22 Julho 2013
Muitos católicos que se identificam como conservadores ou como progressistas vão se decepcionar com o Papa Francisco, cujo programa de renovação espiritual, continuidade doutrinal e ênfase nos pobres não se encaixa em nenhum dos moldes tradicionais, disse um eminente cardeal alemão.
A reportagem é de Carol Glatz, publicada no sítio Catholic News Service, 17-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal Walter Kasper, teólogo e presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, disse que o Papa Francisco também vai enfrentar resistência dentro da Cúria, que precisa tanto de uma renovação organizacional quanto de uma mudança de mentalidade.
As tentativas de reforma irão trazer resistências e dificuldades, "assim como com todas as grandes instituições", disse ele em uma entrevista ao jornal italiano Il Foglio.
"No entanto, esse papa é muito determinado: ele sabe o que quer", disse.
O cardeal de 80 anos, que era elegível por apenas cinco dias para ser parte do conclave que elegeu o novo papa, é muito apreciado pelo Papa Francisco, que chamou o cardeal de um "teólogo em forma". Durante o seu primeiro discurso público, no Ângelus, o papa se referiu a uma das obras publicadas recentemente pelo cardeal que "me fez muito bem".
Kasper disse ao jornal italiano que "não é possível enquadrar (o papa) no clássico debate europeu conservadores-progressistas", que já é um "esquema esgotado".
"Muitas pessoas estão entusiasmadas com ele: ele é um pastor de verdade, tem um grande charme e uma abordagem imediata com as pessoas" e fala de uma forma direta e compreensível, disse Kasper. Há aqueles "que o acusam de fazer um show, mas, a meu ver, ele está dando um testemunho autêntico: ele vive o que diz".
O fato de o papa tentar viver simplesmente "lhe dá credibilidade. Ele não vive como um príncipe. Bento XVI também era uma pessoa simples, mas havia se adequado um pouco com certas formas que Francisco rejeita", disse o cardeal alemão.
"Muitos vão se decepcionar com Francisco", disse ele, presumindo que o chamado ramo conservador já se sente decepcionado "porque ele não tem a estatura intelectual de Bento XVI e, depois, porque ele aboliu a corte pontifícia – algo pelo qual eu lhe sou grato, era um barroquismo anacrônico".
O cardeal prevê que a chamada ala progressista não ficará feliz, até porque, mesmo que o papa tenha dado início a uma mudança de estilo, "ele não vai mudar o conteúdo".
"Entre ele e Bento XVI, há continuidade na doutrina", disse. O Papa Francisco "não vai mudar nada no celibato dos padres e não vai abrir às ordenações das mulheres" nem promover outras questões "progressistas" que não fazem parte do ensino da Igreja.
O Papa Francisco "não é um conservador nem um progressista. Ele quer uma Igreja pobre e dos pobres", e está ciente de que uma grande parte do mundo vive na extrema pobreza, disse o cardeal.
Dado o nível de miséria no mundo, "eu acredito que ele vai mudar a agenda da Igreja" de modo ela "leve mais a sério os problemas" do mundo em desenvolvimento.
"O modelo de civilização ocidental não funciona mais", e "o liberalismo não responde aos problemas da miséria difusa no mundo", afirmou.
"O cristianismo é a única força espiritual e intelectual no mundo de hoje que tem uma alternativa para o futuro", disse o cardeal. O seu sucesso não depende da força nos números, mas sim na determinação dos católicos de serem, como chamou o Papa Bento XVI, uma "minoria criativa", influenciando o mundo secularizado e conturbado.
O chamado do Papa Bento XVI a combater o secularismo está sendo posto em prática com o seu sucessor, disse Kasper. "Hoje, com Francisco, abre-se uma temporada de renovação espiritual".
A renovação envolve a própria Igreja, afirmou Kasper, começando pela Cúria. O Papa Francisco já começou a trabalhar na forma como as autoridades da Cúria pensam em si mesmas, insistindo que a mentalidade da Cúria "não deve ser de poder e burocracia, mas sim de serviço".
A reforma da Cúria era um "desejo quase unânime dos cardeais" presentes no conclave que elegeu o Papa Francisco em março.
O maior problema da Cúria, segundo ele, é a falta de comunicação entre os presidentes de todos os escritórios vaticanos. "A mão direita não sabe o que faz a mão esquerda".
"Os chefes de dicastério devem se ver frequentemente, ao menos uma vez por mês", e devem ser capazes de "ter acesso diretamente ao papa, sem passar pela Secretaria de Estado, que ultimamente funcionava como órgão de governo intermediário", disse o cardeal.
Kasper também disse que acha que mais mulheres deveriam ser nomeadas para altos cargos nos escritórios vaticanos.
Alguns escritórios vaticanos – incluindo os Pontifícios Conselhos para os Leigos, para a Família, para os Migrantes e Itinerantes, e para a Pastoral da Saúde – não têm jurisdição direta sobre ninguém e, por isso, não precisam ser dirigidos por um padre ou bispo ordenados, disse.
Além de haver muitas candidatas "preparadas e capazes", disse, a presença das mulheres "também é útil para superar o clericalismo, que, no fundo, é um zelo estéril".
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Um papa impossível de enquadrar pode desagradar conservadores e progressistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU