14 Julho 2022
“Levar a sério o apelo do papa à “conversão ecológica” como o coração e a alma de uma espiritualidade criacional católica pode fornecer uma base abrangente necessária para ações específicas. Em geral, tal conversão não aconteceu. A responsabilidade ecológica permanece à margem da consciência e espiritualidade católicas, mesmo entre muitas das partes do catolicismo contemporâneo orientadas pelo Vaticano II. Os católicos devem se mobilizar contra a decisão da maioria dos ministros da Suprema Corte. Apesar da herança católica da maioria, eles escolheram um caminho de destruição da criação em vez de um caminho de cuidado e florescimento da criação”, escreve John T. Pawlikowski, professor emérito de ética social na Catholic Theological Union, membro de um grupo de trabalho sobre a mudança climática do Dicastério para Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, em artigo publicado por Earth Beat, 12-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A recente decisão da Suprema Corte dos EUA que restringe severamente a Agência de Proteção Ambiental – EPA de regular a poluição de usinas coloca em xeque a visão do Papa Francisco manifestada na encíclica “Laudato si', sobre o cuidado da Casa Comum” de 2015. A decisão do caso Virgínia Ocidental vs. Agência de Proteção Ambiental entregue em 30 de junho também enfraqueceu severamente importantes esforços para limitar o aumento da temperatura da Terra a 1,5 °C, um limiar apontado pelos cientistas como necessário para evitar os piores efeitos da mudança climática.
À luz da Laudato si', a comunidade católica dos EUA precisa assumir um posicionamento firme e público contra essa decisão anti-vida da Suprema Corte. Esperançosamente, os bispos católicos dos EUA assumirão um papel de liderança quanto a isso. Esforços que irão além de simples palavras. Precisa-se de ação concreta, como a promoção dos esforços do Movimento Laudato Si' para desinvestir em combustíveis fósseis. Essa iniciativa tem o apoio do Papa Francisco e tem mostrado sinais de sucesso, como os 1,25 bilhão de dólares desinvestido por instituições religiosas em todo o mundo.
Qualquer orientação pró-vida no catolicismo, se quiser ser autêntica, deve incluir a destruição ecológica causada pelos combustíveis fósseis como preocupação central. O argumento “seamless garment” ( “túnica sem costura”, em tradução livre) do falecido cardeal Joseph Bernardin merece uma revisão nessa questão.
A destruição ecológica hoje tem uma relação complexa. Mas entre suas maiores causas estão a poluição do nosso ar e da nossa água pelas emissões de carbono. Dado que os Estados Unidos estão no topo da lista das nações que mais emitem carbono, essa decisão da Suprema Corte impactará a sociedade global como um todo. A destruição climática, quando nós calculamos seu impacto médio, deve ter como efeito um desafio gigantesco à vida, não apenas da comunidade humana, mas de toda a criação. Seu impacto com inundações, calor excessivo, fome causada pela seca e outros eventos climáticos atípicos está matando pessoas e deve continuar aumentando de nível. Muitas ilhas e comunidades costeiras podem desaparecer parcial ou totalmente.
Duas importantes organizações católicas comprometidas com a criação responderam prontamente à decisão da Suprema Corte sobre a autoridade da EPA em relação às emissões de combustíveis fósseis.
O Movimento Internacional Laudato Si' protestou contra a decisão e expressou temores de que ela abrisse as portas para a transferência de um milhão de barris por dia de areias betuminosas do Canadá para os Estados Unidos, o que poderia resultar em derramamentos que seriam altamente destrutivos, se não catastrófico, para terras agrícolas, abastecimento de água e terras sagradas dos povos indígenas, cuja compreensão do cuidado da criação permanece vital para a construção de uma mentalidade pró-criação e pró-vida no catolicismo.
A segunda organização católica a se manifestar contra a decisão da Virgínia Ocidental foi a Catholic Climate Covenant. Em um comunicado, o diretor-executivo do Covenant, José Aguto, contestou a decisão alegando que esta era profundamente anti-vida, dada a evidência abundante e concreta do impacto destrutivo das emissões de carbono na comunidade humana e no resto da criação.
A comunidade católica nos Estados Unidos e globalmente precisa levar essas críticas com a máxima seriedade. A posição da Suprema Corte dará nova vida à moribunda indústria de combustíveis fósseis em um momento em que deveria ser colocada para descansar permanentemente. À luz da decisão irresponsável da Suprema Corte, cabe agora à comunidade católica buscar caminhos de mitigação do carbono.
No espírito da Laudato si', Francisco trabalhou incansavelmente – pública e privadamente – para reduzir a poluição global causada por nossa ainda forte dependência de combustíveis fósseis para as necessidades básicas de energia. Ele se reuniu várias vezes com lideranças de empresas globais de energia para incentivá-las a reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Ele defendeu o investimento em alternativas de energia verde como substituto dos combustíveis fósseis em busca de uma economia verde global nos moldes estabelecidos em uma proposta encomendada pela União Europeia, que obteve aprovação provisória da maioria dos estados-membros da UE, com o chamado “governo católico polonês” sendo um grande dissidente.
Esse esforço enérgico de Francisco mostrou um pouco de sucesso, já que importantes CEOs se comprometeram a trabalhar para reduzir e, eventualmente, eliminar os combustíveis de carbono. As corporações globais que estão dando passos nessa direção estão bem à frente das forças políticas dos Estados Unidos no esforço para acabar com a dependência de combustíveis fósseis.
Em busca do objetivo de incorporar a responsabilidade climática no modelo fundamental da identidade católica, podemos cultivar a consciência pessoal e institucional da proposta de resolução das Nações Unidas sobre o direito de cada pessoa a um ambiente sustentável e saudável. Esta resolução, iniciada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, provavelmente será apresentada à Assembleia Geral da ONU neste verão. Cinco nações são as principais promotoras da resolução: Suíça, Marrocos, Maldivas, Costa Rica e Eslovênia. Espera-se que seja aprovada por uma votação esmagadora, mas permanecem dúvidas sobre a postura de alguns países-chave, como Estados Unidos e China.
Há um histórico de advogados do Departamento de Estado impedindo o governo dos EUA de assinar tais resoluções, mesmo que não sejam juridicamente vinculativas, alegando que podem abrir a porta para ações judiciais contra o governo dos EUA. Organizações não-governamentais religiosas planejam pressionar o governo Biden para assinar a resolução. O Parlamento das Religiões do Mundo está promovendo ativamente uma resposta positiva e conta com o apoio de Francisco, que endossou a ideia de tal resolução em uma mensagem ao Conselho da Europa.
Levar a sério o apelo do papa à “conversão ecológica” como o coração e a alma de uma espiritualidade criacional católica pode fornecer uma base abrangente necessária para ações específicas. Em geral, tal conversão não aconteceu. A responsabilidade ecológica permanece à margem da consciência e espiritualidade católicas, mesmo entre muitas das partes do catolicismo contemporâneo orientadas pelo Vaticano II.
Os católicos devem se mobilizar contra a decisão da maioria dos ministros da Suprema Corte. Apesar da herança católica da maioria, eles escolheram um caminho de destruição da criação em vez de um caminho de cuidado e florescimento da criação.
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EUA. Católicos precisam se posicionar contra as decisões da Suprema Corte que ameaçam a vida do planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU