08 Mai 2014
Desde o início, o Opus Dei apoiou o novo percurso do Papa Francisco: a crise na Igreja e, em particular, da Cúria Romana eram por demais evidentes; a reviravolta considerada necessária por muitos; e a maioria que defendia no conclave uma mudança radical tornavam-se amplas.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no sítio Linkiesta, 04-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Assim, ao longo desses primeiros 12 meses, a Companhia de Jesus e a Obra fundada por Josemaria Escrivá de Balaguer se encontraram, embora à distância, unidas na mesma obra depois de serem, por muito tempo, adversários irredutíveis.
Mas agora algo está mudando: de fato, o papa, além de reforma da Cúria vaticana, de uma ação de transparência financeira levada adiante com uma certa decisão e da promoção de um modelo de Igreja mais austero e atento às necessidades das pessoas, deixou claro que pretende também proceder profundas modificações no magistério sobre temas delicados como os da família.
Mas Francisco foi ainda mais longe, assumindo de peito aberto as temáticas econômicas e sociais. As suas críticas ao modelo capitalista expressadas no documento Evangelii gaudium provocaram fortes reações dos think tanks conservadores do exterior, da direita católica norte-americana nostálgica do wojtylianismo, do Tea Party e daquela parte da imprensa que apoia a inoxidabilidade da religião neoliberal apesar da crise.
É toda uma área que começa a se incomodar diante das muitas novidades do pontificado: assim, nos últimos dias, em Roma, por iniciativa do Acton Institute, laboratório econômico conservador norte-americano de inspiração católica, realizou-se um dia de estudos sobre "Fé, Estado e Economia: perspectivas do Oriente e do Ocidente".
O conferencista de excelência foi o sacerdote e professor Martin Rhonheimer, pertencente ao Opus Dei, professor de ética e filosofia política da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, ou seja, a prestigiosa universidade da Obra na capital italiana.
Rhonheimer defendeu, em síntese, que o estado social, assim como toda forma de proteção pública, acaba limitando a liberdade das empresas e o livre mercado; são estes, ao invés, os únicos e verdadeiros pilares da difusão do bem-estar, os reguladores – juntamente com a responsabilidade individual fundamentada em princípios éticos – do progresso econômico e social. Não só: para o estudioso do Opus Dei, o próprio conceito de redistribuição econômica é um engano.
É o mercado que "trabalha" pelo bem comum, destacou Rhonheimer. Portanto, é dentro dele que se desenvolvem empresas voltadas ao lucro e sem fins lucrativos, e, consequentemente, iniciativas de caridade. Não há necessidade do Estado. O essencial é encorajar a livre iniciativa dos cidadãos.
Mesmo na tradição católica, ressaltou Rhonheimer, foi alimentado o mito de "um capitalismo cruel e selvagem", que deve ser regulamentado pelo Estado através de intervenções sobre os preços e salários para se chegar a mecanismos de redistribuição da riqueza. Tudo errado. Uma forma de subsidiariedade absoluta é a via mestra para garantir formas de solidariedade social (privadas e não públicas). O governo deve se retirar dentro de limites bem definidos, as forças do mercado e da responsabilidade do indivíduo são capazes de se autorregulamentar sozinhas. Nada de novo, mas a radicalidade dos tons é surpreendente.
A posição expressada pelo Papa Francisco tanto na Evangelii gaudium quanto em várias entrevistas, incluindo a concedida ao jornal La Stampa, era o oposto dessa postura. Bergoglio reafirmou várias vezes as suas críticas às "teorias da 'recaída favorável', segundo as quais todo crescimento econômico, favorecido pelo livre mercado, consegue produzir por si só uma maior equidade e inclusão social no mundo". "Havia a promessa – destacava o pontífice – de que, quando o copo estivesse cheio, ele transbordaria, e os pobres seriam beneficiados com isso. O que acontece, ao invés, é que, quando está cheio, o copo magicamente se engrandece, e assim nunca sai nada para os pobres". Isso, observava depois o bispo de Roma, não significa ser marxista; mas o esclarecimento não foi suficiente para deter os críticos suspeitos do exterior.
Além disso, o próprio Bergoglio parece quase provocar a ala teocon quando tuíta – como ocorreu no dia 28 de abril – afirmações do tipo: "A desigualdade é a raiz dos males sociais". Além disso, são incontáveis os discursos do papa nos quais se pedem "políticas" para reduzir a pobreza e as desigualdades sociais, isto é, intervenções públicas.
E não só: está prestes a chegar uma encíclica ambientalista que será escrita com a contribuição dos bispos da Amazônia (em particular, com a contribuição de Dom Erwin Kräutler, que recebeu ameaças pela sua defesa das populações indígenas). É difícil que surja dela uma laudatio do mercado livre e selvagem. Assim, do Financial Times à Forbes, o papa sul-americano que põe em discussão a globalização financeira provoca descontentamentos que se ampliam cada vez mais na área católica próxima dos teocons.
Além disso, quem está à frente do Acton Institute é um sacerdote, Robert Sirico, reaganiano de primeira hora e defensor de um liberalismo radical na economia, segundo um modelo em que o empregador é livre para demitir a qualquer momento, assim como o trabalhador pode mudar de emprego quando quiser, porque os dois sujeitos, na realidade, estão no mesmo plano.
A sua teoria foi definida de "a opção preferencial pela liberdade", em oposição à "opção preferencial pelos pobres", cunhada pelos bispos da América Latina na segunda metade dos anos 1960, quando surgia a teologia da libertação.
Também se deve notar que, entre os promotores do dia de estudos organizada pelo Acton Institute, figura também o Dignitas Humanae Institute, presidido pelo cardeal norte-americano ultratradicionalista Raymond Leo Burke.
No conselho do órgão, encontramos também o arcebispo de Milão, Angelo Scola, e depois os purpurados conservadores Elio Sgreccia, Francis Arinze, Malcolm Ranjth e Walter Brandmüller, além do ex-arcebispo de Hong Kong, Joseph Zen Ze-Kiun – contrário à linha diálogo com Pequim sobre temas da liberdade religiosa –, que também foi um dos conferencistas do congresso. O evento, por outro lado, além de gozar do apoio de outras estruturas do Opus Dei, foi promovido também por várias outras organizações, dentre as quais se destacava o Instituto Sturzo.
Talvez, de modo ainda incerto, estaria se coagulando uma primeira oposição interna ao papa? É o que se saberá nos próximos meses, quando o sínodo sobre a família também começará seus trabalhos.
Ao mesmo tempo, deve-se lembrar que o prelado do Opus Dei, Javier Echevarria, ainda nos últimos dias, repetiu em uma entrevista ao jornal Tempo como, por parte da Obra, não há nenhuma oposição em relação ao que o pontífice está fazendo.
Este último, de sua parte, continua a se mover com atenção em relação à prelazia: aprovou, dentre outras coisas, a beatificação de Alvaro del Portillo, o primeiro sucessor de Balaguer como prelado do Opus Dei; no dia 29 de abril, nomeou o bispo Carlos Lema Garcia como auxiliar da diocese de São Paulo, no Brasil, uma das maiores do mundo.
Dado que o Opus Dei, com o jovem bispo José Gomez, já "governa" a megadiocese de Los Angeles, deve-se notar que alguns homens do Opus Dei estão em ascensão. Nem todos, no entanto: no Peru, o arcebispo de Lima e poderoso cardeal opusiano Juan Cipriani Thorne é fortemente contestado pelo episcopado local. O jogo, em suma, está em aberto.
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A direita prepara rebelião contra o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU