23 Fevereiro 2023
O papa convida a Igreja a evitar toda a tentação de julgar e, em vez disso, a escutar as pessoas onde quer que elas estejam.
A opinião é de Hervé Giraud, o arcebispo de Sens-Auxerre, na França, e prelado territorial da Mission de France, que foi criada em 1954 para realizar o trabalho de evangelização em dioceses católicas pobres e com falta de pessoal no país.
O artigo foi publicado em La Croix International, 20-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde o início de seu ministério papal, o Papa Francisco tem falado repetidamente sobre a questão da homossexualidade. “Se alguém é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, então quem sou eu para julgá-lo?”, respondeu ele a uma jornalista em 2013.
O papa expandiu seus pensamentos três anos depois, em sua exortação apostólica Amoris laetitia, depois de duas assembleias do Sínodo dos Bispos dedicadas ao matrimônio e à família.
“Com os Padres sinodais, examinei a situação das famílias que vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos. Por isso desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar ‘qualquer sinal de discriminação injusta’ e particularmente toda a forma de agressão e violência” (AL 250).
Depois, o papa deixou claro em uma entrevista em outubro de 2020 que “as pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família”. Ele disse que os homossexuais “são filhos de Deus e têm direito a uma família”.
“Ninguém deveria ser expulso ou ficar infeliz por causa disso. O que temos que criar é uma lei de união civil (convivência civil), de modo que eles estejam legalmente protegidos”, disse ele.
E, apenas algumas semanas atrás, o papa de 86 anos mais uma vez abordou esse tema, pedindo a revogação de leis discriminatórias. Ele fez isso em uma entrevista à Associated Press, publicada em 25 de janeiro, e novamente em 5 de fevereiro, durante uma coletiva de imprensa a bordo do voo de volta de uma visita a África – incluindo o Sudão do Sul, país que criminaliza a homossexualidade.
As várias intervenções do papa sugerem que ele está tentando despertar as consciências. Ele faz isso em consideração às muitas pessoas e associações com as quais se encontra e que já trabalham nessa direção há muito tempo; não faz isso por ideologia, mas em linha com a busca de uma justa atitude cristã, na qual quer envolver toda a Igreja católica.
Dessa forma, Francisco recorda à Igreja que ela deve conformar “seu comportamento ao do Senhor Jesus que, num amor sem fronteiras, Se ofereceu por todas as pessoas sem exceção” (AL 250).
A partir das sucessivas palavras do Papa Francisco, parecem emergir alguns pontos que recordam a natureza radical da exigência evangélica do amor ao próximo.
Em primeiro lugar, sua evocação direta da questão da homossexualidade e da homofobia o coloca do lado dos homossexuais e de suas famílias. Dessa forma, ele defende os mais vulneráveis, especialmente os jovens, que são vítimas de comentários homofóbicos que alimentam o ódio e a violência. O Evangelho é para eles, para suas vidas.
Mas, por causa disso, Francisco também oferece um exemplo de liberdade de expressão que nos incita a romper o nosso silêncio. As pessoas homossexuais são as primeiras a sofrer com o tabu que existe em nossas famílias ou em nossas comunidades cristãs.
“Somos todos filhos de Deus, e Deus nos ama como somos”, lembra-nos Francisco. Se ele nos convida a abandonar toda a tentação de julgar, é para substituí-la por uma atitude de escuta das pessoas como elas são... sem reduzi-las àquilo que fazem. O papa quer que acompanhemos as pessoas, caminhemos com elas, as apoiemos na busca de suas próprias respostas.
Com suas sucessivas declarações, o papa jesuíta aponta para o caminho progressivo que a Igreja Católica deve seguir. Ciente de que a homofobia não desaparecerá facilmente da sociedade e que pode até se alimentar de medidas que pretendem combatê-la, Francisco convida os católicos a simplesmente contribuir para a defesa de cada ser humano.
O papa de 86 anos não desconhece as ideologias nem seus excessos, e é por isso que, com firme determinação, ele continua a partir da realidade vivida pelas pessoas, sobretudo pelos jovens que podem ser rejeitados por suas famílias ou humilhados em suas salas de aula ou associações desportivas devido à sua homossexualidade.
Para que cada pessoa seja respeitada em sua singularidade, que é feita de riqueza e complexidade, é urgente a formação das consciências. Também está em jogo a proclamação do Evangelho, para que os fiéis de Cristo não se limitem a “proclamar uma mensagem meramente teórica, sem nenhuma conexão com os problemas reais das pessoas” (Sínodo 2014, n. 32).
Finalmente, o papa denunciou os países que condenam os homossexuais. “A criminalização da homossexualidade é uma questão que não deve ser desconsiderada”, repetiu. Isso é algo que ele enfatizou em sua entrevista mais recente.
“Ser homossexual não é crime. Não é um crime... é uma condição humana”, disse Francisco. Muito mais, ele quer que a Igreja Católica ajude a revogar essas leis discriminatórias.
Em um momento em que alguns países endurecem suas legislações, o Papa Francisco busca tornar essa crença acessível. É preciso lutar contra a homofobia, porque, assim como todas as formas de ódio, ela destrói e semeia o mal. É importante falar sobre isso... assim como Francisco.
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Papa Francisco quer quebrar o silêncio sobre a homossexualidade. Artigo de Hervé Giraud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU