04 Fevereiro 2024
"Eu, por outro lado, defendo que devemos reler tudo para entender também o que está acontecendo em Gaza hoje: os significados diretos e os que adquirirá ao longo do tempo, especialmente se não seguirmos pelo caminho do compromisso razoável, que é o único que pode dar resultados - o único que pode reduzir o integralismo do Sul Global", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 02-02-2024.
Na minha página de diário anterior, distanciei-me das posições da senhora Nancy Pelosi, para quem - quem critica Biden em relação a Gaza - seria inspirado por Putin.
Agora, descubro que o Secretário de Estado americano Blinken, ao contrário de Pelosi, dialogou também com os dissidentes, solicitando aos seus escritórios - de acordo com fontes consideradas autorizadas pela Axios - que estudem com decisão o caso de um possível reconhecimento do Estado da Palestina. A partir daí, rapidamente, talvez enfaticamente, surgiu a menção de uma "nova doutrina Biden", que definiria o Estado da Palestina como "necessário", embora "desmilitarizado". O que destaco aqui é que não se pode afirmar que Biden foi condicionado por Putin.
Não considero possível entrar em detalhes: o que encontrei escrito é promissor, embora bastante complicado, ainda vago e carente de elementos determinantes em relação ao verdadeiro ponto crítico: o das fronteiras. Escrevo, no entanto, que respeito Blinken, enquanto tenho muito menos apreço pelo radicalismo exibido por Pelosi, que, aliás, é especular ao radicalismo oposto, o de muitos na direita americana. Essa guerra, como afirmei, infelizmente reflete uma tendência generalizada ao radicalismo, uma reedição daqueles do século XX. Isso não nos faz avançar, mas retroceder.
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Para mim, é difícil entender aqueles que chamo de "ocidentalistas". Não que seja fácil lidar com os islamistas. Este termo, quando usado, é frequentemente entendido como integralistas em geral. O fato é que, naturalmente, os ocidentalistas têm mais peso.
Na convicção deles, o Ocidente dominou o mundo apenas por méritos claros e evidentes, mas eu acrescentaria que às vezes demonstrou o desejo de transformar o mal em bem. À pergunta sobre qual foi o primeiro genocídio do século XX, nós, ocidentais, respondemos facilmente: o armênio! Infelizmente, os turcos ainda não o reconhecem, após mais de um século, como tal.
Mas devemos lembrar que em 1904 foram os alemães que inauguraram o "curto século" com o genocídio dos Herero e dos Nama, na Namíbia. Os ocidentalistas podem dizer que os colonos alemães estavam interessados apenas nas terras e em suas riquezas, e que, portanto, foram os Herero e os Nama, com seus protestos, que tornaram tudo mais difícil e "colorido de vermelho". Isso foi discutido nos últimos dias, durante o debate no Tribunal Internacional de Haia.
Não sei se alguém tentou minimizar o genocídio. Talvez não. Porque isso não importa para os ocidentalistas. Se algo foi tentado, foi transferir a responsabilidade do primeiro genocídio do século XX para os muçulmanos, embora seja sabido que o Sultão já não tinha nenhum poder real: a decisão foi do governo dos generais, nacionalistas e laicos.
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Isso é muito relevante, porque foi o nacionalismo que orientou Talat Pasha, ministro da guerra, e seus telegramas. Certamente, no desenrolar do massacre, foram os muçulmanos que mataram os cristãos: terrivelmente verdadeiro! A religião pode até ter sido usada "contra", mas foi o nacionalismo que guiou as mentes dos idealizadores: temiam - como muitos afirmam - que os armênios favorecessem a expansão da vizinha Rússia na Anatólia.
O nacionalismo deve sempre ser tratado com cuidado, mas nessas terras ele tinha acabado de chegar, com a expedição de Napoleão. A palavra "nação" foi inventada naquela época. A diferença entre a fé e esse novo conceito de "nação" não estava de forma alguma clara!
Portanto, não concordo com a ideia de que simplificar o que é complexo em nosso passado e no passado dos outros possa ser benéfico no presente: pelo contrário, acredito que só pode envenenar os poços do diálogo, que é indispensável. Hoje vejo esse risco muito vivo entre o nosso mundo e o chamado Sul Global. E a questão de Gaza corre o risco de se tornar a maneira pela qual resolver outras contas históricas não resolvidas: não apenas entre israelenses e palestinos, mas entre o Sul e o Norte.
Putin sabe disso, com certeza: por isso, entrou - embora muitos de seus admiradores e islamofóbicos locais nunca o mencionem - como observador permanente da Organização da Conferência Islâmica. O Islã, com suas frustrações, que dizem respeito ao relacionamento entre árabes e europeus - mais do que ao relacionamento entre cristianismo e Islã - é uma parte essencial do Sul Global e de suas ressentimentos. Putin, com sua estratégia, pretende revitalizar-se com o ressentimento antiocidental desse Islã.
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Consciente dos tremendos riscos que o mundo está correndo ao voltar ao século XX - fraturado em mil guerras - está Francisco. Ele conhece bem o Sul Global. Em uma entrevista como arcebispo de Buenos Aires, nos tempos do primeiro calote argentino, no início do milênio, ele alertava que não há apenas o terrorismo de explosivos e metralhadoras, mas também o terrorismo econômico. A reforma econômica dos EUA, que permitiu aos fundos financeiros abutres se apossarem da dívida do Terceiro Mundo, não conta toda a história do poder sobre a dívida, mas o que ela diz é muito relevante.
Os ocidentalistas, no entanto, falam pouco disso, assim como de Bergoglio e, em particular, de seu Documento sobre a Fraternidade Humana. Eles estão convencidos de que foi escrito com uma tinta simpática, destinada a desaparecer.
Eu, por outro lado, defendo que devemos reler tudo para entender também o que está acontecendo em Gaza hoje: os significados diretos e os que adquirirá ao longo do tempo, especialmente se não seguirmos pelo caminho do compromisso razoável, que é o único que pode dar resultados - o único que pode reduzir o integralismo do Sul Global. O Sul também não tem apenas que denunciar os pecados do Norte, mas também muitas de suas próprias deficiências e erros, como a corrupção. Encontrar um interlocutor ocidental com quem dialogar seria importante.
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São coisas que na Europa são - ou deveriam ser - conhecidas. Fiquei feliz em notar como o Ministro das Relações Exteriores britânico, Cameron, foi o primeiro a mostrar visão de futuro, sugerindo exatamente o caminho tomado pelo colega de Washington em suas declarações públicas.
Estamos apenas no início de um caminho muito difícil, ninguém sabe para onde vamos. O fato é que, em relação às simplificações propagandísticas à "Pelosi", prefiro muito mais a complexidade e o cuidado de "Blinken". O resultado será avaliado posteriormente.
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Diário de guerra (30). Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU