10 Fevereiro 2025
"Sobre os abusos da Igreja houve omertà" - conta o bispo de Bolzano Ivo Muser - Parte o coração ouvir as vítimas dizerem ‘não acreditaram em nós’.
A entrevista é de Alfio Sciacca, publicada por Corriere della Sera, 28-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos últimos dias, conversei com algumas das vítimas. Para eles, foi um momento de libertação: as cicatrizes permanecerão, mas eles apreciam o fato de que, talvez pela primeira vez em suas vidas, foram ouvidos e levados a sério”. Uma semana se passou desde que o bispo de Bolzano e Bressanone, Ivo Muser, tornou público o chocante relatório sobre 67 casos de abusos sexuais ocorridos entre 1964 e 2023. Essa foi a primeira iniciativa do tipo em uma diocese italiana, que foi o foco de sua visita pastoral no fim de semana. “O tema é doloroso e causa divisão, mas pude verificar que os fiéis entenderam e me agradecem
E da parte da liderança da Igreja, qual foi a reação?
Não fui criticado por ninguém. Essa não é uma ferida da Igreja italiana ou alemã, mas uma doença presente em todo o mundo. É por isso que não vejo contraposição. Todos nós devemos tomar medidas para uma mudança de mentalidade: muitos sabiam e se calaram, esse é o verdadeiro ponto crucial. Conversando com as vítimas, o que mais me abalou foi ouvir: "Não acreditaram em nós"; "Fomos deixados sozinhos, até mesmo dentro de nossas famílias".
Com exceção de alguns casos isolados, não creio que tenha havido muitas reações públicas dos outros bispos italianos.
Toda a Igreja italiana tem se movimentado nos últimos anos em torno desse tema. Não faz sentido fazer uma contraposição entre nós e o resto da Itália porque estamos todos no mesmo barco. Até mesmo o Papa disse várias vezes que não podemos mais falar de um fenômeno isolado.
O senhor já recebeu algum retorno da Santa Sé?
Já passou uma semana, não espero nada desse tipo. Em todo caso, repito, não somos o umbigo do mundo. Estamos apenas fazendo nosso trabalho e esse relatório não é um ponto de chegada, mas de partida.
Vocês contrataram um grupo de Munique. Acreditam que não há independência suficiente na Itália em relação a esses temas?
Mas não, advogados de Brunico também trabalharam nisso e houve uma grande cooperação.
Em suma, vocês não se sentem como uma diocese ligeiramente diferente?
Eu realmente excluo isso. Nós nos sentimos totalmente dentro do episcopado italiano. É claro que temos nossa própria história. Dois terços da população falam alemão, que também é minha língua materna. Temos três etnias. Essa é a especificidade de nossa diocese, que reflete nossa história e nossa sensibilidade. Mas isso não significa que estejamos em contraposição com alguém.
A Igreja italiana está um pouco atrasada em relação a esses temas?
Falo de nosso contexto e, se pensarmos na Europa Central, não fomos os primeiros a tomar uma iniciativa do tipo. Aqui entre nós existe essa forte sensibilidade. Isso sim, e estou feliz com isso. Espero que todos nós nos proponhamos a dar um sinal de uma verdadeira mudança cultural.
Dos casos reconstruídos no dossiê, qual foi o que mais o perturbou?
Todos os casos são impressionantes. Cada caso é um caso em excesso.
Haverá uma segunda fase de sua iniciativa?
De agora em diante, a prevenção será fundamental. Infelizmente, o passado não pode ser apagado, mas não devemos cometer mais erros como aqueles pelos quais eu também assumi minha responsabilidade pedindo desculpas.
O senhor disse que queria se concentrar em centros de escuta com maior presença feminina. Por quê?
Grande parte de nossas vítimas são meninas e mulheres. Somente uma sensibilidade feminina pode captar melhor certos sinais.
Os abusos sexuais são uma chaga de nossa sociedade. Existe algum específico no mundo da Igreja?
Como Igreja, temos de prestar muita atenção ao papel da autoridade que exerce um poder. Os abusos geralmente fazem parte de um abuso de poder.
Há quem pense, de forma simplista, que tudo é consequência do celibato dos padres. “Não, porque é uma chaga que afeta toda a sociedade. É claro que um celibato que não é aceito ou mal vivido pode ser uma porta, mas em geral acho que é uma simplificação”. Alguns casos subestimados também ocorreram durante sua liderança na diocese. Quais foram seus erros?
É fundamental admitir os próprios erros. Talvez eu devesse ter sido mais rigoroso em impor e prevenir. Talvez eu cometa outros erros no futuro. É por isso que devemos ser capazes de cultivar a cultura do erro e nunca perder a capacidade de escutar aqueles que sofrem, que, aliás, é a primeira forma de amor.