Abusos e relações Estado-Igreja a serem revistos

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11 Janeiro 2023

Marko Rupnik é um padre católico, jesuíta, renomado artista autor de mosaicos que decoram importantes locais de culto no mundo e no coração do próprio Vaticano. Entre os mais próximos de nós está a cripta da nova igreja de San Pio em San Giovanni Rotondo, cujos mosaicos dourados foram realizados entre 2009 e 2013. Mas ele também é um reconhecido especialista das tradições cristãs orientais e, portanto, muito procurado como pregador de exercícios espirituais.

O comentário é de Maurizio Porulari, publicado por Quotidiano di Puglia, 10-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.

Duas religiosas que o haviam denunciado anos atrás por abusos sexuais e de poder falaram recentemente à mídia, tornando assim conhecida do público uma questão grave que fora cuidadosamente mantida em sigilo, apesar do processo iniciado pelos jesuítas para verificar as acusações ter concluído que o comportamento de Rupnik era efetivamente aquele denunciado pelas religiosas.

Manifestamos proximidade às vítimas dos abusos, conhecidas e desconhecidas, interessamo-nos pelas razões estruturais que favorecem os abusos em vista de uma reforma da Igreja Católica e acreditamos que a forma jurídica e os conteúdos da relação entre o Estado e o Igreja Católica na Itália representam um obstáculo à busca da verdade, mas também à missão da própria Igreja Católica e aos interesses dos cidadãos italianos.

As acusações contra Rupnik foram investigadas pela Congregação para a Doutrina da Fé, antigo Santo Ofício, que as considerou críveis a ponto de excomungá-lo, decisão tomada em maio de 2020 e anulada após poucos dias, possibilidade de exclusiva pertinência papal. A excomunhão tinha sido imposta por ter absolvido em confissão uma freira considerada cúmplice das transgressões sexuais, culpa que comporta automaticamente tal sanção.

Entre 2020 e 2021 uma segunda investigação também realizada pela Congregação não resultou em nenhuma sanção canônica reconhecendo ter havido prescrição dos crimes. O reitor geral dos jesuítas, Arturo Sosa, em recente coletiva de imprensa, argumentou que estariam em vigor "medidas de restrição ao ministério do padre Rupnik", que "ele está em Roma e continua seu trabalho como artista, nos âmbitos não afetados pelas medidas restritivas contra ele". A sua teologia, especificou Sosa, “não é questionada, mas o seu comportamento como padre no exercício do seu ministério sacerdotal”.

Embora o personagem seja conhecido e relevante, a notícia, ainda que tardia - os fatos datam de 1990 - foi noticiada na Itália por poucos jornais. Os relatos mostram que um clima de silêncio conivente e condicionamento atrasou as denúncias das vítimas, aparentemente 21 religiosas. É surpreendente também que as vítimas não tenham recorrido ao judiciário italiano, tanto porque uma violência e um abuso são sempre um crime quanto porque na Igreja Católica não existe a separação dos poderes que é garantia de imparcialidade na administração da justiça.

Também é verdade que abusos e violências são revelados em outros ambientes onde a estrutura hierárquica do poder é particularmente pronunciada como nos ambientes policiais, militares e carcerários, mas aqui estamos num âmbito em que se professa a fraternidade, o amor recíproco e o serviço mútuo. Seria um erro considerar o caso Rupnik um fenômeno ligado a uma única pessoa sem questionar a estrutura hierárquica e a concentração de poder da organização em que ocorreu. A sacralidade do sacerdócio, a exclusão patriarcal das mulheres do mesmo, o poder indiscutível concentrado na hierarquia que se autogera são as raízes dos tantos "casos Rupnik".

Também seria um erro considerar a questão puramente interna à Igreja Católica, como grande parte do mundo laico se inclina a fazer diante das questões eclesiásticas. De acordo com a Constituição de 1948, enquanto “as confissões religiosas que não a católica têm o direito de se organizar segundo os seus próprios estatutos, desde que não conflitem com o ordenamento jurídico italiano”, o Estado e a Igreja Católica “são, cada um, em sua própria ordem, independentes e soberanos".

Quando o mundo laico e o mundo católico entenderem o anacronismo dessas normas, também cessará a relação concordatária entre o Estado e a Igreja Católica. Entretanto, seria muito útil abolir o parágrafo 4 do artigo 4.º da Concordata, segundo o qual os eclesiásticos não são obrigados a dar aos magistrados ou a outras autoridades informações sobre pessoas ou assuntos de que tenham tido conhecimento em virtude do seu ministério.

Mas, nesse meio tempo e antes, será talvez a sociedade devidamente informada a compreender que estruturas autoritárias, irmandade e sororidade nunca se dão bem.

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