"A religião e o cristianismo não se extinguiram na era secular: foram transformados, transfigurados. Estamos no espaço aberto de uma nova paisagem espiritual, onde os ventos sopram de todas as direções".
O comentário é de Rinaldo Paganelli, membro da consulta do Escritório Catequético da Itália e sócio da Equipe Europeia de Catequese. O artigo foi publicado em Settimana News, 13-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em Bruxelas, nos dias 1º a 6 de junho, ocorreu o congresso da Equipe Europeia de Catequese. Mais de 60 participantes, 15 países representados. Foi atual e envolvente a temática “A inserção profética da fé na cultura europeia pós-moderna”. Foram boas as linhas de pesquisa. Também foi qualificado o impulso a mudanças de paradigmas eclesiais e catequéticas. Um convite para afinar os olhos para discernir a Reino de Deus que já está presente no meio de nós, para nos deixar evangelizar pelas figuras evangélicas já disseminadas na vida social, deixando-se instruir por elas.
A secularização é contemporânea ao colapso da religião, particularmente a cristã. Há muitas palavras para indicar esse colapso: crise, declínio, afastamento, destradicionalização, exculturação, exílio, desencanto do mundo, colapso do mundo cristão.
A catequese está na linha de frente ao experimentar toda a força a partir desse afastamento da sociedade secularizada em relação à fé. Estamos assistindo a um declínio da fé cristã herdada e a uma erosão do cristianismo social. É a figura da “religião cultural” que está no seu término e em vias de extinção. Ela se tornou irrelevante, insignificante para os nossos contemporâneos, especialmente para as novas gerações.
Guido Vanheerwjck (Universidade da Antuérpia e de Louvain) evidenciou que as coisas se tornaram mais complexas aos olhos dos pesquisadores. De fato, tanto a sociedade secularizada quanto as próprias religiões estão sofrendo recomposições que interferem e se condicionam reciprocamente.
É correto diagnosticar que, com velocidade, estamos passando da lógica do “menos” para a do “quase não mais”. Há, por exemplo, em um período de tempo definido de cinco ou 10 anos, menos catequizados, menos sacramentos, menos grupos de ação caritativa. Também há menos sacerdotes, e a recente crise da Covid serviu de acelerador, cada vez menos dinheiro para fazer funcionar a máquina ainda complexa de uma custosa instituição. Quando chegamos a um estágio de “quase não mais”, pensar na pastoral torna-se um desafio complexo. Embora não se deva generalizar.
A religião não está ausente e não desapareceu, mas não é mais o quadro de referência de toda a cultura. A Igreja não vive mais em um mundo cristão, mas no mundo. No entanto, “vai sobreviver por dois motivos: existe um ‘núcleo duro’ que encontra ainda mais força à medida que é ameaçado. Por outro lado, há uma demanda de espiritualidade na sociedade, e a secularização não é exatamente sinônimo de ‘materialismo’”.
Os valores dominantes na Europa até os anos 1960 eram valores cristãos secularizados. Isso não vale mais agora. A vontade era basear os valores da Europa sobre os direitos humanos. Mas eles contribuíram para acentuar o individualismo que acompanha a crise do vínculo social e da globalização.
O problema do cristianismo é que ele não tem mais nenhuma legitimidade, deve reconhecer que é uma minoria e sair da fortaleza para oferecer uma resposta a essa demanda generalizada de espiritualidade na sociedade. Uma demanda que beneficia os fundamentalistas protestantes (evangélicos), os muçulmanos (salafistas), as seitas (Testemunhas de Jeová) ou uma espiritualidade difusa (zen, autorrealização, medicina submersa…).
Também é verdade que, há algum tempo, em relação ao catolicismo, o mundo das elites em geral mostra uma indiferença tingida de hostilidade disfarçada: por exemplo, considerando uma violação do princípio de laicidade a presença cristã no espaço público sob qualquer título que seja. Verifica-se, assim, um fenômeno paradoxal: o dado religioso, levado em máxima consideração quando se trata de religiões diferentes da cristã, neste último caso, por outro lado, é objeto principalmente de uma aborrecida remoção/marginalização.
Com duas graves consequências: certamente não aumentar as simpatias pela Europa em vastos círculos das populações do continente que, embora talvez distantes da prática religiosa, não estão dispostas, no entanto, a se separar da tradição cristã e a dar aos inimigos da Europa mais um fácil argumento de propaganda [1].
Todos os populistas afirmam apoiar a identidade cristã europeia, mas, em sua maior parte, eles não são praticantes e rejeitam os valores cristãos. Ao fazerem isso, matam o espírito da cristandade e fazem com que ele se torne algo folclórico e desprovido de conteúdo espiritual, ajudando a secularizar a cristandade, transformando-a em um mero mercado étnico-cultural de identidade.
Por outro lado, a religião cristã, ao enfatizar o transcendente, abriu espaço para um mundo secular autônomo, que não precisa de Deus. Ao mesmo tempo, o progresso da ciência levou a privilegiar o raciocínio e a se livrar do pensamento mágico.
Uma cultura secularizada deve ser preferida a uma cultura religiosa na qual um credo se impõe a toda a cultura. A legitimidade de uma cultura secularizada consiste no reconhecimento da liberdade religiosa. Não por acaso a própria sociedade desencantada anseia por um reencantamento, mas de um modo novo.
Tento visibilizar essa necessidade de espiritualidade com uma breve digressão experiencial. Ao passar pelo aeroporto de Bruxelas, fiquei intrigado com o símbolo que indicava a presença de um local de oração. Depois do primeiro lance de escada rolante, que dava acesso às salas de espera da primeira classe, me deparei com um desafiador lance de escada normal que levava ao local de oração. Imaginava que eu me encontraria com a habitual capela católica. Para a minha surpresa, em bateria, estavam localizadas algumas salas para as diversas expressões religiosas: católicas, ortodoxas, protestantes, judaicas, muçulmanas e uma sala para um debate sobre problemáticas morais. É fácil dizer que o duty free estava mais lotado do que esse espaço do aeroporto. E, no pouco tempo que me permiti, deparei-me com apenas uma pessoa.
A partir dessa vivência, ouvi ressoar fortemente a pergunta do congresso: como inserir a fé profeticamente na cultura contemporânea? Como viver o pertencimento em um contexto plural? Como transmitir a fé recebida sem ficar aprisionado em formas e instituições pré-definidas? O que significa ser Igreja?
O cardeal Joseph De Kesel, arcebispo de Malines-Bruxelas, referindo-se às linhas propostas em um recente livro seu [2], evidenciou que nenhuma religião pode existir e sobreviver sem um mínimo de estruturas. Eis, então, a razão de ser da Igreja: ela é a forma de organização do cristianismo, mas não só.
De acordo com esse ponto de vista, a Igreja na sua estrutura deve ser continuamente adaptada. Deve aprender a responder melhor às necessidades do nosso tempo, a funcionar melhor, a corresponder melhor às expectativas do ser humano de hoje.
A verdadeira questão é saber por que Deus precisa da Igreja. Só há uma resposta: porque Deus a quer. Quando se fala de Deus, entende-se a Deus como a tradição bíblica e cristã no-lo deu a conhecer, e essa tradição tem algo a dizer sobre Deus que é único e que, ao mesmo tempo, é de grande importância para o ser humano e a sua salvação, para o mundo e para o seu futuro. É o fato de que Deus nos busca, que nós somos muito importantes para Ele, que Deus nos ama.
Mas, se é verdade que Deus está à procura do ser humano, se nele temos verdadeiramente esse desejo de o encontrar e de compartilhar com ele, então é aí que devemos procurar a origem e a razão de ser da Igreja. Deus não é apenas aquele que dá a vida, mas também aquele que quer compartilhar essa vida. Criação e revelação têm a aliança como seu único objetivo.
No fim, quando tudo estiver cumprido, não será a Igreja que será salva, mas a criação. O que Deus quer é que o ser humano viva e que a sua criação seja bem-sucedida (Jo 10,10). Mesmo que nenhum ser humano no mundo conhecesse a Deus e ninguém tivesse consciência do seu amor pela sua criação, continua sendo verdade que Deus ama este mundo, e essa é a única razão da nossa existência.
A fé e o amor pressupõem a liberdade, e Deus é o primeiro a respeitar essa liberdade. Foram a grandeza de Deus e o mistério do seu amor que criaram um ser que é capaz de negá-lo. O que Deus busca é a aliança e a amizade. Nada de extraordinário que a liturgia eucarística esteja no coração da Igreja. É a oração por excelência. Como todas as liturgias, é uma celebração da aliança. Assim como uma família se reúne para uma refeição em diversas ocasiões, mas sempre para celebrar as mesmas coisas: a aliança, o bem, a alegria de estar perto uns dos outros, a Igreja compartilha as alegrias e os sofrimentos das pessoas, permanece sempre ligada ao mundo.
As nossas igrejas se encontram na rua, e as portas estão abertas a todos. Em uma sociedade marcada pela secularidade e pelo pluralismo, somos chamados a viver juntos no respeito pelas outras convicções. Nenhuma pastoral é digna desse nome se não se basear no respeito pela alteridade e pela liberdade do outro. A Igreja tem uma missão universal, mas, ao mesmo tempo, cuida da sua própria particularidade. Não é o mundo nem o conjunto dos povos, é o povo de Deus que vive no meio das nações. O que Deus pede é que lhe sejam reservados lugares onde possa, já agora, habitar no meio de nós.
Em tempos de secularização, a Igreja não pode ser uma comunidade fechada. A verdadeira questão não é saber se a Igreja é capaz de conservar o número atual de membros, mas se pode atrair novos, se alguém que está inteiramente integrado na cultura secularizada de hoje é capaz de ser tocado pela verdade, pela força e pela bondade do Evangelho. No entanto, continua claro que a missão não pode ser confundida com a restauração de uma civilização cristã homogênea.
Se a cristianização da sociedade inteira se torna o objetivo da nossa presença no mundo, perde-se toda a credibilidade. A Igreja não é chamada a englobar progressivamente o mundo e a acolher em seu interior toda a sociedade. A Igreja é a comunidade dos cristãos, e não a reunificação de toda a população.
No Evangelho, muitas vezes se faz uma distinção entre os discípulos e a multidão (Mt 5,1-2). A Igreja é o povo de Deus a caminho e, como Jesus, deve “desaparecer entre a multidão” quando as pessoas começam a crer, quando adquirem novas formas de fé.
A Igreja que se mistura com a multidão está permanentemente em devir. Nesse sentido, a passagem de Jo 10,1-21 é igualmente significativa. Jesus se revela como o bom pastor e como a porta das ovelhas. O trecho fala de rebanho e de um aprisco, mas não separa um “dentro” para entrar e um “fora” para sair (v. 4).
O versículo 9 afirma: “Eu sou a porta. Quem entra por mim, será salvo. Entrará, e sairá, e encontrará pastagem”. O “dentro” e o “fora” não são importantes; apenas a passagem que situa em Cristo é importante.
Ainda nessa linha, como não lembrar que também em torno de Cristo Jesus havia os fiéis discípulos e a multidão às vezes fiel e, em outras ocasiões, mais distraída e preocupada com a sua própria cotidianidade.
As pessoas que embarcam no caminho da fé são “sismógrafos” para os caminhos da Igreja missionária. Em uma perspectiva missionária, não existem processos unívocos, nem devem existir. Uma Igreja missionária e mundial é caracterizada por incoerência e, nesse sentido, também as incompreensões e os conflitos fazem parte dos processos de aprendizagem.
A dimensão da fragilidade e do esforço ajuda a entender que a Igreja não é tudo, é um povo entre outros povos. Mas é um povo chamado entre todos os povos. O reconhecimento do seu caráter limitado encontra a sua fonte no respeito pelo mundo e também no respeito àquilo que ela mesma é.
A questão – defendeu o cardeal de Bruxelas – não é saber se a Igreja deve ser missionária, mas sim como ela deve ser missionária, sem aspirar a uma recristianização da sociedade.
Há uma resposta dupla. Em primeiro lugar, não podemos condenar esta sociedade moderna por não ser mais cristã. Isso não significa que se deva assimilar e subscrever tudo o que esta sociedade propõe. Mas somos cidadãos desta cultura.
E esta é a segunda resposta: é preciso estar presente no nosso mundo, simplesmente sendo Igreja. Fazendo aquilo a que somos chamados: buscar a Deus, escutar a Palavra, responder-lhe com a oração e a liturgia, na ação de graças e no louvor (At 2,42).
É precisamente sendo Igreja que somos sacramento para o mundo. É em razão daquilo que se vive dentro da comunidade que a Igreja pode ser significativa em relação ao seu exterior. Esse é o caminho que Deus escolheu para dar a conhecer o seu nome e o seu amor. Ela não faz missão, a missão não é uma das suas atividades, porque ela mesma é missão.
No contexto da enorme crise da Igreja hoje, Mergit Eckholt (Universidade de Osnabrück) lembrou a necessidade de uma visão profético-construtiva para o futuro da Igreja.
A Igreja Católica se encontra em uma encruzilhada: deve esclarecer a questão do poder e da participação. Uma participação mais forte dos leigos, em particular das mulheres na Igreja, a superação das estruturas clericais e um sério debate com as formas de vida da comunidade, que têm se apresentado repetidamente nos últimos anos, indicam a raiz de uma crise da transmissão da fé em geral.
Não se trata de questões periféricas, que se situam apenas no nível funcional da Igreja, nem de questões que dizem respeito apenas às Igrejas do Ocidente. Pluralização, secularização e diversificação das formas de fé estão emergindo em todas as regiões do mundo.
A igualdade de gênero é uma pedra de toque para a capacidade da Igreja de inculturar a sociedade pós-moderna. É uma pedra de toque para verificar se a própria Igreja está pronta para uma nova conversão à Palavra de Deus e para escutar a mensagem libertadora do Reino de Deus.
Nesse sentido, fé e vida estão separadas em um duplo sentido: a Igreja está atrasada em relação à fé e à vida há muito tempo, e é por isso que a coragem de uma transformação é necessária no contexto dos percursos mundiais. O próprio Diretório para a Catequese pede “uma verdadeira reforma das estruturas e das dinâmicas eclesiais” (n. 40).
Isso pressupõe a capacidade de sair do proselitismo para favorecer o diálogo. A Igreja sabe que é o novo povo de Deus, mas isso não significa que seria preferível que o judaísmo deixasse de existir. A Igreja não substitui o povo que Deus escolheu para si. A novidade trazida pela Igreja é justamente que os pagãos também têm acesso ao único povo da Promessa.
O fato de o povo judeu continuar fazendo parte do plano de salvação de Deus nos preserva do eclesiocentrismo. Deus amou este mundo desde o início em Cristo; o que ele começou ele vai cumprir. Para isso, ele precisa da Igreja. Ela é o sacramento visível e o sinal eficaz. Não é a Igreja, mas Deus mesmo que continua sendo o ator da redenção, e mais ninguém.
Parece claro que as religiões de hoje são chamadas a se encontrar e a se apreciar, para rezar e agir por uma humanidade digna e pela salvação de todos. O anúncio do Evangelho tornou-se hoje inseparável desse diálogo inter-religioso.
Nesse contexto cultural, o grande desafio para a catequese é suscitar novas pedagogias da fé, novos modos de ensinar o caminho do bem. A busca do bem não diz respeito principalmente a regras e mandamentos. Vai muito mais em profundidade. Torna-se reconhecimento de que os desejos na nossa natureza continuam sendo a busca do bem, do belo e do verdadeiro. Há uma visão mais antiga que devemos redescobrir e que via o fato de ser bom como um caminho para Deus e para a felicidade.
Isso requer ir ao encontro do outro para se unir a ele na sua busca. É claro que o grande desafio para o cristianismo hoje é saber como entrar em contato com as muitas pessoas que buscam a Deus, mas não vão à Igreja.
Cristo desapareceu na multidão, e nós devemos encontrá-lo misturando-nos com eles. O ser humano de ciência – diz o Diretório – é uma testemunha apaixonada do mistério, busca a verdade com sinceridade, é naturalmente inclinado à colaboração, à comunicação e ao diálogo. Cultiva a profundidade, o rigor e a precisão do raciocínio; ama a honestidade intelectual. Nessa perspectiva, todos nós somos designados à busca em uma honesta perplexidade. Todos irmãos, todos buscadores, no mesmo caminho.
O desafio é participar da gênese das culturas e, consequentemente, da inculturação da fé no mundo vindouro. Não importa se somos minoria. As minorias ativas se encontram no limiar do futuro que está chegando.
Paul Lakeland nos deixa uma advertência precisa: “Enquanto refletimos se a fé tem futuro, devemos pensar se temos fé no futuro” [3]. A esperança que alimenta a fé de hoje não deveria ser um desejo nostálgico, mas o reconhecimento de que as comunidades vivas podem ser verdadeiramente minorias criativas, oásis plenos de recursos em uma civilização que ainda tem sede de Deus. Só a esperança pode sustentar uma minoria em exílio (Jr 29,5-7).
A catequese querigmática fortemente lembrada pelo Papa Francisco (EG 165-168) deve exprimir o amor salvífico de Deus que precede qualquer obrigação moral e religiosa. Não deve impor a verdade, mas apelar à liberdade, deve se caracterizar pela alegria, pelo encorajamento, pela vivacidade e por um equilíbrio harmonioso que não reduza a pregação a poucas doutrinas, às vezes mais filosóficas do que evangélicas. Essencial para a vida religiosa em uma sociedade secular é que ela se origine dentro da pessoa e não derive apenas de hábitos herdados ou da pressão social.
Dentro dessa perspectiva modificada sobre o ser humano e o mundo, a visão de Deus como inefável (Deus absconditus) produziu uma secularização radical. A linguagem perdeu o seu poder sutil de tornar visível a realidade encarnada do Deus “histórico”.
Portanto, é preciso encontrar linguagens mais sutis. Devemos inovar na linguagem e trazer os limites da experiência para a clareza de formulações que abrem uma zona normalmente fora do nosso campo de pensamento e de atenção. O fato de sermos imagem de Deus é também o fato de estarmos entre os outros na corrente do amor. Isso significa que o primeiro dever dos cristãos não consiste em converter os outros à fé, mas sobretudo em afinar os próprios olhos para discernir na sociedade e no próprio povo cristão os modos de ser e de agir que, como as bem-aventuranças, representam o Reino É o desafio de desenvolver o belíssimo espaço da hospitalidade recíproca que cada visita oferece.
A busca por uma compreensão da fé é uma história de processos de tradução os mais diversos, de Jerusalém a Atenas, a Roma, à Gália, à Alemanha, até o mundo plural e à diversidade das culturas do nosso tempo.
Nas pegadas de Jesus Cristo, guiada pelo Espírito de Deus que torna o ser humano capaz de falar verdadeiramente de Deus, a linguagem pode treinar cada vez mais para poder falar de Deus de tal modo que ele mesmo possa falar nesse discurso.
Jesus Cristo deu um rosto à palavra inescrutável, fez a Palavra de Deus falar, revelou assim a busca de Deus sepultada e destruída pelos ídolos e foi ele mesmo foi descrito como “imagem do Deus invisível” (Cl 1,15).
Na cruz de Jesus Cristo, estão entrecruzadas todas as imagens de Deus, e o amor criador de Deus emergiu como amor, no mais profundo reconhecimento do outro. É precisamente na noite da cruz que se abre a luz da manhã.
Caminhar nas pegadas de Jesus Cristo e a partir daí fazer crescer a comunidade dos fiéis permite-nos encontrar o caminho de uma relação pessoal com Deus e de falar de Deus em toda a sua diversidade, como ação de graças, como grito, como louvor, como expressão de medo e de alegria, de confiança que Deus abre ao futuro.
Na linguagem com que falamos de Deus, Deus pode ser anunciado, mas isso deve sempre ocorrer de tal forma que a palavra nunca possa se tornar uma imagem de que dispomos. Não podemos e não devemos tornar Deus disponível para nós de forma alguma.
Hoje é importante levar a sério os processos dinâmicos e frágeis de crescimento na fé e, portanto, a liberdade e a subjetividade dos fiéis. Isso inclui permitir dúvidas, distâncias, desacordos, mas sobretudo viver a experiência do amor de um Deus que não abandona as pessoas, porque o desejam. As pessoas identificam esse Deus nos lugares onde algo novo ocorre nas suas vidas, onde amam e sofrem, onde são vulneráveis e se tornam vulneráveis no seu compromisso com os outros. É a prática da dedicação incondicional ao ser humano, e o seu lugar é a esfera da interpessoalidade.
Deus: “Ainda está aqui; ainda sussurra para nós, ainda nos faz sinais. Mas a sua voz é muito baixa, e o barulho do mundo é tão forte, e os seus sinais são tão ocultos, e o mundo está tão inquieto que é difícil dizer quando ele se dirige a nós e o que diz” [4].
A religião e o cristianismo não se extinguiram na era secular: foram transformados, transfigurados. Estamos no espaço aberto de uma nova paisagem espiritual, onde os ventos sopram de todas as direções. Estando nesse espaço aberto, o Senhor aceita a fragilidade que todos nós, crentes e não crentes, estamos experimentando.
1. ROY, Oliver. L’Europa è ancora cristiana? Cosa resta delle nostre radici religiose. Feltrinelli, 2019.
2. KESEL, J. De. Foi e religion dans une société moderne. Paris: Salvator, 2021.
3. LAKELAND, Paul. “La fede ha un futuro?”, Cross Currents, 1998-99.
4. NEWMAN, John Henry. Sermone 17, “Aspettando Cristo”, in: Parochial and Plain Sermons, Vol. 6.