13 Agosto 2024
O governador russo de Kursk indicou que “há 28 localidades sob controle inimigo” e que a profundidade de penetração é de 12 quilômetros e a largura é de 40 quilômetros.
O artigo é de Jesús A. Núñez, professor de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade de Comillas, de membro do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos e do Comitê Espanhol da UNRWA, em artigo publicado por El Diario, 12-08-2024.
Tal como a invasão russa da Ucrânia não é uma “operação militar especial”, como Moscou insiste em chamá-la, a incursão ucraniana na região de Kursk também não pode ser reduzida a uma simples “operação terrorista”, embora Putin tenha decidido confiar ao FSB (em vez do Ministério da Defesa) para liderar a resposta. Em todo caso, a situação no terreno não nos permite concluir que estamos perante uma mudança radical na guerra, embora seja a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que tropas regulares de um Estado estrangeiro pisam o solo russo.
Isto não significa que a penetração de vários milhares de soldados ucranianos na região de Kursk (e aparentemente também na vizinha Belgorod) permaneça meramente anedótica. É, antes de mais, uma ação que mostra tanto a criatividade dos comandantes ucranianos para tirar partido dos poucos meios que possuem contra o seu inimigo, como as vulnerabilidades da máquina militar russa, incapaz de garantir a segurança da sua fronteira apesar da sua esmagadora superioridade demográfica, industrial e econômica em relação à Ucrânia.
Da mesma forma, questiona diretamente o discurso de Putin, segundo o qual “tudo está indo conforme o planejado”. Além disso, serve para elevar o moral tanto das tropas como dos cidadãos ucranianos, oprimidos pelo desenvolvimento da ofensiva terrestre russa na área de Donbass e pelos bombardeamentos frequentes e indiscriminados contra alvos civis.
Em nível estritamente militar e à espera do que trará uma operação ainda em curso, é evidente que Kiev conseguiu a surpresa táctica, atacando numa parte da frente onde o desdobramento defensivo russo é menos denso, o que lhe permitiu fazer o seu caminho rapidamente. Estima-se que, utilizando vários milhares de soldados, várias centenas de quilômetros quadrados passaram momentaneamente para as mãos da Ucrânia numa semana, excedendo em muito o que foi recuperado na contraofensiva falhada no segundo semestre do ano passado.
NEW: Ukraine's operation in Kursk Oblast has allowed Ukrainian forces to at least temporarily seize the battlefield initiative in one area of the frontline and contest Russia's theater-wide initiative.🧵(1/7) pic.twitter.com/13ppuSwCMa
— Institute for the Study of War (@TheStudyofWar) August 12, 2024
O governador em exercício da região russa de Kursk, Alexei Smirnov, destacou esta segunda-feira numa reunião com Vladimir Putin que “há 28 localidades sob o controle do inimigo e que a profundidade de penetração no território da região de Kursk é de 12 quilômetros e a largura é de 40 quilômetros”. Segundo dados oficiais russos, 121 mil pessoas foram evacuadas e outras 60 mil deverão partir. A incursão ucraniana, segundo o governador, causou a morte de 12 civis.
Mas isso não significa que tenham conseguido consolidar as posições que alcançaram. Pelo contrário, uma ação desta natureza consiste precisamente num movimento muito rápido, sem conseguir assegurar os flancos (o que deixa as unidades envolvidas em risco de sofrer contra-ataques) e aumentando as dificuldades logísticas a cada quilômetro de avanço (tanto para reabastecimento de alimentos, munições e combustível, para poder cuidar dos feridos e reparar avarias do material utilizado).
Entende-se, portanto, que se trata de uma operação limitada tanto na magnitude do golpe infligido ao inimigo quanto no que dele se pode esperar. Mesmo que Kiev consiga preservar a escassa porção de solo russo em que agora operam as unidades que realizam a incursão, com a intenção de ter um ativo territorial para trocar com Moscou num hipotético acordo futuro, basta lembrar que a Rússia controla atualmente cerca de 110.000 quilômetros quadrados.
Muito provavelmente, a Ucrânia tomou esta decisão com a intenção de forçar a Rússia a retirar as tropas da região de Donbass, onde tem concentrado o esforço principal da sua ofensiva durante semanas, para colmatar a lacuna que os ucranianos criaram em algumas áreas, a dezenas de quilômetros de uma frente que se estende por mais de 1.100 quilômetros. Putin concorda que a operação ucraniana visa “travar a ofensiva russa” no Donbass, conforme noticiado esta segunda-feira.
Desta forma, Kiev espera que Moscou não tenha outra escolha senão tentar reduzir a intensidade dos ataques que já levaram à perda de várias cidades e ao avanço perturbador das tropas invasoras. Se isso acontecer, a Ucrânia seria capaz de aliviar a pressão no Donbass e ganhar tempo para substituir unidades muito desgastadas e ter os materiais mais recentes entregues pelos seus aliados (caças F-16, especialmente).
O que é previsível, portanto, é que Kiev tente manter o esforço em Kursk por um tempo (e potencialmente em Belgorod e Bryansk), mas sabendo que não tem unidades suficientes para ir muito mais longe, a menos que as retire de outras partes da frente (o que seria muito arriscado dada a atual pressão russa).
Por seu lado, a Rússia tem mais opções. Pode reunir as tropas necessárias para aniquilar completamente a penetração e restaurar a segurança da sua fronteira; embora para isso ele precise de tempo para trazê-los da retaguarda (são unidades recrutadas e pouco operacionais) ou de outros setores da frente (enfraquecendo por um tempo a sua própria ofensiva no Donbass). Pode também limitar-se a conter o avanço, esperando que este se esgote devido à incapacidade da Ucrânia de superar as dificuldades logísticas já mencionadas e de ter novas unidades não só para aumentar a distância, mas também para consolidar as posições alcançadas face a um inimigo superior em número.
Em ambos os casos, a aposta ucraniana parece estar com os dias contados.
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Qual é o objetivo da Ucrânia na incomum incursão terrestre em território russo e que implicações isso tem? Artigo de Jesús A. Núñez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU