Teólogo Andrea Grillo aborda a crise do cristianismo, o futuro da fé cristã e desafios e possibilidades para a teologia hoje nesta quinta-feira, no XX Simpósio Internacional IHU – Cristianismo, Sociedade, Teologia. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transformação
Em seus comentários sobre o documento "Salvar a fraternidade - juntos", convocado por Dom Vicenzo Paglia, presidente do Pontifícia Academia para a Vida, e escrito por um grupo de dez teólogas e teólogos denunciando a “violência anti-humanista do sistema técnico-econômico”, o teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, Andrea Grillo, fez a seguinte observação à nossa consciência moderna: "Que a teologia seja um 'bem comum' parece um dado desconhecido não só pela 'cultura civil', mas pela própria teologia, muitas vezes empenhada apenas em 'evangelizar a si mesma' e esclarecer o que o cristianismo 'não é'". O comentário é seguido de um desejo de devolver à teologia o seu lugar: "Restituir a teologia ao seu destino popular, à multidão, e não apenas aos discípulos, implica uma profunda mudança de método, de linguagem e de objetivos. Mesmo nas formas do concreto exercício do trabalho teológico". E insiste: "Este ponto-chave da doutrina cristã e da autoconsciência deve mais uma vez tornar-se 'imediato na percepção de qualquer pessoa e firme na convicção dos crentes'".
Prof. Dr. Andrea Grillo. Foto: Susana Rocca | IHU
"A crise do cristianismo e o futuro da fé cristã. Desafios e possibilidades para a teologia hoje" é o tema que será tematizado por Grillo durante sua conferência virtual na próxima quinta-feira, 07-10-2021, no "XX Simpósio Internacional IHU – Cristianismo, Sociedade, Teologia. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transformação", promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU. O evento, que iniciou em 04-06-2021, se estende até 09-11-2021. Todas as atividades serão transmitidas com a opção bilíngue pela plataforma Zoom, e em português pelo canal IHU Comunica do Youtube, e nas páginas do IHU no Facebook e no Twitter. Para garantir certificação de participação, é necessário realizar inscrição neste link e acompanhar as informações para o registro de presença nos chats das atividades. A programação completa do evento está disponível aqui. As demais conferências ministradas ao longo do semestre estão disponíveis no Canal do IHU no YouTube.
Na série de artigos em que comentou o documento "Salvar a fraternidade - juntos", publicados pelo IHU - [1], [2], [3], [4] -, Grillo dedicou-se particularmente ao "apelo" que os teólogos fazem "aos discípulos", a saber, de repensar a teologia hoje e seus desafios em um mundo que, como constata Morin, "os conhecimentos multiplicam-se exponencialmente de tal forma que ultrapassam a capacidade de nos apropriarmos deles" e "lançam, sobretudo, um desafio para a complexidade: como confrontar, selecionar, organizar os conhecimentos de forma adequada, ao mesmo tempo religando-os e integrando as incertezas". Eis aí também um desafio posto à teologia, que "é excluída dos sistemas dos saberes objetivos, aos quais a razão instrumental reconhece legitimidade racional universalmente aceita".
Repensar a teologia, segundo Andrea Grillo "constitui a superação de um 'modelo de cristianismo' que o passado conheceu e que acabou. A assunção dessa novidade torna-se um desafio realmente decisivo, que teologicamente impõe o repensamento de um 'duplo dualismo': 'O nosso apelo, enfim, é um apaixonado convite à teologia profissional - e em geral a todo crente - para que ofereça um espaço privilegiado e comum ao empenho de desconstrução do duplo dualismo que atualmente nos mantém reféns: entre a comunidade eclesial e a comunidade secular; entre o mundo criado e o mundo salvo'".
Mais precisamente, Grillo argumenta que a Igreja "deve abandonar as formas de vida e de governo eclesial que sofrem de uma deriva clerical patológica" e estar atenta aos "'sinais' que anunciam o 'novo mundo que devemos aprender a habitar'". Ele explica: "Aqui o texto retoma com novo ímpeto a solicitação que vem de João XXIII, de Paulo VI e ultimamente de Francisco: a Igreja pode/deve aprender com os 'sinais dos tempos', que são uma forma de aprendizagem". Esses sinais, esclarece, "derivam de uma tensão progressiva entre secularização e religião, entre ética humanística e desenvolvimento material. Aqui se insere uma reflexão de cunho antropológico, em que afetos e vínculos, indivíduo e sociedade, liberdade e autoridade são concebidos com vistas a um novo equilíbrio".
Para ele, os "três sinais dos tempos" dos quais falava o Papa João XXIII na década de 1960, emancipação do trabalho, dos povos e das mulheres, hoje "são reconsiderados na sua complexidade, pelo nível de 'injustiça' com que combatiam e ainda hoje combatem, mas também pelas novas injustiças e distorções que produzem".
Além disso, ressalta, se hoje o mundo "se projeta como composto de 'livres e iguais'", mas "produz tanta injustiça", é preciso se perguntar: "Como remediá-la, resgatando a 'terceira palavra' da tríade revolucionária, ou seja, a fraternidade? Mas será que a crescente 'desmoralização' e a 'indiferença' são realmente apenas o produto de uma 'liberdade e igualdade sem responsabilidade'? Não é esse também o resultado de 'comunitates' em que a autoridade não foi capaz de manter os laços?" E assegura: "A 'promessa de liberdade' que o mundo moderno construiu sabiamente exige um suplemento de alma, de práxis e de pensamento sobre o tema da fraternidade e da proximidade, segundo quanto profeticamente diz Fratelli tutti".
Em comunhão com o Papa Francisco em sua insistência para que a Igreja seja "uma Igreja em saída", Grillo explicou, em entrevista ao IHU em 2018, o significado dessa convocatória papal: "Deixar-se sair, no caso da Igreja, significa ter comprometimento com todas as realidades de dor, de guerra, de sofrimento, de migrações. Em relação a essas realidades, podemos compreendê-las como pecado e deixá-las a uma distância 'segura' ou, a partir de categorias como misericórdia, abraçar todas elas". E sublinha: "Mais do que sair para a realidade, é necessário também sair de categorias mentais estreitas em que tudo se reduz à doutrina ou à disciplina, pois para o Papa estas categorias só podem ser úteis quando têm a ver com a realidade; do contrário, o que se faz é praticar violência contra as pessoas", adverte.
No ano passado, Grillo participou do ciclo de conferências online organizado pelo IHU sobre o tema “Igreja, Ministérios, Liturgia. Desafios e perspectivas na confluência das crises atuais”. Na conferência “Ministérios, liturgia, eucaristia. Chances para além do clericalismo”, ele chamou atenção para essa doença que acomete a Igreja internamente. "O que entendemos por 'clericalismo'? Em última análise, trata-se de um fenômeno de 'substituição'. No lugar da Igreja, colocam-se os seus ministros que, em vez de 'servir' a Cristo e à Igreja, se colocam, ao invés disso, 'como Cristo e como Igreja'. E assim a 'autorreferencialidade' se torna a regra incontornável e até abençoada!". E esclarece: "Clericalismo é reduzir a vida cristã à escrivaninha de um escritório e à experiência de um oficial de colarinho branco, sem família, mas com uma bela casa, uma grande televisão e um carro de luxo. Há inúmeros clericais de colarinho romano, mas também de terno e gravata, e até de tailleur e salto alto", provoca.
Segundo ele, uma "autêntica luta contra a cultura 'clerical' passa necessariamente por uma límpida reconsideração da centralidade do culto, na sua realidade mais autêntica. Eu poderia dizer, programaticamente, que não se pode derrotar radicalmente a 'cultura clerical' se não se aborda uma diferente e mais profunda 'cultura cultual'”.
No mês passado, em entrevista concedida a Rocco Gumina, professor de Religião na Arquidiocese de Palermo, publicada no sítio Tuttavia e reproduzida na página eletrônica do IHU, Grillo comentou o sínodo dos bispos que será realizado em outubro de 2022 sobre o tema “Uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Para ele, a convocação do Papa tem como finalidade "expor a Igreja à liberdade do Espírito. Essa me parece ser a intenção fundamental, que traduz, quase 60 anos depois, aquilo que os 'sinais dos tempos' significaram para a época conciliar. O fato de a 'sinodalidade' ser assumida como forma, como estilo e como estrutura indica bem um elemento de 'inquietação' e de 'imaginação' do qual a Igreja deve voltar a compreender a necessidade para o seu próprio modo de ser".
Ele destaca ainda que "o processo sinodal ressalta a grande relevância do 'caminhar juntos'. Provavelmente, a complexidade da cultura e dos fenômenos sociais, econômicos e políticos do nosso tempo dificultam a tarefa de percorrer de modo comunitário os caminhos da história. É claro que o compromisso de 'caminhar juntos' é fundamental para qualquer grupo humano". Porém, questiona, "no caso dos cristãos reunidos a convite do mestre de Nazaré, qual o significado do esforço comum e a qual meta ele tende?"
No entendimento dele, a tríade que forma o título do Sínodo - comunhão, participação, missão – "descreve bem o horizonte desse 'caminhar juntos'. O que talvez possa nos surpreender é a 'inversão' das prioridades, que a sinodalidade exige de forma radical. Ou seja, só uma escuta prévia, de modo sistemático, de toda a experiência humana e cristã se torna a condição para viver a experiência eclesial como 'comunhão'. Saímos da ideia de que uma 'ideia' ou 'conceito' de comunhão é a condição para poder viver de modo coerente. Começamos a partir de uma exposição à experiência comum".
Sobre um ponto que é rediscutido na Igreja desde o Concílio Vaticano II, a sabe, a abertura da própria Igreja à democracia, o teólogo assegura: "É verdade que os 'modelos políticos' não funcionam imediatamente como inspiradores diretos da experiência sinodal. No entanto, não se pode negar que os modelos políticos imperiais e do absolutismo tiveram um forte peso sobre a experiência medieval e moderna da Igreja no sentido de nos fazer viver o exercício do poder, a gestão da autoridade, o modo de entender o serviço e a nossa própria identidade. Então, é inevitável que algumas modalidades 'democráticas' possam e devam se tornar o instrumento para que a Igreja seja verdadeiramente livre para escutar o Espírito. Não para estabelecer 'maiorias' ou 'minorias', mas para garantir um debate real e sério. Se, na gestão de um processo sinodal, um bispo quisesse, por assim dizer, 'esconder na gaveta' o texto de um questionário, como ocorreu por ocasião do Sínodo sobre a família, a comunidade eclesial deveria ser salvaguardada desses arbítrios, que não têm nada da obediência da fé e têm muito dos mecanismos mafiosos de uma estrutura feudal".
Neste mês a Profa. Dra. Anne Marie Pelletier, do College des Bernardin, na França, também participará do "XX Simpósio Internacional IHU – Cristianismo, Sociedade, Teologia. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transformação". A conferência, que terá como tema "A crise do cristianismo hoje. Uma abordagem na perspectiva das mulheres", será realizada no dia 13-10-2021, às 10h.
No próximo mês, o Prof. Dr. Alec Ryrie, da Durham University, na Inglaterra, ministrará a palestra intitulada "Valores cristãos, valores seculares e por que eles precisarão uns dos outros na década de 2020".
A coordenação do Simpósio também está recebendo artigos para a apresentação de comunicações no dia 22 de outubro. Os trabalhos podem ser enviados até dia 20 de setembro. Informações sobre o processo estão disponíveis aqui.
Anne-Marie Pelletier é licenciada em literatura moderna e possui doutorado em Estudos da Religião. É professora emérita da Université Paris-Est-Marne-la-Vallée. Suas publicações se concentram na hermenêutica bíblica ("D’âge en âge, les Écritures", Lessius, 2004) e na antropologia ("Questions éthiques et sagesse biblique", 2018). Há vários anos, ela também busca uma reflexão sobre o feminino sob o prisma da revelação bíblica ("Le christianisme et les femmes", 2001 ; "Le signe de la femme", 2006 ; "L’Église, des femmes avec des hommes, à paraître au Cerf en septembre", 2019).
Profa. Dra. Anne-Marie Pelletier. Foto: Site pessoal
Alec Ryrie é pastor anglicano, professor visitante de História da Religião do Gresham College, Inglaterra. Ele é Bacharel em História pela Cambridge University, Mestre em Estudos da Reforma pela University of St. Andrews e Doutor em Teologia pelo St. Cross College, de Oxford, Inglaterra. Sua tese foi publicada em formato de livro com o título "The Gospel and Henry VIII". Ele é presidente da Sociedade de História Eclesiástica, editor do The Jorunal of Ecclesiastical History. É autor dos livros "Private and Domestic Devotion in Early Modern Britain" (Ed. Routledge, 2016), "Unbelievers: An Emotional History of Doubt” (Ed. Harvard University, 2019)
Prof. Dr. Alec Ryrie. Foto: Gresham College | Flickr CC
Para assistir à palestra de abertura do XX Simpósio Internacional IHU - A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transformação, intitulada "Presença fragmentada. O mal-estar pós-moderno do Cristianismo", ministrada pelo Prof. Dr. Armando Matteo, acesse o vídeo abaixo.
Em 11 de junho, foi ministrada a conferência "A Igreja e união de pessoas do mesmo sexo: o Responsum e seus impactos pastorais", pelo Prof. Dr. Michael G. Lawler e o Prof. Dr. Todd A. Salzman, que também integram a programação do Simpósio. A palestra está disponível no vídeo abaixo.
A conferência do Prof. Dr. Charles Taylor, intitulada "Secularização e o papel do cristianismo hoje. Desafios e perspectivas", foi ministrada no dia 17-06-2021, e está disponível a seguir.
Também integra a programação do Simpósio a conferência A Igreja e a união de pessoas do mesmo sexo. O Responsum e a possibilidade de novas abordagens, ministrada pelo Prof. Dr. Andrea Grillo em 21 de junho, disponível abaixo.
No dia 17-08-2012, Todd Salzman, professor na Creighton University, EUA, ministrou a palestra "O magistério moral da Igreja no contexto do pontificado do Papa Francisco: desafios e perspectivas", disponível no vídeo abaixo.
Em setembro foram realizadas duas conferências. No dia 02-09-2021, a teóloga Tina Beattie, especialista em questões de ética e de feminismo, membro da direção da revista católica britânica The Tablet, ministrou a palestra intitulada "Mulheres na vida da Igreja. Avanços e obstáculos no Pontificado de Francisco". No dia 09-09-2021, Felix Wilfred, professor Emérito da Universidade Estadual de Madras, tratou sobre "O cristianismo em face das grandes questões do mundo atual. Desafios e Perspectivas". Ambas estão disponíveis abaixo.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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