09 Mai 2018
Conversa com Pierre-Louis Choquet, co-autor de Plaidoyer pour un nouvel engagement chrétien e doutorando em Geografia em Oxford, e Paul Picarreta, co-fundador de Limite "revista de ecologia integral" e jornalista.
A entrevista foi editada por Bruno Bouvet e Gauthier Vaillant, publicada em La Croix International, 05-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vocês lamentam o fato, como outros católicos, que a sociedade não é mais cristã como no passado?
Paul Picarreta: Ambos nascemos no final dos anos 1980. Minha mãe era de família muçulmana e meu pai vinha de uma família italiana, descristianizada. De fato, nascemos em um mundo que já não é mais cristão. No entanto, agora estou aqui, nas dependências do La Croix, para falar sobre a minha fé cristã. Hoje as pessoas estão se questionando, redescobrem a sua fé, muçulmanos encontram Cristo... Portanto, não é o caso de fazer discursos catastróficos sobre o fato de que as pessoas não têm mais fé. Pelo contrário, o contexto atual é mais de renovação.
Pierre-Louis Choquet: Muitas vezes, criamos uma ideia estranha do que foi o cristianismo no passado. Imagina-se a Idade Média como um período extremamente cristão. Mas, por exemplo, a participação nos sacramentos e na missa era muito baixa ...
Paul Picarreta: Apresentar um passado maravilhoso, muitas vezes é uma desculpa para não fazer nada hoje.
Fala-se muito da necessidade para a Igreja de um "diálogo com a sociedade." O que significa, em sua opinião?
Paul Picarreta: Eu não gosto dessa expressão, porque falar de diálogo com a sociedade significa colocar-se do lado de fora da sociedade. Mas eu não considero que nós vivamos em um mundo paralelo. Para mim, uma vez que alguém conheceu Cristo, isso deve transparecer no cotidiano dessa pessoa, e pode ser visto porque não pode ser calado. Eu, por exemplo, falo sobre a minha fé com as pessoas com quem jogo futebol no fim de semana, porque uso a camiseta do San Lorenzo, o time do Papa Francisco.
Pierre-Louis Choquet: É verdade que os cristãos são cidadãos como todos os outros. Mas, no entanto, temos uma característica particular que é o Evangelho. A forma de vida que é proposta ao cristão, que decorre de um encontro pessoal com Cristo, implica em escolhas. E essas escolhas podem estar em dissonância com o que se vive no mundo contemporâneo. É uma tensão que sempre existiu, especialmente em um mundo onde a referência com o Evangelho se desintegrou. Eu acredito que até no Evangelho exista um convite ao diálogo com a cultura. Mas a escolha do diálogo não é de todos na Igreja. Depende do juízo que for dado a priori sobre os modos de vida descristianizados.
Para usar um exemplo concreto, de que modo os cristãos devem participar nos debates atuais sobre os temas da bioética?
Paul Picarreta: Não é como cristãos que se deve participar a esses debates. Para mim, as questões da bioética apresentam problemas sociais, filosóficos, antes que religiosos. Nossa fé nos inspira, mas não precisamos da Bíblia para argumentar sobre esses temas. Há muitos intelectuais que se opõem à manipulação da vida sem ser cristãos.
Pierre-Louis Choquet: Concordo com o fato de que é preciso, na medida do possível, traduzir para a linguagem da razão os argumentos que tocam a nossa fé. Mas, pelo contrário, não considero embaraçoso dizer que somos cristãos. Eu acho que temos que ser transparentes com aqueles que pensam de forma diferente: temos uma referência básica que é a da revelação, que não nos impede de propor argumentos, mas que inspira a nossa concepção da vida boa. Em vez disso, uma coisa a que podemos nos opor como cristãos é o cientificismo, que é um desvio em relação à meta inicial da ciência. Os cristãos devem convidar as pessoas que têm posições diferentes das suas para questioná-las sobre as fontes morais a que se referem para justificar seus argumentos. Mas também devemos enfatizar o risco que os católicos correm de se de isolar na sociedade, caso se apoderem desses temas para transformá-los em uma espécie de “luta de gerações."
A esse respeito, como priorizar as múltiplas questões de mobilização na sociedade de hoje?
Pierre-Louis Choquet: É importante estar presente nas questões da bioética. Não se trata de esconder as nossas convicções ‘debaixo do alqueire’. Mas é muito difícil construir posições comuns sobre tais questões, além disso, são bastante espinhosas. O desafio ecológico ou o acolhimento de migrantes são temas sobre os quais se mobiliza a nossa referência ética cristã, mas que nos permitem unirmo-nos a pessoas cujas convicções têm outra origem. Os cristãos deveriam perceber que é muito mais fácil criar oportunidades para testemunhar a sua fé em tal tipo de questões.
Paul Picarreta: Obviamente, se você nunca sai e só se manifesta uma vez a cada trinta anos, e apenas sobre temas da vida social, não terá nenhuma credibilidade! No plano político, somos obrigados a adaptarmo-nos à atualidade, a enfrentar as questões uma a uma. Hoje é a bioética, daqui a seis meses será outra coisa ... O desafio é estar pronto quando for necessário. Então, você tem que trabalhar a montante. E no nível individual a prioridade absoluta é a conversão ecológica, que, de fato, explica o resto. E isso também é um ato político.
Na sociedade atual, o cristianismo pode ser uma coisa diferente de uma contra-cultura?
Paul Picarreta: Uma contra-cultura existe sempre em referência a uma cultura dominante. Qual é a cultura dominante de hoje? Para os católicos de direita, é o "esquerdismo cultural", o relativismo moral ... por isso se pensam como parte de uma contra-cultura. Mas acho esquisito que católicos, que fazem parte da burguesia, que frequentam escolas de negócios e trabalham em grandes empresas, possam se considerar como pertencentes a uma "contra-cultura" ... Dessa forma, todos estão em uma contra-cultura! Eu acredito que o cristianismo possa ser uma contra-cultura, mas enquanto a cultura dominante for de viés produtivista e liberal. E aos católicos de esquerda, que pensam que seja preciso, sobretudo, evitar pensar o cristianismo como uma contra-cultura, com o risco de ficar fora do mundo, eu digo: vivemos em um mundo que está restringindo a vida em todas as suas formas. Então, opor-se à cultura dominante não é um problema, pelo contrário!
Pierre-Louis Choquet: Como cristãos, temos um referencial ético que nos coloca em tensão com a sociedade, porque o Reino não é deste mundo. Então, às vezes é preciso ir em direção oposta às práticas do mundo. Dito isso, eu sou bastante hostil, como herdeiro dos cristãos da esquerda, à palavra "contra-cultura". O que deve ser colocado, em primeiro lugar, é o diálogo. O cristianismo fica mais criativo quando passa através dos outros. Quando se olha no espelho, acaba se perdendo.
Alguns católicos estão seduzidos pela ideia de uma saída total da sociedade, para proteger-se dos excessos do mundo contemporâneo. O que vocês podem dizer a eles?
Paul Picarreta: Não façam isso! (Risos)
Pierre-Louis Choquet: A religião cristã morre quando não está mais em contato com outras sociedades. É preciso acreditar que é possível mudar as coisas, sem esquecer que os nossos referenciais estão em outro lugar, como cristãos. E é isso que pode nos dar a força para agir, apesar de tudo.
Paul Picarreta: Aqueles que querem sair são covardes, ou são pessoas que nunca tiveram a experiência de que a mudança é possível! Todos os dias encontro pessoas que mudam, que se convertem à ecologia... Ainda há muitas lutas a serem vencidas. Ninguém tem o direito de se dispersar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ser cristão em uma sociedade secularizada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU