11 Janeiro 2023
Monsenhor Georg Gänswein foi chamado à ordem pelo Papa Francisco. Demasiadas e objetivamente fora de tom as declarações do ex-secretário do papa emérito Bento XVI nos dias que se seguiram à morte de Joseph Ratzinger.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 10-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Assim, ontem de manhã, o pontífice o recebeu em audiência. Um encontro no centro do qual só poderia estar a gestão destes dias turbulentos, mas também uma indicação da função que caberá a Gänswein agora que terminou o seu mandato como colaborador de Ratzinger (como prefeito da casa pontifícia já havia sido exonerado há algum tempo pelo próprio Francisco).
As posições tradicionalistas de Gänswein dificultam sua colocação à frente de uma diocese alemã, de fato na Alemanha a conferência episcopal, fortemente comprometida com a renovação eclesial, não apreciaria muito uma presença pesada como a sua, mesmo que talvez fosse a solução mais simples é natural.
No entanto, mesmo nesse caso, muito depende do que Francisco decidir fazer. Além disso, o Papa disse claramente, nos últimos dias, o que pensa do caos causado pelas várias declarações de monsenhor Gänswein.
No domingo passado, durante o Angelus, mesmo sem fazer referência explícita ao caso, o Papa afirmou: “Perguntemo-nos: eu sou uma pessoa que divide ou compartilha? Pensemos um pouco: eu sou discípulo do amor de Jesus ou discípulo da fofoca, que divide? A fofoca é uma arma letal: mata, mata o amor, mata a sociedade, mata a fraternidade. Perguntemo-nos: eu sou uma pessoa que divide ou uma pessoa que compartilha?”.
O que é certo é que a tentativa de desacreditar o papa em exercício usando a memória de seu predecessor que acaba de falecer, ainda por cima fazendo publicidade de um livro recém-lançado de autoria do próprio Gänswein (título “Niant’altro che la verità: la mia vita accanto a Benedetto XVI” (em tradução livre, Nada além da verdade: minha vida ao lado de Bento XVI), não parece ajudar muito a causa da frente conservadora que se opõe a Francisco.
Nient'altro che la verità: la mia vita al fianco di Benedetto XVI
A "operação Gänswein" também foi criticada pelo cardeal alemão Ludwig Gerhard Muller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que inclusive não poupou críticas ao papa argentino ao longo dos anos, e pelo chefe do episcopado estadunidense, o ultraconservador monsenhor Timothy Broglio, ordinário militar.
Ambos disseram estar cientes de que as controvérsias públicas não ajudam a Igreja, também porque colocar um papa contra um ex-papa só enfraquece a instituição.
Entre outras coisas, Gänswein anunciou sua intenção de destruir as anotações, os escritos particulares do papa emérito, aderindo assim à sua própria vontade. No entanto, nesse sentido, há um precedente interessante: João Paulo II, em seu testamento, expressou uma vontade muito semelhante, mas foi seu secretário pessoal, o futuro cardeal Stanislaw Dziwisz, que a desatendeu por se tratar de um material de valor que devia ser estudado e confiado à posteridade.
Wojtyla havia escrito em seu testamento: “Não deixo propriedade alguma da qual seja necessário dispor. Quanto aos objetos de uso cotidiano que me serviam, peço que sejam distribuídos como for oportuno. Os apontamentos pessoais sejam queimados. Peço que disto se ocupe o Pe. Stanislaw, ao qual agradeço a colaboração, a ajuda tão prolongada nos anos e a compreensão”.
Dziwisz havia explicado sua escolha assim: "Não tive coragem de queimar os papéis e os cadernos de apontamentos pessoais que ele deixou, porque contêm informações importantes sobre sua vida".
De fato, nove anos após sua morte, em 2014, a editora do Vaticano acabou publicando um volume de 600 páginas que reunia os escritos inéditos de Wojtyla de 1962 a 2003.
Outros papéis, correspondências privadas com líderes políticos da época, teriam sido conservados pelo próprio Dziwisz. Os apontamentos de Wojtyla, além disso, contêm várias indicações importantes sobre os fatos marcantes de sua vida e de seu pontificado, também no que diz respeito à perspectiva futura que imaginava para a Igreja e a fé.
Segundo Austen Ivereigh, escritor e biógrafo do Papa Francisco que se manifestou no debate via Twitter, a publicação de apontamentos pessoais presentes no livro de Monsenhor Gänswein – em particular algumas observações do papa emérito enviadas a Bergoglio sobre uma entrevista concedida à Civiltà Cattolica em 2013 e em relação à Amoris laetitia, a exortação pós-sinodal sobre a família – prejudicariam o juramento de fidelidade que Ratzinger fez a Francisco (que, ao contrário, o emérito havia respeitado) e violariam o dever de confidencialidade que o próprio Gänswein tinha para com ambos dada a função que exercia na cúria vaticana.
Para Ivereigh, em todo caso, o livro não contém revelações particulares. A sensação geral é que, além de um aspecto público inerente à crise da Igreja, também emerge um aspecto privado da história, no qual o verdadeiro protagonista não é mais Ratzinger, mas o próprio monsenhor Gänswein.
De fato, é ele quem se torna o intérprete privilegiado do ex-papa, função que não parece apto a desempenhar de forma equilibrada. Aliás, parece que essa preocupação em trazer à tona eventuais divergências entre os dois papas, contraposições e incômodos mútuos, tem pelo menos uma dupla motivação: por um lado, tentar criar um clima favorável à renúncia de Francisco, mas, por outro, é o sinal de que a própria renúncia de Bento XVI nunca foi metabolizada e aceita por seus defensores mais aguerridos.
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O Papa convoca Gänswein para explicações. O ex-secretário de Ratzinger cada vez mais isolado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU