30 Novembro 2014
“Creio que a situação melhorou muito desde Francisco. Porque ele conseguiu transformar em notícia o pequeno da Igreja”, diz o jornalista e escritor.
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Pedro Lamet, como bom jesuíta, é cuidadoso com as palavras. A característica que ele atribui ao Papa Francisco, de ser muito preciso em tudo o que diz, pode ser também aplicada a ele. Entretanto, não foge da polêmica quando é convocado ao debate. “Mais do que dizer que o Papa é progressista ou conservador, eu diria que ele é evangélico. Digo também que ele voltou a moviola da história ao passado, para ficar próximo do princípio. Curioso é que as pessoas se escandalizem com o fato de que o Papa queira ser mais pobre e que ele queira estar com os pobres, quando Jesus de Nazaré andava com pescadores e com o povo mais empobrecido”, destaca Pedro Lamet, em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line.
Com relação ao tema da Teologia da Libertação, Lamet é favorável à postura menos marxista e mais espiritualizada. “A Teologia da Libertação defende que não se deve partir da posição de Deus para falar de Deus, pois, tal qual o fez Jesus, que encarnou no povo, a mensagem do evangelho não é uma mensagem teórica, de cima para baixo, mas sim de baixo para cima”, argumenta. “Creio que Bergoglio acredita que a bondade, a misericórdia e o amor estão por cima da obediência. Essa revolução me parece chave, porque a cara desse homem é a cara de um homem livre, que não tem medo”, complementa.
Sendo jornalista, Pedro Lamet criticou duramente o momento atual dos meios de comunicação e classificou a imprensa de massa, das grandes corporações, como corruptas. “Os meios pensam que as notícias não devem ser somente sensacionalistas; pior, eles consideram que devem corromper a notícia, manipular a informação, chegam a mentir com o intuito de vender. As televisões levam ao ar as pessoas escandalosas, não as pessoas interessantes. Os programas televisivos não servem para dialogar seriamente”, avalia.
Pedro Miguel Lamet é poeta, escritor e jornalista, ingressou na Companhia de Jesus em 1958. É licenciado em Filosofia, Teologia e Ciências da Informação e formado em Cinematografia. Foi professor de Estética e Teoria do Cinema nas Universidades de Valladolid, Deusto e Caracas, sem nunca abandonar a crítica literária e cinematográfica. Trabalhou como redator da emissora internacional Rádio Vaticano e, em 1981, foi nomeado diretor da revista semanal Vida Nueva, da qual havia sido editor e editor-chefe desde 1975. Na década de 1980, trabalhou em diversos veículos da mídia espanhola, como a Rádio Nacional de España, Radio 1, El Globo, Tiempo e El País.
Como escritor, publicou poesia, ensaio, biografias, crítica literária e cinematográfica. Também publicou vários livros, entre eles destacamos: El último jesuita (Ed. La Esfera de los Libros, 2011, 628 p.); Arrupe, una explosión en la Iglesia (Ed. Temas de Hoy, 2007, 10. ed.); Hombre y Papa (Biografia de João Paulo II) (Ed. Espasa Calpe, 2005); Díez-Alegría: Un jesuita sin papeles: la aventura de una conciencia (Ed. Temas de Hoy, 2005, 2. ed.); e El místico: Juan de la Cruz (Ed. La esfera de los libros, 2009).
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Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual tem sido a repercussão da nomeação do novo arcebispo de Madrid, Carlos Osoro, na Igreja espanhola?
Pedro Lamet – Eu creio que foi um respiro. As pessoas se sentiram reconfortadas e aliviadas, uma vez que o bispo anterior, o cardeal Rouco , era de uma postura muito conservadora e pouco dialogante. Então se pode dizer que a Igreja Espanhola estava muito parada. Rouco foi uma escolha de João Paulo II, do qual era amigo, assim como de Ratzinger. Ele tinha muita influência no Vaticano e foi o causante da maior parte das nomeações dos bispos nos últimos anos. Como consequência disso, a Igreja espanhola ficou muito parada, muito encastelada, pouco criativa.
Acredito que o Papa Francisco foi fundamental para a mudança de arcebispo, porque os bispos que tínhamos até então eram de uma única linha e para abrir a Igreja foi necessário procurar muito por um novo bispo.
A escolha de Carlos Osoro foi uma espécie de rejuvenescimento que busca se identificar com as posturas de Francisco, tornando a Igreja mais próxima às ruas, à periferia e comprometida com as pessoas. Isso vai contra a postura de Rouco, que tinha preparado seu sucessor, mas o Papa fez muitas consultas e, por fim, nomeou uma pessoa bastante afinada à linha que ele desejava.
IHU On-Line - Como o senhor recebeu a notícia da recente remoção do Cardeal Raymond Leo Burke da Assinatura Apostólica?
Pedro Lamet – Eu creio que o Vaticano está produzindo uma quinta-coluna, uma espécie de grupo de cardeais contrários ao Papa. Tem uma irmã, filha da Caridade de São Vicente de Paulo, que me falou a seguinte frase quando o Papa foi eleito: “A este o matam”. E eu completei, “com certeza”. Com isso eu queria dizer que um homem assim, tão livre, tão sensível, tão próximo ao evangelho, evidentemente provoca iras.
Nesse sentido, penso que há um setor da Igreja Vaticana tradicional que vai contra ele, porque ele [o Papa] suprime privilégios, porque há muita corrupção, porque há pessoas que estão lá para fazer carreira. Sem dúvida, há pessoas próximas a ele que não estão de acordo, então coisas que parecem uma bobagem, uma pequenez, como a questão do divórcio, viram um escândalo e uma das razões para esses conflitos.
IHU On-Line - No ano passado o senhor escreveu uma carta ao teólogo leigo espanhol Juan Tamayo, dizendo estar “longe de canonizar Francisco, e menos ainda porque ele é jesuíta ou porque me sinta mais próximo do estilo de Igreja que representa”. Um ano depois da publicação desta carta, como avalia o pontificado de Francisco?
“Então creio que Bergoglio acredita que a bondade, a misericórdia e o amor estão por cima da obediência”
Pedro Lamet – Avalio muito positivamente. Mais do que dizer que o Papa é progressista ou conservador, eu diria que ele é evangélico. Digo também que ele mudou a direção da história ao passado, para ficar próximo do princípio. Curioso é que as pessoas se escandalizem pelo fato de que o Papa queira ser mais pobre e que ele queira estar com os pobres, quando Jesus de Nazaré andava com pescadores e com o povo mais empobrecido de sua comunidade, ou seja, um pregador rural, um pregador do povo.
Outra coisa que ele faz e que escandaliza é que ele fala claramente. Os padres e os bispos muitas vezes usam um linguajar escolástico muito difícil de compreender. João Paulo II era de origem eslava e, além disso, tinha um pensamento circular difícil de entender. Joseph Ratzinger era um teólogo, mesmo assim tinha um discurso menos difícil de entender, ainda que tivesse uma forma de pensamento de intelectual, o que não é tão simples assim. Ao mesmo tempo, ele era muito distante do povo, era um homem de escritório.
Francisco rompe com tudo isso, mesmo sendo muito preparado intelectualmente, jesuíta, teve muitos cargos importantes — tanto dentro da Companhia ou mesmo como provincial —, também como bispo auxiliar e cardeal. Além do mais, tem algo de gênio literário, pois cria neologismos que tentam clarear mais seus discursos. Por exemplo, ele usa a palavra 'balconear' [relativo à palavra balcón em espanhol, que significa sacada], e diz “Não podemos balconear!” — o balcón [sacada] é onde uma pessoa se põe a falar com os outros do lado de fora, mas não se está ao lado das pessoas, e sim como um político a falar de cima.
Acredito que é um pastor que tem conseguido que os meios de comunicação estejam próximos dele diariamente, não porque ele deseja isso, mas por se tratar de um homem tão criador e rompedor com as linguagens e com as ideias que é capaz de fazer com que as pessoas despertem de um adormecer de anos e dos costumes de sempre.
Aqui no Brasil (durante a Jornada Mundial da Juventude) deixou isso tudo muito claro. Foi uma espécie de programa desse estilo novo, dessa mudança doutrinal, que migra da condenação à alegria, relacionado à exortação apostólica Evangelii Gaudium, que é deste tipo. Estamos em um momento de pessoas tristes em todo o mundo e precisamos de uma boa notícia, creio que é isso que ele está fazendo muito bem. Repito, eu não o definiria como um progressista perigoso ou, como alguns o acusam, de ser peronista ou populista, não se trata disso, é um homem que está nas ruas, mas é um homem sério e consciente.
Como trabalhei como jornalista muitos anos e dirigi uma revista chamada Vida Nueva, lembro que era muito difícil conseguir entrevistar um arcebispo, quanto mais um Papa. A forma de Bergoglio falar diretamente com as pessoas é muito franciscana e jesuíta, porque tem cuidado com o que diz, nunca se escapa uma palavra a mais, nunca se encontra um termo fora de contexto; coisa que se passou, por exemplo, com Bento XVI a respeito das questões com os árabes e com os preservativos, momentos estes em que ele não foi hábil. Esta mudança, apesar de ser muito representativa, não ocorre por acaso, mas porque o atual Papa pensa muito bem, é muito preciso no que fala.
IHU On-Line - Nesta mesma carta, o senhor chama atenção para o fato de que teólogos críticos da Igreja, a exemplo dos teólogos da Teologia da Libertação , parecem ter esperanças diante dos passos do pontífice. Como o senhor interpreta as declarações deles de esperança de que a Igreja seja transformada com Francisco?
Pedro Lamet – Quanto ao que pensam sobre Francisco, creio que seja em função de uma mudança de postura da Igreja em direção aos pobres. É, como dizemos em espanhol, dar 'de la vuelta al calcetín' [em tradução literal, virar a meia ao avesso]. Esta expressão ilustra uma mudança de atitude e uma mudança de mentalidade. E, como tal, a Teologia da Libertação defende que não se deve partir da posição de Deus para falar de Deus, pois, tal qual o fez Jesus, que encarnou no povo, a mensagem do evangelho não é uma mensagem teórica, de cima para baixo, mas sim de baixo para cima. Eu creio que por aí vêm as simpatias. Somente pessoas intransigentes não são capazes de compreender isso, mas há esperança. O problema é que também há pessoas contra, mas penso que seja uma minoria, pois mesmo o povo descrente está respondendo bem.
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“A Teologia da Libertação defende que não se deve partir da posição de Deus para falar de Deus” |
IHU On-Line – Qual sua posição em relação à Teologia da Libertação?
Pedro Lamet - Penso que foi muito necessária em um momento na América Latina em que se precisava convencer que os cristãos não podiam ficar dormindo com relação aos mais pobres e necessitados e, sim, comprometer-se na luta pelos direitos. Há duas Teologias da Libertação, uma mais violenta, marxista e outra, na linha de Gustavo Gutiérrez e Jon Sobrino, mais cristã e mais espiritualizada. Eu estou mais de acordo com esta última. A questão é que agora mesmo a Teologia da Libertação está sendo mais comunitária, mais festiva, mais carismática. Isso corresponde a uma outra época e, por isso, está se produzindo um passo novo em direção à Teologia da Libertação. O importante é que os teólogos da libertação já não são demônios para Roma, visto que o Papa tem aproximado os laços com eles.
IHU On-Line – O fato de o Papa ser argentino, latino-americano, influenciou de alguma forma nessa postura?
Pedro Lamet – Minha tese é a seguinte: creio que o Papa teve uma compreensão ou uma iluminação. Inácio de Loyola, quando estava no Rio Cardoner, na Espanha, teve uma iluminação e disse: “Se acabasse a Bíblia, eu saberia exatamente as coisas que eu deveria fazer”. Se percebermos as fotografias de Bergoglio antes do papado, ele tinha a cara muito séria. Acredito que esse homem se preparou para ser Papa, porque como teve a indicação para ter sido eleito no conclave anterior, quando voltou à Argentina aprendeu italiano, porque não sabia falar o idioma. O que nos permite pensar que ele teria a possibilidade de, em uma segunda eleição, ser eleito, e, então, ele deve ter começado a pensar: “E se eu fosse Papa, o que eu faria?”. Então creio que ele teve uma iluminação e, como aprendeu desde jovem, Bergoglio acredita que a bondade, a misericórdia e o amor estão por cima da obediência. Essa revolução me parece chave, porque a cara desse homem é a cara de um homem livre, que não tem medo — e isto era uma coisa que poderia ocorrer a ele — se o matam, para ele ficaria a mesma coisa. Ele não coloca nenhuma proteção em seu carro porque é um homem livre, e essa liberdade só se alcança com um despertar interior, uma iluminação.
IHU On-Line - Na carta mencionada anteriormente, o senhor critica o modo como os meios de comunicação fazem suas críticas à Igreja. A que exatamente o senhor se refere?
Pedro Lamet – Eu me referia a um dos principais jornais espanhóis, que é do Grupo Prisa e da Cadena SER, que se dizem muito progressistas, mas em alguns temas não são muito democratas. E a mim ocorreu que editaram um áudio de uma entrevista que concedi e cortaram uma frase no meio do que havia dito. Ocorreu também, até mesmo, de eu estar no meio de um programa de rádio e os dois apresentadores não me deixarem falar porque eu não estava afirmando o que eles gostariam que fosse dito. Eles só querem um tipo de pensamento, não publicam coisas de outras pessoas, e isso não é jornalismo nem informação, é manipulação. Isso é uma maneira de deformar a informação. Entretanto, em outros meios, digo o que quero para contrastar.
IHU On-Line - Sendo jornalista, como o senhor interpreta, de modo geral, a cobertura jornalística feita pela grande imprensa em relação à Igreja?
Pedro Lamet – Eu vivi momentos muito distintos como jornalista. Quando eu escrevi pouco tempo depois do Concílio Vaticano II, a Igreja era notícia. Havia jornalistas que dedicavam páginas inteiras somente para tratar do tema da Igreja, com teólogos que falavam sobre milagres, a questão das mulheres, toda a discussão em torno do celibato e se falava muito de tudo isso.
Porém, com João Paulo II, a Igreja ficou muito distante das ruas, e agora, em que situação estamos? Estamos em um momento, com respeito aos meios de comunicação, de corrupção dos veículos, eles pensam que as notícias não devem ser somente sensacionalistas; pior, eles consideram que devem corromper a notícia, manipular a informação, chegam a mentir com o intuito de vender. As televisões levam ao ar as pessoas escandalosas, não as pessoas interessantes. Os programas televisivos são para atirar pedra, é uma batalha, não servem para dialogar seriamente. A cultura dos meios fala muito pouco de livros, ou quase nada, e no cinema se fala de Batman e Superman, não se aprofunda no cinema crítico e não há críticos serenos. A Internet impactou nos meios impressos para serem mais superficiais. Tudo isso impacta na televisão, no rádio e na imprensa. O resultado são jornais em cápsulas, que se pode digerir rapidamente. Estamos em um mundo muito rápido e onde se multiplicam os impactos. Nesse ambiente, evidentemente, um escândalo de pederastia é notícia, um escândalo de corrupção é notícia, assim como um assassinato de um guarda suíço, ou um problema com as contas do Vaticano, mas o que as pessoas estão fazendo para ajudar os outros não é notícia.
Entretanto, creio que a situação melhorou muito desde Francisco. Porque ele conseguiu transformar em notícia o pequeno da Igreja. Ele é rompedor e usa uma linguagem que transforma o que é difícil de comunicar em algo mais próximo e isto está melhorando um pouco a situação. Mesmo assim eu diria que os meios ainda não mudaram e seguem sendo muito superficiais.
IHU On-Line - Como avalia os pedidos de ordenação das mulheres na Igreja?
Pedro Lamet – Acredito que seja um dos poucos assuntos em que o Papa mantém as portas fechadas. Se o Papa quer que a mulher seja promovida, que ela tenha um papel de opinião dentro da Igreja, que suas opiniões sejam respeitadas e que possam intervir nas decisões da Igreja, não creio que deve ser realizado durante este pontificado. Já João Paulo II dizia que isso era impossível e que não se podia tentar. Com relação ao futuro, repito o Padre Arrupe, quando os jornalistas de Puebla, na Espanha, o entrevistaram e perguntaram: “O que fazer com a mulher?”, ao passo que ele respondeu: “Paciência! Vamos devagar”. Então, creio que é preciso passar décadas para este momento chegar, se é que um dia chegará.
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“As televisões levam ao ar as pessoas escandalosas, não as pessoas interessantes” |
IHU On-Line - Como avalia a realização da primeira parte do Sínodo para a Família?
Pedro Lamet – Considero que o Papa foi muito inteligente em dividir o Sínodo em duas partes, porque os temas eram tão difíceis, tão cheios de complexidades, e, além disso, o contexto não era apropriado a uma consulta rápida. Então me parece que essa primeira parte foi uma espécie de bombardeio de perguntas e respostas, o que na minha avaliação pareceu positivo. Entretanto, revelou-se qual é a situação atual da Igreja. E mostrou que há um setor que não está a favor de aceitar os homossexuais, concordar que os divorciados façam a eucaristia, um setor que não permite muito diálogo.
Em primeiro lugar há coisas muito importantes, fazia muito tempo que não havia o sínodo e esse foi o primeiro sem censura. As pessoas puderam falar abertamente sobre o que acreditam. Em segundo lugar, no documento, apesar de os pontos conflitivos não terem sido aprovados no primeiro momento, as questões entraram em debate e alcançaram a maioria de votos, ainda que não a maioria absoluta. Isso é um dado muito positivo. É preciso esperar que tudo isso vá amadurecendo. Estamos passando por algo que podemos caracterizar como o movimento pendular.
O pêndulo com João Paulo II ficou na direita durante quase 40 anos, foi Papa durante 27 anos e Ratzinger, da mesma linha, por mais nove anos. Até que o pêndulo possa se mover leva tempo, mas está se movendo. A história do pêndulo se move de um lado para o outro. Assim como penso que há coisas irreversíveis no Vaticano II, acredito que há coisas irreversíveis neste momento histórico, por isso me pergunto: será que o próximo Papa que suceder Bergoglio terá a coragem de usar um Mercedes, por exemplo?
IHU On-Line - Como o Sínodo da Família repercutiu na Espanha?
Pedro Lamet – Eu diria que o cidadão espanhol médio se interessa pouco pela Igreja, ele está mais interessado em dinheiro, interessado pela sociedade do consumo — comprar coisas —, está interessado em uma vida confortável e que possa seguir acompanhando o noticiário na televisão. Agora, se o Papa quer dar comunhão aos divorciados quase ninguém se importa, pois este não é um tema das ruas, do cotidiano. Quem fala sobre isso são os especialistas e os teólogos, mas estes se dividem e há uma linha muito conservadora que está contra. Creio que seja minoritária, pois, como podemos ver na Internet, há muitos casos de sítios mais progressistas e o mais seguido é o Religión Digital, que é muito a favor do Papa. Mas há outros, como Info Católica, por exemplo, que são mais conservadores, que costumamos chamar os “das cavernas”. Estes estão muito indignados.
Creio que movimentos como o Opus Dei, no fundo, ainda que tenham uma aparência de moderados e não queiram dizer “não” ao Papa, não querem pedir a Bergoglio uma “esmola”, que é a beatificação de Álvaro del Portillo. Aliás, Álvaro del Portillo foi beatificado recentemente em Madrid, na Espanha, não pelo Papa, mas pelo Cardeal Angelo Amato. Isso ocorre porque o Opus Dei mobiliza muita gente ao redor do mundo, ainda que no Brasil eles não sejam tão relevantes, na América Latina e na Espanha são muito importantes. Sem dúvida, porém, eles não gostam de muitas coisas, são muito conservadores na forma, na liturgia, mas estão mais calados.
IHU On-Line- Em que aspectos o papa Francisco se distingue e se assemelha a outros papas, inclusive a Bento XVI?
Pedro Lamet – Os pontos em que estão mais próximos diz respeito à fundamentação da doutrina católica fundamental, por assim dizer. Francisco não mudou a doutrina católica em relação a Bento XVI ou João Paulo II. O que mudou foi a atitude. Isso porque seus sucessores estavam em um esplêndido isolamento, o Papa estava acima, em seu escritório, dentro do papamóvel, na sacada, mas este Papa toca as pessoas.
João Paulo II também tocava, mas dava a impressão de que falava, mas não escutava os outros, ele não via as pessoas. Há muitas fotos dele assim, há uma, particularmente, em que uma pessoa lhe estende a mão e ele passa reto. Mas também é preciso lembrar que ele tinha uma personalidade polonesa dura, difícil e intransigente.
Sem dúvida, Ratzinger tinha o problema de ser um intelectual que não gostava de estar no meio das pessoas, mas Bento teve um ponto muito positivo, de ter suavizado um pouco a linha de João Paulo II, na qual ele não se considerava somente Papa, mas uma espécie de líder político de governo mundial. Esse estilo mudou um pouco com Bento XVI, pois era mais modesto no sentido de apresentar uma boa notícia com menos desejo de fundamentalismo, ou seja, de converter a palavra em política, de “batizar” os governos.
Já o Papa atual se diferencia radicalmente dos dois, pois, ao mudar a atitude, mudou também uma Igreja que ordena, que fustiga. Lembremos que João Paulo II era duro contra o aborto, sempre condenando, e Ratzinger foi quem condenou os teólogos da libertação e os dissidentes.
Este Papa não condena, seu interesse é atrair os que estão longe e essa parece ser sua grande diferença. Ele se colocou no mundo atual, no mundo dos alijados, no mundo dos pobres, dos divorciados, no mundo dos que não creem e no mundo dos imigrantes, de Lampedusa, dos enfermos, dos velhos esquecidos. Não digo que estes sejam assuntos que não estiveram presentes nos outros papados, mas agora a Igreja abriu a porta aos pobres, e, acima de tudo, abriu a porta à misericórdia e ao amor. Só que os católicos ortodoxos não gostam de nada disso.
IHU On-Line – Como vê os ataques sofridos por cristãos no mundo, mas, sobretudo, no Oriente Médio com relação aos grupos extremistas?
Pedro Lamet – Para responder a essa pergunta preciso voltar às Torres Gêmeas. Acredito que é muito fácil dizer que “os terroristas são maus”, mas fomos nós que provocamos o terrorismo mundial. Os árabes são muito pobres. O mundo está dividido entre os ricos, no qual estão os Estados Unidos e o capitalismo mundial, e os pobres, mas não há mais o tensionamento do bloco comunista. Assim estamos diante de uma grande justiça industrial, e isso faz com que o fanatismo religioso cresça. Então os árabes usam o pretexto da religião para converter isso em bombas. Digamos que estão ressuscitando o califado e uma luta de “religião” contra os “bons cristãos”, ou seja, estamos voltando à Idade Média.
O problema de fundo é econômico e nisso, sim, Marx tinha razão, que a economia está na base de quase todos os problemas políticos. Tanto isso quanto o futuro da África — pois a África está adormecida, mas até ela despertar e se indignar, por exemplo, com o fato de que no Sul da Espanha o Estado não deixa os africanos passarem e eles se arriscam em barquinhos minúsculos em direção à Europa através da Itália, onde morrem de fome — provocam mal-estar. Os africanos não têm como fazer a guerra, mas os árabes sim, e eles estão muito associados à figura do fanatismo. Eles são fanáticos e querem introduzir o Islã pela violência. Os islamistas, que são os piores, estão movendo o fanatismo. O problema básico é como na ecologia, se os poderosos não se interessam, não se resolve questão nenhuma. Se os poderosos não mudam a postura de benefício direto aos bancos e rumam em direção à produção, às pessoas, não se resolvem os problemas. Aí está a base de toda a injustiça, e nisso o Papa tem sido muito claro e contrário ao capitalismo selvagem.
Por Ricardo Machado e Patricia Fachin
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O pontificado do Papa Francisco e as mudanças na Igreja espanhola e mundial. Entrevista especial com Pedro Lamet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU