11 Março 2024
"A verdade é que sem uma vasta rede de cumplicidade em nível institucional, nenhuma das duas igrejas, a protestante e a católica, teria sido capaz de manter o silêncio sobre um número tão grande de crimes durante tanto tempo", escreve Francesco Peloso, jornalista, em artigo publicado por Domani, 07-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Décadas de silêncio conivente e encobrimentos; essa é a dramática realidade que emergiu de uma investigação independente encomendada pelos Conselhos da Igreja Evangélica Alemã sobre o fenômeno da violência sexual contra menores cometidas nas igrejas protestantes.
Um processo colossal de encobrimento: essa é a sensação que desponta quando se toma conhecimento da investigação sobre os abusos sexuais de menores nas igrejas evangélicas da Alemanha em um período considerável de tempo, de 1946 a 2020, divulgada nas últimas semanas.
A pesquisa, encomendada há três anos pelo Conselho da Igreja Evangélica Alemã (EKD, órgão que reúne as diversas denominações protestantes da Alemanha), a um grupo de pesquisadores independentes – reunidos sob a sigla Fórum – constatou a existência de pelo menos 2.225 vítimas menores (a idade média registrada é de 11 anos) e 1.259 autores de violências, dos quais aproximadamente um terço pastores.
Não só isso: considerando que apenas uma das 20 igrejas regionais protestantes alemãs abriu completamente seus arquivos para os pesquisadores, supõe-se números muito maiores: as vítimas poderiam ser mais de 10 mil.
A chefe do conselho da Igreja Evangélica a bispa luterana de Hamburgo Kirsten Fehrs comentando as conclusões do relatório, disse: “Estou chocada. Não posso dizer isso de outra maneira. Desde quando trato desse assunto, estou realmente chocada com esse abismo de violência que atingiu tantas pessoas e que foi cometido na igreja”. “Falamos do fato – acrescentou – que no âmbito das comunidades houve quem se virasse para o outro lado. Estamos falando de um fracasso retumbante da nossa Igreja em fazer justiça às pessoas atingidas. Não as protegemos no momento do crime e não as tratamos com dignidade quando encontraram coragem para se apresentar." Fehrs é presidente interina da EKD e substituiu Annette Kurschus, teóloga e pastora protestante, que renunciou em 20 de novembro passado por ter sido acusada de encobrir um caso de abuso que remonta a vários anos atrás.
De fato, o Ministério Público de Siegen, no estado da Renânia do Norte-Vestefália, está investigando casos de possível assédios sexuais contra alguns jovens por parte de um homem que trabalhava no mesmo distrito eclesiástico junto com Annette Kurschus e que a pastora conhecia pessoalmente.
A teóloga sempre declarou não ter tido conhecimento dos fatos; o jornal local "Siegener Zeitung", no entanto, citou o testemunho de dois homens que afirmaram ter informado Kurschus em detalhes sobre as acusações de abuso, já no final da década de 1990. No entanto parece que o Ministério Público está prestes a arquivar o caso porque não há elementos criminosos relevantes. Isso para exemplificar o clima e o debate que acompanham a história.
O estudo independente de 864 páginas, realizado ao longo de três anos por pesquisadores de oito institutos (encomendado e financiado pela EKD por 3,6 milhões de euros), atingiu, portanto, a opinião pública alemã, as próprias igrejas protestantes e os seus serviços de assistência social (Diaconias, presentes em todo o país); as igrejas evangélicas que representam aproximadamente 19 milhões de fiéis no total Alemanha (os católicos são 21 milhões), pensavam estar acima do escândalo em comparação ao que acontecia na Igreja Católica, no entanto a pesquisa destacou o quanto fosse ilusória essas autopercepção por parte das comunidades de fiéis. O grupo de pesquisadores Fórum abriu, portanto, a caixa de Pandora sobre as profundidades do fenômeno e sobre como as violências sexuais perpetradas contra menores foram tratadas dentro da Igreja Protestante.
“É a ponta do iceberg”, declarou Martin Wazlawik, da Universidade de Hannover, que coordenou a investigação, a respeito do abismo que se abriu no mundo evangélico com o aparecimento da história. A pesquisa foi encomendada em 2020, com o objetivo de analisar o problema e identificar as estruturas que dentro dele permitem a ocorrência das violências e dos abusos de poder.
Ao explicar a amplitude da zona de sombra revelada pela investigação, os investigadores queixaram-se de ter tido acesso principalmente a atos "disciplinares" e não também aos dossiês "pessoais" fornecidos apenas por uma das 20 estruturas regionais que compõem o Conselho da Igreja Evangélica Alemã.
Até agora, os esforços da EKD para trazer à luz os abusos têm sido menos determinados do que aqueles feitos pela Igreja Católica, afirmou Harald Dressing, um dos autores do estudo. Por outro lado, a Igreja Católica na Alemanha, publicou uma pesquisa semelhante em 2018 com base na análise de quase 40 mil arquivos pessoais abrangendo o período de 1945 a 2014; da documentação coletada, surgiu um quadro já em si alarmante: 1.670 sacerdotes e diáconos haviam sido acusados de abusos sexuais e 3.677 crianças e adolescentes haviam sido identificados como vítimas.
A verdade é que sem uma vasta rede de cumplicidade em nível institucional, nenhuma das duas igrejas, a protestante e a católica, teria sido capaz de manter o silêncio sobre um número tão grande de crimes durante tanto tempo. Numa declaração conjunta do último dia 6 de fevereiro, todas as principais entidades da Igreja Evangélica Alemã, em nível regional e federal, afirmaram: “Os resultados do estudo Fórum revelam um fracasso de décadas da Igreja Protestante e da diaconia em todos os níveis e em todas as Igrejas regionais. As pessoas afetadas não foram ouvidas, os crimes não foram enfrentados, os culpados foram protegidos e ninguém assumiu a responsabilidade. A violência sexual faz parte da realidade da nossa Igreja e da nossa diaconia”.
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Alemanha: o escândalo dos abusos sexuais também assola as igrejas protestantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU