14 Agosto 2024
Como reconhecer o abuso espiritual? Como alertar as vítimas em potencial contra gurus que parecem convincentes e fascinantes? Qual é a relação entre abuso espiritual e abuso sexual? Essas são as perguntas a que responderá o curso semestral proposto pela Faculdade Teológica de Triveneto.
A reportagem é de Luciano Moia, publicada por Avvenire, 13-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ele será conduzido pelo padre Giorgio Ronzoni, professor de teologia pastoral e pároco de Santa Sofia em Pádua - ex-diretor do escritório diocesano de catequese - que já escreveu dois livros sobre o tema, Le sette sorelle. Modalità settarie di appartenenza a gruppi, comunità e movimenti ecclesiali e, no ano passado, L’abuso spirituale. Riconoscerlo per prevenirlo, ambos pela Edizioni Messaggero de Pádua.
O que entendemos por abuso espiritual?
Abuso de poder, responde o Pe. Ronzoni, que depois de seu doutorado em teologia se especializou em pastoral juvenil e catequética na Universidade Pontifícia Salesiana, geralmente se concretiza no contexto de uma relação de acompanhamento espiritual. A relação pode ser entre duas pessoas, por exemplo, um diretor espiritual e a pessoa que pediu ajuda. Mas também entre um grupo e uma pessoa que está sendo acompanhada. Quando ocorre o abuso, a pessoa que pede ajuda se torna a vítima nas mãos de um carnífice-manipulador que abusa do poder que lhe foi concedido e destrói a vida da pessoa que lhe foi confiada.
Quem é o abusador?
Muitas vezes é um sacerdote, um religioso, mas também um fundador ou fundadora, um grupo de pessoas que fazem parte de um movimento, um pároco, uma mestra de noviças. Fora da esfera eclesiástica, um "homem santo", uma suposta vidente. Eu diria que qualquer pessoa a quem seja reconhecida autoridade moral. A lista seria realmente muito vasta.
Quais são as condições que desencadeiam a consciência do abuso espiritual?
A pessoa sofre, sente medo, raiva, depressão, mas lhe é dito que o sofrimento faz parte do processo de cura, que essa é a vontade de Deus, que ela deve oferecer seu sofrimento em expiação de culpas não melhor especificadas, que deve abraçar sua cruz. Assim, fica em silêncio e segue em frente. Também porque o abusador explica que o relacionamento deles não deve ser mencionado para ninguém, que os outros não entenderiam. Assim, isso pode se prolongar por meses, às vezes anos.
E quando a situação por fim explode?
Ela explode quando chega uma terceira pessoa que consegue esclarecer ao abusado o que está errado. Em resumo, é necessária uma ajuda externa, que pode ser uma pessoa, mas também uma leitura, uma palestra, algo que desperte a suspeita, que faça a vítima entender sua condição.
Somente sob essas condições o processo de libertação começa?
Sim, mas nunca é fácil. E, acima de tudo, não é imediato porque, apesar do sofrimento, as vítimas confiam em seu abusador. Muitas pessoas que foram vítimas de abuso espiritual me escreveram depois de ler meu livro e explicaram que, vistas de dentro, as coisas nunca são tão claras, tão evidentes quanto para aqueles que observam de fora.
Quem são as pessoas em maior risco?
Eu diria que não existe um perfil da vítima ideal. Todos estamos potencialmente em risco. Mas é evidente que quanto mais frágil for a pessoa, quanto mais precisa encontrar um apoio espiritual, maior será a chance de cair nas mãos de um abusador. Talvez as únicas pessoas seguras sejam aquelas que desconfiam de todos, que nunca confiam, ao passo que quanto mais boa e aberta aos outros for uma pessoa, mais ela poderá se deparar com situações ruins. E não se pode esquecer que os abusadores são muito astutos, sabem como encontrar o lado fraco da pessoa em dificuldades. Um jovem em busca, uma pessoa que está vivendo um sofrimento e está pronta para abrir o coração em busca de respostas e alívio, tem mais chances de cair na armadilha do abuso.
Mas qual é a vantagem que um abusador obtém de sua ação de controle e manipulação das consciências?
Existem três tipos de abusadores. Há o abusador em - parcial - boa-fé. Aquele que está convencido de que está fazendo o bem à pessoa, que se sente o salvador da pátria. Na realidade, estamos diante de uma pessoa que tem uma grande necessidade dos outros, que prende a si as pessoas ao seu redor porque não conseguiria viver sem elas. Na realidade, mesmo que em "boa fé", estamos diante de uma pessoa altamente problemática.
No extremo oposto há o narcisista perverso. Uma pessoa má, perfeitamente consciente do que está fazendo. Quer o controle total da pessoa que está à sua frente. Quer manipular a consciência, despertar admiração, consenso, aplausos para chegar ao abuso sexual.
Sabemos que os dois tipos de abuso estão estreitamente relacionados. Primeiro se apodera do coração, da mente e depois chega ao corpo.
Você mencionou três tipos de abusadores. E o terceiro?
Diria que é um estágio intermediário, entre a "boa-fé" e o perverso. Portanto, um superegocêntrico que tem uma grande neurose e que, para acalmar sua ansiedade, usa sua própria imagem. Diz por exemplo, que é devotado à sua própria comunidade, ao seu próprio movimento, mas, em vez disso, usa a Igreja para acalmar seu narcisismo. Ele não gosta da concorrência das pessoas brilhantes, se cerca de gregários, só quer fazer sobressair a sua imagem.
Na época das mídias sociais, esse é um vício que está atingindo muitas pessoas, mesmo dentro da Igreja...
Infelizmente... Nos tempos de Freud, a psicose mais difundida era a histeria, hoje estamos no "video ergo sum", as pessoas acreditam que alcançaram um valor quanto mais são vistas. Mesmo no âmbito eclesial, se confunde a visibilidade com a eficácia apostólica. Tantos cliques, tantos fiéis. Acredita-se que a pessoa carismática é aquela que atrai muitas pessoas, enquanto, de acordo com São Paulo, os carismas são dons do Espírito e não dependem do número de - supostos - seguidores.
O que aconselha à pessoa que está numa busca, que gostaria de ter um guia espiritual, para evitar o risco de abuso?
Informar-se bem, fazer comparações, avaliar várias pessoas, ouvir opiniões diferentes, não confiar totalmente em um único guia, especialmente se ele exigir exclusividade, se tender a cancelar outras relações. Se nos confrontarmos sempre e só com a mesma pessoa, acabamos por aceitar como ouro tudo o que ela diz, aceitar a proibição - quase sempre expressa por um potencial abusador - de não conversar com outras pessoas, se perdem os anticorpos e o risco de abuso aumenta.
Agora, no entanto, fala-se muito sobre isso e há cada vez mais oportunidades de aprofundar o problema também nos seminários.
Certo, mas devemos ter em mente que não basta acrescentar um curso em um seminário para aliviar a consciência. Em vez disso, é necessário ampliar a conscientização, apostar na formação contínua, explicar às pessoas que têm a responsabilidade da orientação espiritual que devem deixar de lado a tentação de serem fascinantes e envolventes a todo custo. Vimos até demais professores de espiritualidade abusando de seu fascínio intelectual para prender a si as pessoas.
Vamos manter alta a atenção. Infelizmente, o abuso espiritual está mais disseminado do que se possa imaginar.
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“Abusos espirituais, todos corremos risco. Desconfiem de sacerdotes em busca de likes”. Entrevista com Giorgio Ronzoni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU