15 Agosto 2023
"Terminam aqui todas as várias tentativas de aprovação do Opus Dei como diocese pessoal cum próprio populo, a começar pela tentativa de Escrivá, que havia proposto erigir como diocese a casa geral do Opus Dei em Roma (Viale Bruno Buozzi), projeto que até o Cardeal Tardini, protetor do Opus Dei, havia dito 'que não fazia sentido'. E se entendem melhor todas as várias tentativas fracassadas de elevar Escrivá à dignidade episcopal", escreve Giancarlo Rocca, da Sociedade de São Paulo, diretor (desde 1969) do Dizionario degli istituti di perfezione. Graduado em teologia com especialização em mariologia no Marianum, ex-docente universitário, hoje responsável do setor de "Ordens Religiosas" no Vaticano, em artigo publicado por Settimana News, 13-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com a nova intervenção de 8 de agosto passado, o Papa Francisco modificou os cânones 295-296 do Código de Direito Canônico relativos às prelazias pessoais, sem fazer qualquer referência ao Opus Dei, mas tendo ele bem presente, visto que a única prelazia pessoal existente até agora era precisamente aquela do Opus Dei.
Em suma, essa nova intervenção está claramente em linha com a carta apostólica Ad charisma tuendum de 14 de julho de 2022, na época explicitamente dirigida ao Opus Dei. Com a intervenção de 8 de agosto, é explicitada a natureza da prelazia pessoal, com algumas consequências diretas para o Opus Dei.
Revisada a história da prelazia pessoal e reconhecida decididamente que sua posição no Código se encontra na parte dedicada aos fiéis, deixando de lado reconstruções anteriores que queriam inseri-lo nos cânones relativos à hierarquia, o Papa Francisco reduziu repentinamente o Opus Dei a um status ainda inferior ao de um instituto secular, como havia sido aprovado definitivamente em 1950, com o orgulho de ter sido o primeiro e o modelo dos institutos seculares.
Na época, como instituto secular, o Opus Dei tinha um presidente geral e podia incardinar padres e leigos. Na nova formulação do Papa Francisco, apenas os clérigos podem ser incardinados na nova associação pública clerical subordinada ao Dicastério para o Clero.
Parece evidente que o Opus Dei está sendo privado dos leigos, que constituíam sua força e que não podem mais ser considerados seus membros.
Isso resulta claramente do acréscimo-correção ao cânon 296, onde se especifica, com referência ao cânon 107, que a pessoa jurídica, isto é, cada fiel, tem seu próprio pároco e seu próprio Ordinário. Assim, os membros do Opus Dei não podem mais se referir ao seu presidente como se fosse Ordinarius loci, mas em tudo devem depender também do seu pároco e do seu bispo.
Terminam aqui todas as várias tentativas de aprovação do Opus Dei como diocese pessoal cum próprio populo, a começar pela tentativa de Escrivá, que havia proposto erigir como diocese a casa geral do Opus Dei em Roma (Viale Bruno Buozzi), projeto que até o Cardeal Tardini, protetor do Opus Dei, havia dito “que não fazia sentido”. E se entendem melhor todas as várias tentativas fracassadas de elevar Escrivá à dignidade episcopal.
A questão dos leigos e da sua posição dentro da prelazia preocupava o Opus Dei e, enquanto os primeiros textos pontifícios falavam de clérigos, incorporados na prelazia, e de leigos que trabalhavam para a prelazia com prestação de serviços de tipo contratual, essa formulação já não bastava mais e o Opus Dei tentou de várias formas vincular os leigos à prelazia, como o demonstra as diversas formulações presentes no seu Catecismo:
No Catecismo da prelazia na sétima edição de 2003, n. 11, pág. 24 está escrito: “El vínculo de los fieles [por fiel o artigo 6º entende tanto clérigos como leigos: Son fieles de la Prelatura del Opus Dei los clerigos incardinados y los seglares incorporados] con la Prelatura no es de naturaleza contractual, sino el proprio de la pertenencia a una circunscripción eclesiástica. De naturaleza contractual es la declaración que causa ese vínculo”;
na oitava edição do Catecismo da la Prelatura da la Santa Cruz y Opus Dei, publicado em 2010, está escrito, Cap. I, n. 11: “El vinculo de los fieles [por fieles o artigo 6º intende tanto clérigos colo leigos: Son fieles de la Prelatura del Opus Dei los clérigos incardinados y los fieles seglares incorporados] con la Prelatura no es de naturaleza contractual, aunque la declaración que crea ese vinculo tenga una forma externa de tipo contractual. El vínculo tiene un origen contractual en cuanto nace de una declaración mutua. En cambio, el vínculo que surge de esa declaración no tiene naturaleza contractual, porque ni la Prelatura ni los fieles pueden establecer o modificar a su arbitrio su contenido”.
Essas posições não são fáceis de entender – poderíamos dizer que são tortuosas? –, porque reúnem clérigos e leigos (= fiéis) numa única incorporação, enquanto os documentos pontifícios distinguiam cuidadosamente entre clérigos e leigos; e, depois de ter mencionado alguns teólogos e canonistas com opiniões distintas, o Opus Dei rejeitava a tese de autores que sustentavam que os leigos não podem ser membros de pleno direito da prelazia.
Parece, portanto, que com a nova intervenção do Papa Francisco, o Opus Dei seja obrigado a repensar toda a sua estrutura. Na verdade, o Opus Dei já tinha comunicado, logo após a intervenção de julho de 2022, que estava trabalhando numa nova estruturação, cujas linhas, no entanto, não são conhecidas. O principal problema para o Opus Dei – como já referido – continua a ser os leigos, que são a sua verdadeira força.
Se o Opus Dei tivesse permanecido um instituto secular, os problemas de hoje não existiriam. E se o Opus Dei voltasse à fisionomia de instituto secular – como sugerido na Espanha até mesmo num site decididamente hostil ao Opus Dei – ou de sociedade de vida apostólica (com ou sem votos), certamente recuperaria os leigos que poderiam desfrutar de uma participação real na vida do instituto. A linha do Papa Francisco é clara, aquela do Opus Dei ainda não.
Após a publicação da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium de 19 de março de 2022, que reorganizava a cúria romana, era inevitável esperar uma intervenção no Opus Dei. Era só uma questão de saber quando isso aconteceria. De fato, na Praedicate Evangelium o artigo 117 afirmava explicitamente que o Dicastério para o Clero teria competência sobre as prelazias pessoais.
A intervenção do Papa Francisco pode ser examinada de diferentes pontos de vista.
Além da premissa inicial do Papa Francisco, que valida a missão do Opus Dei de difundir o chamado à santidade através da santificação do trabalho e dos empenhos de família, a questão de base é se a prelazia do Opus Dei é uma estrutura hierárquica da Igreja ou, ao contrário, uma instituição particular da Igreja, uma prelazia, com funções específicas. Portanto, vale a pena revisar essa história, ainda que brevemente.
O Concílio Vaticano II menciona, no decreto de 1965 Presbyterorum ordinis, às prelazias pessoais, no quadro de uma melhor distribuição do clero e por iniciativas apostólicas particulares e, igualmente no decreto, ainda de 1965, Ad gentes 20 e 27, mas o Concílio nunca fala da possibilidade de incorporar leigos numa prelazia pessoal.
Muitas outras explicações sobre as prelazias pessoais podem ser encontradas no motu próprio Ecclesiae sanctae (I, 4), de 1966, com detalhes sobre a formação do clero da prelazia em específicos seminários nacionais ou internacionais, e mais uma vez se especifica que os leigos, celibatários ou casados, não são incorporados à prelazia, mas podem colaborar na sua missão por meio de acordos específicos.
Uma mudança total de perspectiva e um afastamento decisivo das ideias do Concílio Vaticano II podem ser encontrados no Schema de preparação para o Código de Direito Canônico. O texto, de 1980, insere as prelazias pessoais entre as estruturas hierárquicas da Igreja (Pontífice, Bispos, etc.), no cânon 335 § 2 as prelazias pessoais são equiparadas às territoriais, e no cânon 337 as prelazias pessoais são apresentadas cum populo proprio.
O Código de Direito Canônico de 1983, porém, não incorporou as indicações do Schema, já não incluiu as prelazias pessoais entre as estruturas hierárquicas da Igreja (Seção II), mas simplesmente no Livro II. De populo Dei, e especificamente na primeira parte que trata dos fiéis. Disso deriva a questão, que apareceu imediatamente, se a prelazia pessoal do Opus Dei deveria ser incluída entre as estruturas hierárquicas.
A formulação mais coerente, na realidade, é aquela do Código de Direito Canônico de 1983, que dela fala nos cânones 294-297, e especifica que os sacerdotes e os diáconos são incardinados na prelazia, enquanto os leigos podem colaborar em suas obras com convenções particulares a serem especificadas nos estatutos. Portanto, os leigos não são membros da prelazia, eles conservam sua própria diocese, seu próprio bispo, sua própria paróquia.
Pode-se também acrescentar que a união jurídica dos leigos com a prelazia é inferior à incorporação a um instituto religioso ou sociedade de vida apostólica ou instituto secular.
De fato, o cânon 296 prevê, no âmbito da convenção com os leigos, apenas a atividade apostólica externa, que é depois submetida à aprovação do Ordinário local (cânon 297).
O Papa Francisco simplesmente retomou e confirmou o Código de Direito Canônico de 1983. A Prelazia do Opus Dei não é uma estrutura hierárquica da Igreja e, portanto, a submete ao Dicastério para o Clero, como estrutura fundamentalmente clerical. O Opus Dei, consequentemente, deixa o lugar que ocupava anteriormente no Dicastério para os Bispos, graças ao fato de dois de seus prelados terem sido nomeados bispos: Álvaro del Portillo († 1994), primeiro prelado, mas bispo apenas desde 1990; Javier Echevarría († 2016), segundo prelado e bispo desde 1995; Fernando Ocáriz, terceiro prelado desde 2017, mas não agraciado com a dignidade episcopal pelo Papa Francisco. As eventuais questões introduzidas por essa modificação serão discutidas com o Dicastério para o Clero e os outros Dicastérios competentes da Cúria Romana.
(Mais detalhes a esse respeito em G. Rocca, L’ “Opus Dei”. Appunti e documenti per una storia, Roma 1985, p. 111; e mais recentemente G. Ghirlanda, Il diritto nella Chiesa mistero di comunione. Compendio di diritto ecclesiale, 6. ed., Roma 2015, p. 208-211. Para o Schema de 1980. cf.: Pontificia Commissio Codici iuris canonici recognoscendo, Schema Codicis iuris Canonici, Libreria Editrice Vaticana, 1980, p. 80-81.)
O Papa Francisco no artigo 2 de seu motu próprio modifica o que foi estabelecido na constituição apostólica Ut sit de 1982, que estabelecia que o Opus Dei como prelazia era obrigada a apresentar de cinco em cinco anos um relatório sobre o seu estado de vida ao Dicastério para os Bispos. Agora a obrigação é fixada a cada ano. Sobre esta decisão do Papa Francisco, mais de um comentarista se perguntou como era o comportamento do Opus Dei, ou seja, se apresentava regularmente os relatórios devidos para o período em que era instituto secular, ou seja, de 1950 a 1982, e desde 1982 até hoje, quando estava sob a dependência do Dicastério dos Bispos.
A terceira alteração solicitada pelo Papa Francisco diz respeito aos estatutos próprios da prelazia, que devem ser reformulados tendo em conta esse redimensionamento. O Opus Dei já havia sofrido uma mudança notável precisamente no que se refere aos leigos e às leigas associadas. No período em que o Opus Dei era um instituto secular, considerado aliás um modelo dos institutos seculares, seus membros - numerários e numerárias - tinham os três votos clássicos, a obrigação da vida comum, o uso do cilício, o círculo semanal breve (uma espécie de capítulo das culpas), o testamento antes da incorporação definitiva, e várias outras práticas ascéticas que a aproximavam do mundo dos religiosos.
Pode-se notar aqui que os institutos seculares fundados pelo Pe. Agostino Gemelli, ou seja, os Missionários e as Missionárias da Realeza de Cristo, não tinham a obrigação da vida comum, e da mesma forma o instituto de Cristo Rei, fundado por Giuseppe Lazzati justamente em virtude de sua secularidade.
Para justificar essa sua posição, o Opus Dei, nas palavras de Álvaro del Portillo, escrevia que pode haver institutos seculares que podem ir além do mínimo previsto pela Provida mater, precisamente para favorecer uma vida espiritual mais sólida e profunda de seus membros. Tudo isso mudou em 1982, quando o Opus Dei se tornou prelazia e foi obrigada a anular a incorporação que numerários e numerárias tinham no Opus Dei como instituto secular com os votos.
A intervenção do Papa Francisco obriga a outro esclarecimento: os leigos não estão incorporados na prelazia, mas têm uma relação contratual que deve ser regulada nos estatutos a serem revistos do Opus Dei, que deverá submetê-los à autoridade competente para a aprovação.
O Papa Francisco acrescenta que, sendo as insígnias episcopais reservadas aos bispos, o prelado do Opus Dei, sendo a sua prelazia uma instituição não hierárquica e submetida ao Dicastério para o Clero, não pode a elas aspirar; pelo contrário, o Papa Francisco sanciona que nem mesmo no futuro o prelado poderá desfrutar da ordem episcopal.
A história das honrarias pontifícias solicitadas pelo Opus Dei desde as suas origens já foi abordada e aqui se resumem os principais elementos.
(Mais detalhes em G. Rocca, L'Opus Dei... cit., e Id., “Diccionario de San Josemaria Escrivá de Balaguer. Note di lettura”, em Revue d’Histoire Ecclésiatique 2017, pág. 244-266, especialmente pp. 252-254).
Sabe-se que houve inúmeras tentativas de conceder a Escrivá o acesso à dignidade episcopal. A primeira já em 1942, quando Escrivá tinha 40 anos, e ao Generalíssimo Franco fora apresentado como uma pessoa de muito boa conceituação moral, totalmente aderente ao Movimento e simpatizante do Partido.
A questão foi retomada em 1945, desta vez com a motivação - novamente dirigida ao Generalíssimo Franco - de que Escrivá teria sido um excelente bispo militar. Não deu em nada, mas a candidatura a bispo voltou em 1950, agora para uma sede residencial, a de Vitória. Novamente nada foi concluído.
Depois, depois de 1955, uma nota informava que entre os vários “varones ilustres” dignos de serem agraciados com a dignidade episcopal figurava ainda Escrivá, e dizia-se então que ele era o superior do primeiro instituto secular aprovado na Igreja. E mais uma vez a proposta fracassou.
Que houvesse uma forte oposição da Santa Sé à nomeação de Escrivá como bispo fica claro em uma carta que o ministro das Relações Exteriores da Espanha escreveu em 1956, de Madri, ao embaixador espanhol junto à Santa Sé em Roma, Fernando M Castiella.
O ministro, depois de falar com o então secretário geral do Opus Dei, Antonio Pérez, informava que os responsáveis do Opus Dei estavam agora convencidos de que não teria sido possível para Escrivá ser promovido à dignidade episcopal, e passaram a propor a nomeação como bispo ao menos de Alvaro del Portillo.
Ao que foi até aqui exposto, pode-se acrescentar outro detalhe, que não era conhecido quando os estudos indicados acima foram publicados devido à inacessibilidade dos arquivos vaticanos.
A nova informação se refere à proposta feita em setembro de 1948 pelos bispos das dioceses espanholas de Tuy e Madrid-Alcalá, que propunham à Santa Sé a nomeação de Escrivá como bispo por ser muito conveniente para sua pessoa e para as obras que ele dirigia.
O caso, porém, foi então encerrado com um “Non expedire” com o esclarecimento de que tal nomeação não teria sido útil para o Opus Dei e, conforme documentado acima, manteve-se a oposição da Santa Sé à nomeação de Escrivá como bispo.
Coerente com essa abordagem, o Papa Francisco esclarece que, para dirigir o Opus Dei, não é necessário um bispo, mas tudo pode se inserir da linha de uma fidelidade ao carisma que todos os institutos devem buscar.
Na prática, sem dizê-lo, o Papa Francisco estabelece uma analogia com o carisma próprio de cada um dos institutos religiosos ou seculares ou sociedades de vida apostólica, que devem verificar as próprias obras e governo não com base numa autoridade hierárquica, mas da fidelidade às aspirações e diretrizes de seu fundador sob a guia da Igreja.
O título agora concedido ao prelado do Opus Dei ("Protonotário Apostólico" e "Reverendo Monsenhor") faz parte das boas normas de etiqueta vaticana. Encontraram confirmação também nos institutos religiosos, e quem conhece a antiga correspondência entre os religiosos sabe que – ainda no final do século XIX – o superior geral recebia o título de “Reverendíssimo”, o provincial e o procurador geral aquele de “Mui reverendo”; de "Reverendo" os superiores locais, enquanto o de "padre" se reservava aos simples sacerdotes, e "irmão" aos que não o eram.
(Mais detalhes neste sentido em E. Boaga, “Titoli honorifici”, em Dizionario degli istituti di perfezione 9 (1997), p. 1177-1181).
Em carta divulgada logo após o motu próprio do Papa Francisco, o prelado do Opus Dei, Fernando Ocáriz, declarava que aceitava totalmente o que o Papa Francisco dispunha, como resposta ao carisma do Opus Dei, que esperava poder desenvolver cada vez mais graças às indicações do Papa Francisco e do empenho de todos os membros do Opus Dei.
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Opus Dei: fim da prelazia pessoal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU