21 Mai 2025
Leão XIV apareceu "com um belo rosto manso, anunciando-se com palavras eloquentes: paz (9 vezes!), ponte, sinodalidade, lembrando-nos de que 'Deus nos ama a todos, incondicionalmente'", escreve Mariangela Maraviglia, historiadora e pesquisadora em Ciências da Religião, em artigo publicado por “Toscana Oggi” - la Vita di Pistoia, 18-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ele apareceu antes do esperado, depois de dias comoventes e surpreendentes.
Comoventes os últimos dias do Papa Francisco, com aquela sua vontade de ser fiel ao seu mandato e dom para todos. Surpreendente a participação coletiva, no nosso Ocidente desertificado de fé, na despedida do antigo e na expectativa do novo papa.
Potência do aparato midiático, mas também, talvez, a permanência de um desejo de espiritualidade e de comunidade que ainda se reconhece nos ritos arcaicos, mas sugestivos, da Igreja Católica.
O Papa Robert Francis Prevost apareceu com um belo rosto manso, anunciando-se com palavras eloquentes: paz (9 vezes!), ponte, sinodalidade, lembrando-nos de que “Deus nos ama a todos, incondicionalmente”.
E, além disso, o nome escolhido, que reencontra em uma alta tradição da Igreja (Leão XIII, Rerum Novarum) o fundamento do impulso social do Papa Francisco.
Não agradou a todos, após a “ruptura” de um costume secular inaugurado pelo Papa Bergoglio, a escolha de um nome antigo e altissonante. Alguns comentaristas logo se perguntaram “qual Leão”: Leão I, Magno, o papa que deteve Átila? Outros, inconsoláveis por uma escolha tão “tradicional”, inventaram a memória do frei Leão, o amigo de Francisco. Mas foi o próprio Leão XIV que, ao receber os membros do Colégio dos Cardeais, explicou a escolha de seu nome pontifício. Sim, a referência é justamente a Leão XIII, o papa que “com a histórica encíclica Rerum novarum abordou a questão social no contexto da primeira grande revolução industrial”, e essa referência lhe pareceu a mais apropriada porque “hoje a Igreja oferece a todos o seu patrimônio de doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”.
As palavras mais eficazes para captar o significado do documento de Leão XIII são traçadas pelo escritor francês George Bernanos, que, em seu Diário de um pároco de aldeias, faz com que o pároco de Torcy, irmão do protagonista, diga: "A famosa encíclica de Leão XIII, Rerum novarum, vocês a leem tranquilamente com um piscar dos cílios, como qualquer pastoral de quaresma. Na sua época, para nós foi como se o chão tremesse sob os nossos pés. Que entusiasmo! [...] Essa ideia tão simples de que o trabalho não é uma mercadoria, sujeita à lei da oferta e da procura, de que não se pode especular sobre os salários, sobre a vida dos homens como sobre o trigo, o açúcar e o café, revirava as consciências".
Bernanos escrevia em 1936, a encíclica havia sido publicada em 1891, mas mesmo essa única frase sinaliza um potencial ainda disruptor em nossos dias de direitos sociais negados, trabalho empobrecido, liberdade desenfreada dos jogos de capital e das finanças.
Aquele documento marcava a transição da concepção assistencial-caritativa que distinguia o catolicismo organizado para uma ação propriamente social, para um primeiro reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e para a aceitação de sua defesa coletiva.
Reconhecia que a sociedade havia mudado e que a concentração de riqueza em poucas mãos causa uma condição inaceitável de injustiça; condenava a luta de classes, mas apoiava as justas reivindicações dos trabalhadores; confirmava o direito natural à propriedade privada para a liberdade do indivíduo, mas reafirmava sua função social; afirmava o dever do Estado de intervir para estabelecer a duração do tempo de trabalho, o descanso semanal e salários adequados; almejava a harmonia social, mas abria a porta para o direito de associação sindical pela defesa dos direitos dos trabalhadores.
Graças àquela encíclica, trabalhadoras e trabalhadores cristãos começaram a se organizar com o apoio de importantes protagonistas da Igreja Católica. Como em Ranica, na província de Bergamo, onde, em 1909, centenas de trabalhadores de uma importante empresa têxtil entraram em greve por 50 dias para exigir o reconhecimento dos elementares direitos sindicais, recebendo o apoio da Cúria de Bergamo e, em particular, de Angelo Roncalli, o futuro Papa João XXIII, na época jovem secretário do bispo.
Graças àquela encíclica, difundiram-se experiências empresariais de tipo cooperativo e solidário, como bancos rurais, mútuas e seguros, com o objetivo de promover o desenvolvimento humano, social e econômico.
Importantes protagonistas dessa época atuaram em nossa província de Pistoia, como Padre Orazio Ceccarelli (1869-1927), grande promotor dos bancos rurais, e padre Dario Flori (1869-1933), organizador de três greves das tecedeiras, o explorado trabalho de tecelãs da palha, que empregava muitas mulheres no início do século XX.
Graças àquela encíclica, nasceram as ligas e os sindicatos cristãos, nos quais logo amadureceu a superação das concepções tradicionais orientadas para a harmonia superior dos interesses de todas as classes, em favor de inevitáveis lutas e reivindicações para a defesa dos direitos de trabalhadores e camponeses.
Achille Grandi (1883-1946), fundador do primeiro sindicato cristão e depois das ACLI, agradeceria novamente a Leão XIII em 1945 por ter dado ao mundo um documento que proclamava “a função mais elevada da Igreja na sociedade, o direito das massas trabalhadoras de serem libertadas do ‘jugo pouco menos que servil’ que lhes havia sido imposto, o dever do Estado de não ser um espectador indiferente a um estado de coisas tão grave”, estabelecendo-se como um “marco” para os direitos trabalhistas, a justiça e a democracia.
Economia, justiça, capital, trabalho, paz, nas últimas décadas, a dramática emergência do meio ambiente, a financeirização da economia: esses não são temas estranhos ao pensamento da Igreja, porque estão no âmago da proclamação do Evangelho no mundo. Isso nos é lembrado por todas as sucessivas encíclicas sociais dos papas, que ampliaram e atualizaram a Rerum Novarum: da Quadragesimo anno de Pio XI à Populorum progressio de Paulo VI, da Laborem exercens de João Paulo II à Laudato si' de Francisco.
Somos lembrados disso pelas teologias da libertação e pelas teologias do povo que floresceram naquela América do Sul, onde Leão XIV viveu por tanto tempo.
Esperamos que seu belo e desafiador nome oriente o Papa Prevost a continuar e renovar uma crítica explícita e direta ao capitalismo das finanças e do consumo que, como nos lembra o economista Luigino Bruni, “invadiu o mundo e conquistou as almas”, tornando-se a “verdadeira religião” global e generalizada, hoje o antídoto mais completo e convincente à anunciação do Evangelho de Jesus.