05 Julho 2023
A decisão de reenviar dom Georg Gänswein à sua arquidiocese de origem causa polêmica e é descrita como uma "humilhação perante o mundo".
O artigo é de Francesco Antonio Grana, vaticanista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 03-07-2023.
“Uma humilhação perante o mundo”. Assim replicou dom George Gänswein, prefeito emérito da Casa Pontifícia e sobretudo ex-secretário de Bento XVI, ao Papa Francisco quando, na audiência privada de 19-05-2023, comunicou-lhe a decisão de reenviá-lo sem nenhum encargo para a sua arquidiocese de origem, Freiburg im Breisgau. O prelado já deixou o Vaticano e tem um apartamento no Colégio Borromeu. Impensável, pelo menos por enquanto, qualquer encargo pastoral confiado a ele pelo arcebispo de Freiburg im Breisgau, dom Stephan Burguer, que obviamente recebeu instruções precisas da Santa Sé. Bergoglio foi inamovível diante das argumentações de Gänswein que, logo após a morte do Papa emérito, o atacou duramente várias vezes em seu livro de memórias intitulado Nada além da verdade, escrito em parceria com o vaticanista Saverio Gaeta e em numerosas entrevistas. Francisco explicou ao ex-prefeito da Casa Pontifícia que as humilhações, sobretudo na vida de um sacerdote, são positivas porque ajudam a crescer espiritualmente.
Afinal, Bergoglio foi desde o início muito claro: “Acho que a morte de Bento foi explorada por pessoas que querem levar vantagem em proveito próprio. São as pessoas que de uma forma ou de outra exploram uma pessoa tão boa, tão de Deus, quase diria um santo padre da Igreja, essa gente não tem ética, é gente de partido, não de Igreja. Por toda parte vemos a tendência de montar com as posições teológicas grupos e depois levar a isso... Deixa para lá... Essas coisas vão sumir por si mesmas, ou algumas vão ficar e continuar, como já aconteceu na história da Igreja. Mas eu quis dizer claramente quem era o Papa Bento, não estava amargurado”. Um embate à distância que, no entanto, também teve três encontros cara a cara bastante tempestuosos concedidos pelo Papa a Gänswein: em 9 de janeiro, apenas quatro dias após o funeral de Bento XVI, em 4 de março e, finalmente, em 19 de maio para a comunicação da decisão final. A decisão foi posteriormente tornada pública pela Sala de Imprensa da Santa Sé: “Em 28 de fevereiro de 2023 dom Georg Gänswein encerrou a função de prefeito da Casa Pontifícia. O Santo Padre determinou que dom Georg Gänswein a partir de 1º de julho retorne, por enquanto, à sua diocese de origem”.
Inútil também foi outro argumento usado com Bergoglio pelo prelado que teria gostado de um cargo na Cúria romana. Ou seja, que acabava de se mudar do mosteiro Mater Ecclesiae, a residência escolhida por Bento XVI para sua aposentadoria, para o apartamento de cerca de 300 metros quadrados no quarto andar de Santa Marta Vecchia, também no Vaticano, levando consigo móveis e outros objetos, muitos dos quais pertencentes a Ratzinger. Uma mudança que, replicou o ex-secretário do Papa emérito a Francisco, não teria feito se soubesse que, logo em seguida, teria que deixar o menor estado do mundo para retornar à Alemanha. Mas Gänswein foi mais longe, dizendo ao Papa que dificilmente teria encontrado um apartamento na arquidiocese de Freiburg im Breisgau capaz de conter todos os móveis em sua posse. Argumento que amplificou a irritação de Francisco que, como se sabe, logo que foi eleito Papa escolheu viver num apartamento de um quarto de apenas 70 metros quadrados no segundo andar da Casa Santa Marta, como um simples hóspede de passagem pelo Vaticano, recusando o amplo apartamento pontifício localizado na terceira loggia do Palácio Apostólico. Disso decorre o convite de Bergoglio a Gänswein para se livrar o quanto antes de todos esses bens materiais.
Após a morte do Papa emérito, o prelado, que foi secretário de Ratzinger durante dezenove anos, de 2003 quando ainda era cardeal prefeito da então Congregação para a Doutrina da Fé, hoje Dicastério, até a morte em 31-12-2022, nunca escondeu seu desapontamento e seu ressentimento pela forma como foi dispensado por Francisco em janeiro de 2020. "Para ser preciso", explicou Gänswein, "continuei sendo prefeito da Casa Pontifícia porque fui nomeado pelo Papa Bento em vista da renúncia. Todas as nomeações no Vaticano são por cinco anos. Portanto, de 2012 a 2017. O Papa Francisco estendeu por mais cinco anos. Porém, seria um pouco longo para explicar. Em janeiro de 2020, ele me disse: 'Ouça, agora você fica à inteira disposição do Papa Bento. Não volte mais para trabalhar, ficando formalmente prefeito da Casa Pontifícia, mas se dedique totalmente ao Papa Bento'. Eu lhe disse: 'Sim, mas já fiz isso nos anos passados'. 'Sim, mas agora apenas para o Papa Bento'. 'Fazer isso não é compreensível para mim, mas, se o senhor quiser, certamente obedeço'. 'Sim, essa é a minha vontade'. 'Então, em obediência, eu aceito'. E assim continuou até 31-12-2022".
Gänswein, após a morte de Bento XVI, estava convencido de que Francisco lhe daria a responsabilidade de um novo cargo, apesar dos ataques ao Papa contidos em seu livro de memórias e nas numerosas entrevistas concedidas nos últimos meses. Em uma delas, o prelado chegou a declarar: “Creio que muitos cardeais teriam vivido bem se Angelo Scola tivesse sido Pontífice", explicando que viver bem para um cardeal em um pontificado "significa sentir-se em sintonia não só externamente, mas também internamente".
"Certamente", havia afirmado Gänswein pouco depois da morte de Ratzinger, agora aguardo outro encargo, o que o Papa Francisco quiser me dar, certamente aceitarei de qualquer forma. Ele é o Papa, eu sou seu filho bispo que aceitará o que ele quiser me dar. Eu vou encarar isso e assumir como a vontade da providência por meio do Bispo de Roma, por meio do Papa Francisco. Eu também estou curioso. Não escondo que estou curioso para saber quando e o que ele vai me dizer. Eu só tenho que esperar". E havia acrescentado: “Espero que o Papa Francisco confie em mim, espero não ter dado um motivo para não confiar mais em mim”. Mas Bergoglio evidentemente não pensa assim.
Diante das repetidas acusações do ex-secretário de Ratzinger, o Pontífice também quis esclarecer sua relação com seu predecessor: "Gostaria de dizer que pude conversar sobre tudo com o Papa Bento, e trocar opiniões, e ele estava sempre ao meu lado, apoiando; e se sentia alguma dificuldade, me falava e conversávamos a respeito, não havia problemas. Uma vez falei do casamento de pessoas homossexuais, do fato que o matrimônio é um sacramento e nós não podemos fazer um sacramento, mas existe a possibilidade de garantir os bens com a lei civil – começou na França, não lembro como se chama -; qualquer pessoa pode constituir uma união civil, não necessariamente de casal, idosas aposentadas podem constituir uma união civil... e assim por diante. Então uma pessoa que se considera um grande teólogo, por meio de um amigo do Papa Bento, foi até ele e apresentou a denúncia contra mim. Bento não se assustou, chamou quatro cardeais teólogos de primeiro nível e disse: 'Expliquem-me a situação’, e eles explicaram. E assim acabou a história. É uma anedota para mostrar como Bento se comportava quando havia uma denúncia. Algumas histórias que se contam, que Bento ficou amargurado com isso ou aquilo que fez o novo Papa…são 'histórias chinesas'. Aliás, eu consultei Bento – concluiu Bergoglio –para algumas decisões a serem tomadas e ele estava de acordo”.
Nos sagrados palácios, agora há quem acredite que Gänswein nem no futuro ficará em silêncio e que o confronto com Francisco esteja apenas começando.
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“Uma humilhação diante do mundo”: as palavras de Georg Gänswein na última audiência com Francisco. Ele planeja continuar o confronto em Freiburg - Instituto Humanitas Unisinos - IHU