01 Março 2023
Como fazer o balanço dos dez anos de um papa muitas vezes ilegível e indecifrável? Como interpretar os tantos silêncios e ambiguidades fora do circuito midiático? Por onde começar para não perder o caminho da maior verdade possível ensinada pela doutrina católica?
O comentário é publicado por Il sismografo, 01-03-2023.
Fazer o balanço dos 10 anos de pontificado, próximo aniversário (segunda-feira, 13 de março), é um desafio exigente porque, antes de tudo, é preciso fazer uma síntese de inúmeros, milhares de eventos, textos e gestos muito complexos e contraditórios. Agora só falamos do que é público e verificável. Um dia, distante no tempo, surgirão acontecimentos e textos do magistério hoje ignorados. Serão, portanto, os historiadores que realizarão esta tarefa tão exigente. Hoje só podemos narrar, narrar, um magistério pontifício vivido de perto experimentando muitas novidades, surpresas, mas também muitas perplexidades e dúvidas.
Há uma diferença entre a Igreja de 2013 e a de hoje, mas na maior parte essas diferenças dizem respeito ao exercício do ministério petrino. Aqui está a verdadeira novidade desta década, pois para o resto os problemas e limites, as expectativas e as incertezas que já existiam no momento da renúncia de Bento XVI continuam todos, como antes. De fato, entretanto surgiram novos problemas, alguns muito delicados, a ponto de mostrar um horizonte da Igreja cheio de incógnitas, às vezes muito obscuros.
Estes dez anos não são fáceis de ler. Em muitas passagens o papado é ilegível. Na Argentina, dizem do Papa Francisco, referindo-se a essa dificuldade, que o arcebispo emérito de Buenos Aires "põe a flecha à esquerda, mas vira à direita e vice-versa". Em Roma, na Cúria, diz-se com palavras menos contundentes: “é uma pessoa muito imprevisível”.
Dez anos após o início do pontificado, a Igreja se depara claramente com dois papas: de um lado o Papa Francisco e do outro o Papa Bergoglio. Qualquer avaliação, severa e verdadeira, não comemorativa, não propagandística, o mais equilibrada possível, deve estar de acordo com esta complexa realidade que abalou duramente o governo da Igreja Católica nos últimos cinco anos. O pontífice repropôs um modelo monárquico estrito para o topo da Igreja e, mesmo nas menores coisas, escapou de seu perfil pessoal autoritário, decisório e peremptório, já conhecido décadas atrás.
Por que dissemos "últimos cinco anos"? Porque a quebra do feitiço bergogliano começou no Chile, em janeiro de 2018, durante uma viagem devastadora. Ele encontrou um país que não era o que ele pensava ter escolhido para acreditar em seus principais informantes no local. E, por isso, cometeu um erro sensacional em sua abordagem da tragédia da pedofilia a ponto de pedir publicamente às vítimas que “apresentassem as provas”. Depois da visita ao Chile, mas também a outras nações latino-americanas, tudo se complicou terrivelmente para o papa a ponto de nunca mais voltar à região a não ser para a JMJ/2019 no Panamá.
Nestes cinco anos, a cada dia, torna-se cada vez mais evidente a cesura do pontificado, a coabitação de dois papas: Francisco e Bergoglio.
O primeiro é um papa mediático, muito inflado por uma certa imprensa e círculos jornalísticos específicos, mas sempre um grande líder popular, com um significativo carisma de rua, ainda que ao serviço do Evangelho orgulhoso de se envolver na política. Nesse contexto, qualquer avaliação, mesmo dos chamados anti-Bergoglios, será necessariamente sensacionalista. E é verdade.
O segundo é um papa soberano, governante por excelência, detentor de todos os poderes, muito aberto às razões de Estado, autorreferencial e em permanente defesa dos lobos que assediam o trono e das conspirações dos cortesãos. De sua fortaleza de Santa Marta ele controla tudo enquanto no Vaticano nenhuma folha se move sem o seu consentimento.
Não são realidades inteiramente superponíveis. Às vezes eles coincidem. Em vez disso, muitas vezes são diferentes, de fato, uma figura acaba negando a outra justamente porque o Papa Francisco nem sempre está alinhado com o Papa Bergoglio. A suavidade, a afabilidade e o gênio comunicativo de Francesco nem sempre correspondem à sua forma de agir, de legislar, de mandar e de utilizar os instrumentos de poder. Uma avaliação séria e honesta destes 10 anos deveria enfrentar esta dupla realidade, caso contrário não seria possível apreender todo o pontificado com equilíbrio na verdade.
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Os dois papas: Papa Francisco e Papa Bergoglio. Crise, recuperação ou declínio? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU