Por: Jonas | 23 Setembro 2013
“Estou longe de canonizar Francisco, e menos ainda porque é jesuíta ou porque me sinta mais próximo do estilo de Igreja que representa. Contudo, temos de admitir que não deixa de ser sintomático que homens como Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, José María Castillo e tantos teólogos críticos abriguem esperanças em sua nova imagem e em alguns passos de seu pontificado”, escreve o jornalista e jesuíta Pedro Miguel Lamet, em carta aberta direcionada ao teólogo leigo espanhol Juan Tamayo (foto). A carta é publicada no blog do jornalista El alegre cansancio, 20-09-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/8qSS8u |
Eis a carta.
Querido Juanjo,
Nós nos conhecemos há muitos anos e admiro, embora não compartilhe em todos os aspectos, seu trabalho como teólogo e na Associação João XXIII. Estamos juntos em muitas batalhas pela liberdade na Igreja e pela necessidade de uma reforma radical da mesma com base nas fontes do cristianismo. Portanto, por favor, assuma este comentário como um fraternal desabafo, nascido de minha amizade e como uma forma de esclarecer ideias, tanto para os que o acompanham e apoiam como para os que o criticam.
Recordo os tempos em que você colaborava intensamente com figuras cativantes e exemplares como Díez-Alegría, Pepe Caffarena, Casiano Floristán ou Julio Lois, hoje ausentes desta dimensão e que tanto fizeram pela Associação de Teólogos João XXIII, sobretudo, por trazer ar fresco para muitos enrarecidos ambientes da Igreja espanhola. Entretanto, você há de reconhecer que esses homens, assim como outros pioneiros como Llanos, Casaldáliga e o próprio Pedro Arrupe, que conheci muito de perto e de alguns, inclusive, escrevi suas biografias, apresentavam sua crítica a partir de uma posição de pertencimento, amor e espiritualidade que trazia credibilidade para sua radicalidade evangélica, sempre construtiva.
Não pretendo julgar suas intenções, pois parto da velha máxima de que “de internis necque Ecclesia” e de, como dizia Santo Inácio, é preciso “salvar a proposição do próximo”. Contudo, percebo em você, de um tempo para cá, que parte de uma postura extrema, que produz a sensação de que vestiu uma couraça ou que está revestido de um curioso personagem que não quer descer do cavalo alvoroçado pelo sistema, aconteça o que acontecer, principalmente, caso as melhoras, as mudanças, as boas notícias procedam da hierarquia.
Nos últimos anos, você foi se convertendo no “teólogo oficial de PRISA”, chamado a opinar, sobretudo, para o jornal El País e a “Cadeia SER”. Não nos enganemos, querido Juanjo, você e eu sabemos com qual intenção estes meios de comunicação fazem entrevistas com referência à Igreja. Eu comprovei isto várias vezes: “para que você pense como eles”. Lembro-me, não faz muito tempo, a citada “Cadeia SER” me chamou para perguntar-me sobre as declarações de um prelado espanhol. Fizeram isto antes do ao vivo “para saber como eu opinava”, e em outras ocasiões chegaram a fazer recortes a partir de uma frase gravada de forma diferente, para me fazer dizer o que pensavam. Se você é crítico, é incluído; caso você diga um fato real e que é notícia, mesmo com provas documentais, mas eles não gostam, como o que “a Pasionaria morreu católica”, você é silenciado.
Contudo, estamos num país livre e caso se queira se identificar com um meio ou grupo midiático concreto, eles estão aí. Meu comentário surge, sobretudo, em torno da figura do papa Francisco. Descarto toda papolatria e concordo com o recente artigo de González-Faus a respeito da moderação diante dele. Você sabe como sofri em meus tempos de “Vida Nueva” e “Diario 16” com o monolitismo ideológico imposto no pontificado de João Paulo II e com a autêntica ditadura eclesial que impedia a mais elementar liberdade de informação e expressão, para não falar de “caça às bruxas”. Portanto, minha adesão é sempre a Jesus Cristo e à Igreja como mediadora e instituição em processo de conversão. Francisco, como papa e como homem, não escapa, consequentemente, das limitações que o sucessor de Pedro sempre teve no transcurso da história. O próprio pescador arrancou-se nesta aventura a partir de suas falhas, recriminadas pelo próprio Jesus no mar da Galileia. Para fora, então, as idolatrias que não são censuradas pela adesão e obediência.
Portanto, estou longe de canonizar Francisco, e menos ainda porque é jesuíta ou porque me sinta mais próximo do estilo de Igreja que representa. Contudo, temos de admitir que não deixa de ser sintomático que homens como Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, José María Castillo e tantos teólogos críticos abriguem esperanças em sua nova imagem e em alguns passos de seu pontificado. Nesse sentido, Deus e a história irão dizendo.
Todavia, o que não é aceitável é fechar as portas para qualquer possível conversão da Igreja “oficial”, como aparece em seus últimos posicionamentos a respeito da Teologia da Libertação, durante o último Congresso, quando diz:
“Eu acredito, no entanto, que uma teologia que faz da opção pelos pobres seu imperativo categórico, dificilmente é assumida pela instituição eclesiástica, por várias razões: pelo lugar social em que se localiza – os pobres, os movimentos sociais -, pela radicalidade de suas opções – interculturalidade, pluralismo e diálogo inter-religioso, diversidade sexual, luta contra a pobreza estrutural -, pela revolução metodológica que implica a partir da análise da realidade e da práxis revolucionária; pela crítica do poder eclesiástico e de suas instituições”.
Esta postura me parece tão intransigente como aquelas da hierarquia, que tantas vezes criticamos quando se fecha ao diálogo, e tão maximalista com a daqueles que defenderam que na moral sexual não há “parvidade de matéria”. De acordo com suas considerações, a única solução para assumir os principais postulados da Teologia da Libertação seria fundar outra Igreja ou sair dela, como cristãos livres, rejeitando ao mesmo tempo tudo o que há de bom em tantos bispos, padres, freiras e cristãos anônimos que, talvez, sem conhecer de alguma maneira a Teologia da Libertação, procuram seguir de perto Jesus de Nazaré, dentro das limitações e fragilidade que todos nós temos, você e eu também.
Gustavo foi recebido por Francisco. De alguma maneira, foi reabilitado em “L’Osservatore”. Parece que Boff também conta com as simpatias do Papa. O processo de Romero foi desbloqueado. Por suas declarações no avião, pode-se dizer que há boas notícias para a comunhão dos divorciados e a reforma da Cúria está em andamento. A questão do celibato não será fácil e a da ordenação de mulheres talvez impossível, concordo. Para compensar, outras canonizações estão em curso. Todos nós sabemos que uma maquinaria de séculos tem movimentos paquidérmicos. Porém, não fechemos a janela entreaberta, nem apaguemos o pavio vacilante. Que não seja dito a seu respeito que se acostumou tanto a ser contra, que já não se encontra entre os que apoiam um bispo ou um papa, mesmo que vá morar num subúrbio. No processo de viver, tudo é relativo e de passagem. Você se recorda que até nosso admirado João XXIII quis impor o latim com uma carta?
Bom, isso é o que o coração me pede e comunico para você. Obrigado por me ler e que isto, escrito a partir do apreço e do respeito, não embace nossa velha amizade.
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Carta aberta a Juan Tamayo sobre o papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU