, houve um contato que lhes deu motivos para abraçar a fé crista do ponto de vista social e humanitário. Em outras palavras, a adesão ao catolicismo, por parte da população indígena Macushi, Patamona, Wapichan, Warrau e Arawak, entre outros, não aconteceu apenas pela repetição do Credo, mas por fatores políticos, sociais, espirituais, educacionais e econômicos relacionados às alianças feitas concretamente com aqueles que vieram para ajudá-los. Esta experiência é compartilhada pela maioria dos povos indígenas, especialmente os de Santa Rosa, a mais antiga missão católica indígena da Guiana, onde a fé foi plantada há duzentos anos, e para aqueles na fronteira com o Brasil, o Rupununi e Pacaraima, onde o catolicismo foi estabelecido há 112 anos ou mais.
Fronteira do Brasil, no estado de Roraima, com Guiana, no extremo norte da América do Sul. (Foto: Reprodução | Google Maps)
Inicialmente, o primeiro contato cristão com as culturas indígenas veio da evangelização holandesa e, posteriormente, anglicana. Mais tarde, vieram missionários católicos. Estes movimentos não assumiram uma abordagem de extinção colonial drástica, como a que foi implantada em partes dos países latino-americanos nos tempos coloniais. De fato, existe um aspecto único que precisa ser destacado, em que o catolicismo não foi imposto aos indígenas na Guiana durante a época da conquista, mas foi trazido para o país em 1818 por refugiados indígenas que escaparam da revolução venezuelana de Simon Bolívar.
Assim, particularmente do noroeste, fronteira com a Venezuela, região dos Pacaraima e Rupununi, fronteira com o Brasil, muitos abraçaram o catolicismo como parte de sua “nova identidade” dos séculos XVIII e XIX. Desde então, catolicismo ganhou um ritmo que é assumido pelos povos indígenas e não pode mais ser descrito como algo de fora.
Quatro são os costumes regulares que refletem a crença católica dos povos indígenas: construir capelas coletivamente como um grupo e frequentar os cultos dominicais nas comunidades conduzidas por líderes leigos ou catequistas que tenham uma vocação única para servir seu povo na Igreja, na ausência do padre, e ajudar e valorizar e o sacerdote e sua presença nas atividades sacramentais na maioria das malocas. Os colaboradores leigos realizam trabalhos importantes, porque convivem com o povo, conhecem a língua local e entendem o cotidiano das realidades e atividades sociais e eclesiásticas nas comunidades.
Sem dúvida, esta benção da vocação leiga indígena na Igreja guianense surgiu da experiência do primeiro grupo de “Spanish Arawaks”, como eram chamados pelos ingleses porque já eram cristãos. Esses refugiados indígenas vindo da Venezuela, quando chegaram a Moruca, na Guiana Inglesa, em 1818, praticavam a fé católica há vários anos sem a liderança de um sacerdote. Eles permaneceram unidos como grupo minoritário em um estado protestante/anglicano da Guiana, até que seu pedido, por meio de oração, foi realizado. O grupo recebeu um padre para atender às necessidades sacramentais da localidade.
No entanto, como acontece com os seres humanos num mundo de mudanças, nem todas as malocas estão no mesmo nível de experiência de fé. Há indígenas católicos que não levam sua fé a sério e aqueles que deixaram a Igreja porque se desentenderam com outros fiéis. Da mesma forma, há outros que não frequentam cultos regularmente e aqueles que, eventualmente, irão para as igrejas evangélicas ou ficarão afastados do contato com as igrejas e seus ensinamentos.
Dados o contexto e a pedagogia em que o catequismo é ensinado, embora existam tentativas de atualização, ocorre uma desconexão entre sua experiência vivida e a forma como a fé católica é apresentada. Por exemplo, após a crisma, a maioria dos recém-crismados se afastam da Igreja ou juntam-se a outros grupos religiosos. Sendo assim, parece haver a necessidade de uma abordagem do catecismo apropriada aos indígenas. Como outros povos, os indígenas também têm necessidades básicas, como alimentação, abrigo, vestuário, segurança e vida familiar. Assim, a maioria dos jovens saía de suas comunidades para áreas urbanas em busca de emprego e estudos, como decorrência da falta de oportunidades em suas malocas.
No entanto, a fé também está ligada à ação e reflexão, assim como ao diálogo com a influência externa em vista de ter uma visão crítica das questões sociais. Há inúmeros problemas sociais e ambientais que afetam o bem-estar das comunidades indígenas. Um deles que afeta seu bem viver é prática da mineração ilegal e não regulamentada. A mineração destrói o meio ambiente (a Casa Comum) ao derrubar florestas e deixar crateras e buracos. As comunidades próximas dos campos de mineração estão justamente preocupadas com o uso de mercúrio. Este material pode infiltrar-se em igarapés e rios e desencadear problemas de saúde. Essas atividades trazem sérios danos ao bem-estar e ao bem viver do ecossistema e da população local. Esses efeitos são sentidos profundamente nas comunidades indígenas que deploram as influências externas em seu modo de vida.
Apesar dos desafios, o cotidiano dos povos indígenas que vivem na fronteira com o Brasil, como os Patamona, Macushi, Wai Wai e Wapichan, é de constantes negociações e trocas. Estas trocas são feitas entre acolher aspectos da vida “moderna” (empregos nas cidades, comida/língua estrangeira e tecnologia) e manter valores e práticas tradicionais. Simultaneamente, as comunidades buscam um bem viver realizado em termos comunitários. Ter bons relacionamentos dentro da família e da maloca, participar no trabalho coletivo e passar tempo na natureza para caçar, cultivar, pescar ou relaxar, são fundamentais do bem viver, da cosmologia indígena.
Em termos de catecismo, a fé está associada ao edifício, à capela e ao bom espírito de fraternidade a partir de sua implantação nas comunidades, além de local de obtenção dos sacramentos e local de culto. É um lugar de iniciação e batismo, de tornar-se membro da família católica e ser introduzido ao Catecismo da Igreja Católica, por exemplo, acreditando no Criador, ou Deus Todo-Poderoso, na Nossa Senhora, na Sagrada Família e em todos os anjos e santos. É também um espaço em que muitos buscam elevação espiritual por meio de orações e devoções.
Socialmente, para a maioria das comunidades as capelas desempenham um papel importante, onde alguns as veem como locais de interação social, de encontro e diálogo com amigos e vizinhos, e para saber das atividades que acontecem na maloca ao longo das semanas o que é anunciado pelo tuxaua da comunidade após os cultos de domingo.
Em geral, o cristianismo e o comportamento humano não são estáticos. Sempre há transformações e novos desafios nas comunidades. Um exemplo é a entrada de outros grupos cristãos em algumas nas malocas. A entrada desses novos grupos, tornado as comunidades indígenas pluralistas, compostas de crenças cristãs fundamentais em malocas outrora dominadas pelos católicos, introduz diferentes práticas de ensino sobre Deus que, na maioria das vezes, estão menos sincronizadas, valorizando os costumes e as tradições locais. Trata-se de uma abordagem evangélica proselitista aos povos indígenas que os missionários católicos fizeram há cerca de cem anos. No entanto, essa nova realidade plural de outras igrejas cristãs nas comunidades Wapichan e Macushi, na Guiana, oferece oportunidades de diálogo e compreensão mútua no serviço ao mesmo Deus, por meio de atividades ecumênicas orientadas pela compreensão indígena do cristianismo.
Além disso, existem alguns indígenas que parecem confusos a respeito dessas igrejas e suas doutrinas, e a maioria reagiria às suas diferentes mensagens com certa passividade. Ao mesmo tempo, há também católicos que se converteram a outras religiões e que decidiram apagar seus nomes da Igreja. Inversamente, há a experiência de alguns católicos indígenas que, depois de visitar e aprender com outras religiões, decidiram retornar ao catolicismo.
Em conclusão, para a maioria dos católicos indígenas, a percepção que eles têm de Igreja é que ela não evangeliza os grupos indígenas como Wapichan, Macushi e outros das regiões de Rupununi e Pacaraima, na fronteira com o Brasil, através da prática proselitista nestes tempos modernos, como foi realizado no passado. Nessa nova abordagem evangélica, deve-se dar crédito aos missionários católicos por respeitarem suas culturas, promovendo as línguas e costumes, uma bênção para a fé católica indígena na Guiana amazônica.
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Vocação leiga, cultura e fé estão interligadas no catolicismo indígena nas regiões do interior na Guiana, país amazônico. Artigo de Medino Felician Abraham - Instituto Humanitas Unisinos - IHU