22 Dezembro 2022
O investigador nomeado pelo Vaticano que ajudou a trazer à luz acusações de abuso sexual e espiritual de décadas contra um famoso padre jesuíta está pedindo aos hierarcas que esconderam seus crimes que “peçam humildemente ao mundo que perdoe o escândalo”.
A reportagem é de Nicole Winfield, publicada por America, 20-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em correspondência obtida na segunda-feira, dom Daniele Libanori, bispo-auxiliar de Roma, também disse que as afirmações das mulheres sobre o reverendo Marko Ivan Rupnik eram verdadeiras e que elas “viram suas vidas arruinadas pelo mal sofrido e pelo silêncio cúmplice” da Igreja.
Libanori escreveu a carta no domingo a outros padres depois de uma semana notável em que a ordem religiosa jesuíta do Papa Francisco admitiu que Rupnik, um artista cujos mosaicos enfeitam igrejas e capelas em todo o mundo, havia sido excomungado por ter cometido um dos crimes mais graves na Igreja: usar o confessionário para absolver uma mulher com quem ele havia se envolvido em atividade sexual.
O Dicastério para a Doutrina da Fé do Vaticano, que lida com casos de abuso sexual, declarou a excomunhão em maio de 2020, mas a suspendeu no mesmo mês e se recusou a processá-lo um ano depois, quando nove mulheres apresentaram outras alegações relacionadas. O Dicastério, que hoje é liderado por um cardeal jesuíta, disse que os casos eram antigos demais para serem processados.
Libanori, que também é jesuíta, descobriu as histórias das mulheres quando foi enviado em 2019 pelo Vaticano para conduzir uma investigação sobre sua comunidade problemática na Eslovênia em meio a reclamações sobre seu atual líder.
Rupnik, que é esloveno, ajudou a fundar a Comunidade Loyola de mulheres consagradas na década de 1980, mas foi obrigado a sair em 1993 por motivos que agora parecem relacionados a alegações de que ele abusou sexual e espiritualmente das mulheres sob seus cuidados espirituais lá.
Ao saber das reivindicações, Libanori instou as mulheres a apresentarem queixas formais ao Vaticano, resultando no caso de 2021 que acabou sendo arquivado porque foi considerado muito antigo para ser processado.
Apesar do exílio precoce da Eslovênia, Rupnik manteve alguns apoiadores e um grupo de mulheres o seguiu até Roma, onde fundou um centro de estudos artísticos e culturais de enorme sucesso – o Centro Aletti, que tem seu próprio selo editorial, Lipa Editions. Rupnik ainda desfruta de uma forte rede de apoiadores, alguns dos quais tentaram desacreditar os acusadores eslovenos questionando sua saúde mental, de acordo com outra correspondência de Libanori.
“É ignóbil pensar em reduzir a responsabilidade e diminuir o mal dispensando aqueles que se queixam com julgamentos sumários sobre sua saúde mental ou, pior, sua gravidade”, escreve Libanori em carta com data de 4 de dezembro aos membros da comunidade eslovena. “No mínimo, isso torna mais séria a responsabilidade daqueles que se aproveitaram deles”.
O escândalo de Rupnik destacou as fraquezas nas políticas de abuso do Vaticano em relação ao abuso espiritual e sexual de mulheres adultas, e como padres poderosos muitas vezes podem contar com o apoio de alto escalão mesmo depois que acusações críveis contra eles são apresentadas.
A correspondência de Libanori evidencia o mesmo manual usado por outros padres acusados – o reverendo Marcial Maciel e o ex-cardeal Theodore McCarrick, por exemplo – que conseguiram desacreditar seus acusadores por décadas, alegando que eram instáveis, dispostos a prejudicá-los ou à Igreja, ou estavam apenas espalhando escandalosas “calúnias”.
Libanori procurou esclarecer as coisas na carta aos padres italianos. Ao dizer que Rupnik merece o amor e a misericórdia de Deus, Libanori disse que suas vítimas merecem ser acreditadas, que toda a verdade ainda deve ser revelada e que aqueles que protegeram Rupnik devem se posicionar.
“As pessoas feridas e ofendidas, que viram suas vidas arruinadas pelo mal sofrido e pelo silêncio cúmplice, têm o direito de ter sua dignidade restaurada publicamente agora que tudo veio à tona”, escreveu Libanori. “Nós, Igreja, temos o dever de examinar seriamente nossa consciência, e os responsáveis devem reconhecê-lo e humildemente pedir ao mundo que perdoe o escândalo”.
Os jesuítas, por sua vez, estão pedindo a quaisquer outras vítimas em potencial que apresentem queixas.
O caso Rupnik parece ser outro exemplo de um líder religioso carismático que ajudou a fundar uma nova comunidade religiosa, apenas para mais tarde ser acusado de abusar daqueles sob seu domínio espiritual. O Papa Francisco tem reprimido a explosão desregulada de tais comunidades que floresceram após o Concílio Vaticano II e encontraram o apoio de João Paulo II.
Francisco lançou inúmeras investigações em comunidades individuais, impôs liderança externa a elas para implementar reformas, ao mesmo tempo em que estabeleceu limites gerais de mandato para posições de governança em movimentos leigos para tentar impedir a formação de cultos de personalidades.
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D. Daniele Libanori, investigador do Vaticano, diz que acusações de abuso contra o jesuíta Marko Rupnik são verdadeiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU