09 Março 2023
Por ocasião da celebração do Dia Internacional da Mulher, um olhar sobre os esforços do papa para promover as mulheres na Igreja.
A reportagem é de Matthieu Lasserre, publicada por La Croix International, 08-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Já houve algum papa que tenha aberto tantas portas para as mulheres dentro da Igreja?
Enquanto se celebra o 10º aniversário da eleição do Papa Francisco para a Sé de Pedro, os observadores do Vaticano são quase unânimes em sua avaliação: o que o papa de 86 anos fez não tem precedentes. Ele abriu oficialmente os ministérios do leitorado e do acolitado (a leitura das Escrituras e o serviço ao altar) para as mulheres e nomeou várias delas para cargos de responsabilidade na Cúria Romana. Ele também disse em alto e bom tom, e repetidamente, que está comprometido em incluir mais mulheres na vida da Igreja.
Mas uma coisa que Francisco não fez, foi cercar-se de assessoras e conselheiras. “Ao contrário de seus antecessores, cujas amizades femininas eram bem conhecidas, não há mulheres ao seu redor”, disse uma observadora em Roma. “Mas, em seu comportamento, o papa é muito natural e espontâneo em suas relações com as mulheres”, acrescentou ela. “Sobre a violência contra as mulheres, ele regularmente usa palavras fortes”, observou essa observadora, apontando que tais declarações são uma extensão da atenção particular do papa ao cuidado pastoral.
O ímpeto da participação das mulheres em decisões importantes da Igreja Católica se refletiu nos últimos anos nas nomeações para a Cúria Romana, inclusive para dicastérios anteriormente reservados a padres, bispos e cardeais. Em julho passado, três mulheres foram nomeadas para o Dicastério para os Bispos, abrindo as portas pela primeira vez de uma instituição exclusivamente masculina.
“Essa abertura corresponde à missão evangélica da Igreja”, disse Laëtitia Calmeyn, uma das primeiras mulheres nomeadas para o Dicastério para o Clero em 2018. “Em uma sociedade que debate as questões de gênero, isso testemunha a importância da contribuição específica de homens e mulheres, e sua necessária colaboração a serviço da missão", afirmou.
A possibilidade de atribuir cargos de liderança nas mais altas instituições eclesiais a mulheres foi endossada pela Praedicate evangelium, a constituição apostólica que rege a Cúria Romana, que entrou em vigor em junho de 2022.
“O texto estabelece uma forma de desconexão entre as responsabilidades e a ordenação”, disse a Ir. Nathalie Becquart, religiosa francesa que, em fevereiro de 2021, foi nomeada subsecretária do Sínodo dos Bispos com direito a voto – algo inédito no Vaticano. “Ao desclericalizar a Cúria, Francisco permite que as mulheres liderem os órgãos do Vaticano”, disse ela.
Se, neste momento, nenhuma mulher foi nomeada para chefiar um dos escritórios do Vaticano, “não há nada que impeça uma mulher de dirigir um dicastério no qual um leigo pode ser prefeito”, disse o papa em dezembro. Ele acrescentou que tal nomeação, que seria uma grande novidade na história da Igreja romana, poderia ocorrer dentro de dois anos.
O papa fez outro gesto forte há dois anos, quando ampliou o papel das mulheres na liturgia da Igreja ao decretar que elas podem receber oficialmente os ministérios instituídos do leitorado e do acolitado.
“É um gesto simbólico, porque as comunidades cristãs já estavam envolvendo as mulheres no serviço do altar e da palavra, mas isso não significa que a decisão não tenha valor”, disse a teóloga francesa Anne-Marie Pelletier. “Ela tem o efeito de evidenciar a chocante anomalia da situação anterior. Hoje, não podemos mais invocar o magistério para manter as mulheres à distância”, explicou ela.
Embora muitos católicos em todo o mundo recebam bem os avanços que Francisco fez, ainda há muito a ser feito para mudar a cultura dentro do Vaticano. “As mulheres ainda não são consultadas o suficiente”, reconheceu uma alta autoridade da Cúria. “A tendência maior é consultar o clero, embora as mulheres sejam mais procuradas nas cúrias diocesanas”, disse.
Alguns acreditam que é necessário ir mais longe e levar em consideração a ordenação de mulheres, algo que o papa repetidamente disse que se opõe. Mesmo assim, Francisco tem sido mais receptivo ao diaconato feminino.
Em 2020, poucos meses após a assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, ele anunciou a criação de uma comissão “para continuar estudando” e “ver como o diaconato permanente existia na Igreja primitiva”. Foi a segunda comissão sobre o assunto que ele criou em quatro anos.
Mas, três anos e dois encontros depois, nenhum progresso concreto foi feito, apesar dos vários elementos fornecidos ao papa pela comissão.
“É um ‘trabalho em andamento’, como às vezes dizem em Roma”, disse Pelletier com desapontamento, ela que também é membro da comissão. “Seria uma revolução tão perigosa instituir diáconas assim como já existem diáconos? Será que algum dia a Igreja permitirá a instituição de um diaconato feminino que não seja uma versão menor do diaconato masculino, mas que signifique autenticamente a igualdade batismal de homens e mulheres?”, questionou ela.
“Sentimos uma disponibilidade a avançar em prol de uma melhor integração das mulheres, mas cada anúncio é seguido de um retrocesso”, disse Marie Dervin, porta-voz da Comissão de Estudos sobre o Lugar da Mulher na Igreja, uma iniciativa francesa lançada em junho passado por várias associações feministas católicas. “Nós nos perguntamos se o papa não está sendo impedido de seguir em frente”, acrescentou.
Outras feministas católicas criticam ainda mais a inação do papa em promover o papel das mulheres, dizendo que isso equivale a uma mera operação de relações públicas.
“O Papa Francisco está fazendo cosmética”, disse a historiadora italiana Lucetta Scaraffia, ex-editora do caderno Donne, Chiesa, Mondo, a revista mensal feminina publicada pelo jornal vaticano L’Osservatore Romano. “A única coisa boa que ele fez foi estender a todos os padres o direito de absolver o pecado do aborto”, disse ela (até 2016, os padres precisavam da permissão explícita de seu bispo para oferecer tal absolvição).
Ao descrever a ação do papa nas questões relativas às mulheres, Scaraffia se recusou a usar a palavra “progresso”. Em vez disso, ela apontou várias de suas deficiências: “nenhum trabalho sobre as freiras abusadas”, “nomeações de mulheres para a Cúria que sabemos que não causarão problemas”, “trabalhos subalternos para a maioria das mulheres que trabalham no Vaticano” e “falta de vínculos com as organizações feministas católicas”.
No entanto, a abertura de Francisco parece já ter criado impulso nas Igrejas locais. Ao longo de seu pontificado, mais e mais Conferências Episcopais e dioceses nomearam mulheres para cargos importantes.
“Os bispos viram o que o papa estava fazendo, e isso os encorajou”, disse Becquart, subsecretária do Sínodo. Ela disse que Francisco respondeu às demandas expressadas em sucessivas assembleias sinodais. “O chamado a envolver as mulheres na vida da Igreja”, insistiu ela, “é muito forte e vem de todos os lugares.”
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Francisco, um papa feminista? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU