15 Outubro 2014
Raymond Leo Burke nasceu há 66 anos em Richland Center, Wisconsin, em uma família rural. O Papa Bento XVI o elevou a cardeal diácono de Sant'Agata dei Goti no dia 20 de novembro de 2010.
A reportagem é de Alessandro Gnocchi, publicada no jornal Il Foglio, 13-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal Raymond Leo Burke agrada pouco ou nada ao mundo. E, se possível, agrada ainda menos à Igreja que agrada ao mundo. Por outro lado, esse norte-americano de 66 anos de Richland Center, Wisconsin, fez todo o possível para se sair catolicamente bem na intenção de queimar as consciências cristãs inclinadas demais à tepidez.
Ele participa das marchas pela vida, diz que não deve ser dada a Comunhão a políticos que apoiam leis abortistas, denuncia o rápido avanço da agenda homossexual, avisa ao Papa Francisco que a defesa dos princípios inegociáveis não é uma moda submetida aos humores dos pontífices, defende a missa no rito tradicional.
Recentemente, ele assinou o livro coletivo "Permanecer na verdade de Cristo. Matrimônio e comunhão na Igreja Católica", escrito em polêmica aberta com as misericordiosas aberturas do cardeal Walter Kasper sobre família e Comunhão aos divorciados em segunda união.
Nada de estranho, portanto, se a remodelação curial pensada por Bergoglio preveja que, de prefeito da Signatura Apostólica, agora ele seja exilado ao cargo de cardeal patrono da Soberana Ordem de Malta.
Mas, enquanto isso, no Sínodo sobre a família, esse finíssimo canonista filho dos Estados Unidos rurais, assumiu o papel de oposição, ou se poderia dizer de katechon, em relação à virada atribuída, sem desmentir, à mens papal.
Como diz a antiga "Bíblia poliglota" aberta na estante do seu escritório na página do Eclesiastes: "Tudo tem o seu tempo (...) há um tempo para calar e um tempo para falar".
Eis a entrevista.
O que se vê para além da cortina midiática que envolve o Sínodo?
Surge uma tendência preocupante, porque alguns sustentam a possibilidade de adotar uma práxis que se desvia da verdade da fé. Mesmo que deveria ser evidente que não se pode proceder nesse sentido, muitos encorajam, por exemplo, perigosas aberturas sobre a questão da Comunhão concedida aos divorciados em segunda união. Eu não vejo como se possa conciliar o conceito irreformável da indissolubilidade do matrimônio com a possibilidade de admitir à Comunhão aqueles que vivem em uma situação irregular. Aqui colocamos diretamente em discussão o que nos disse Nosso Senhor quando ensinava que quem se divorcia da sua mulher e se casa com outra mulher comete adultério.
Segundo os reformadores, esse ensinamento tornou-se duro demais.
Esquecemo-nos de que o Senhor assegura a ajuda da graça para aqueles que são chamados a viver o matrimônio. Isso não significa que não haverá dificuldades e sofrimentos, mas que sempre haverá uma ajuda divina para enfrentá-las e ser fiéis até o fim. (…)
Eu não sei como é concebido a coletiva de imprensa, mas me parece que algo não funciona bem se a informação é manipulada a fim de dar destaque apenas a uma tese, em vez de relatar fielmente as várias posições expostas. Isso me preocupa muito, porque um número consistente de bispos não aceita as ideias de abertura, mas poucos sabem disso. Só se fala da necessidade de a Igreja se abrir às reivindicações do mundo, enunciada em fevereiro pelo cardeal Kasper.
Na realidade, a sua tese sobre os temas da família e sobre uma nova disciplina para a Comunhão aos divorciados em segunda união não é nova; já foi discutida há 30 anos. Depois, a partir de fevereiro, retomou vigor, e culposamente deixou-se que crescesse. Mas tudo isso deve acabar, porque provoca um grave dano à fé. Bispos e sacerdotes me dizem que agora muitos divorciados em segunda união pedem para ser admitidos à Comunhão, porque o Papa Francisco assim o quer. Na realidade, reconheço que, ao contrário, até agora ele não se pronunciou sobre a questão. (…)
Mas parece evidente que o cardeal Kasper e aqueles que estão na sua linha falam com o apoio do papa.
Isso sim. O papa nomeou o cardeal Kasper ao Sínodo e deixou que o debate prosseguisse sobre esses trilhos. Mas, como disse outro cardeal, o papa ainda não se pronunciou. Eu estou esperando um pronunciamento seu, que só pode ser em continuidade com o ensinamento dado pela Igreja em toda a sua história. Um ensinamento que nunca mudou, porque não pode mudar. (...)
Admitir à Comunhão os divorciados em segunda união mina sacramento do matrimônio, mas também o da Eucaristia. Não lhe parece um desvio que toca o coração da Igreja?
Na Primeira Carta aos Coríntios, no capítulo 11, São Paulo ensina que aqueles que recebem a Eucaristia em estado de pecado comem a sua própria condenação. Ter acesso à Eucaristia significa estar em comunhão com Cristo, ser conforme a Ele. Muitos opõem a ideia de que a Eucaristia não é o sacramento dos perfeitos, mas esse é um falso argumento. Nenhum homem é perfeito, e a Eucaristia é o sacramento daqueles que estão lutando para serem perfeitos, segundo o que o próprio Jesus pede: ser como o Nosso Pai que está nos céus (Mt 5, 48). Mesmo aqueles que lutam para alcançar a perfeição pecam, é claro, e se está em estado de pecado mortal não pode comungar. Para poder fazê-lo, deve confessar o seu pecado com arrependimento e com o propósito de não cometê-lo mais: isso vale para todos, incluindo os divorciados em segunda união. (…)
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''Não se decide a fé com votos.'' Entrevista com Raymond Leo Burke - Instituto Humanitas Unisinos - IHU