18 Abril 2022
A antropologia humana e a ética sexual estão sujeitas a mudanças. Mas o conhecimento de que fomos criados à imagem divina para amar e ser amados é eterno.
O comentário é do teólogo estadunidense Paul Lakeland, diretor do Centro de Estudos Católicos da Fairfield University e ex-presidente da Sociedade Teológica Católica dos Estados Unidos. O artigo foi publicado em La Croix International, 13-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu concordo com muito do que Paul Baumann diz em sua repreensão a Margaret Rankl por ser liberal demais (“From the Church to the Woods”, 23-03-2022 [disponível em inglês aqui]).
Em primeiro lugar e acima de tudo, é a contestação dele à decisão dela de deixar para trás uma comunidade de fé de que ela gostava e um pastor que pregava boas homilias em favor de um passeio na floresta.
Não há nada de errado em comungar com a natureza, mas se perde o ponto católico em questão de que, desde o primeiro momento da criação da humanidade, somos seres-em-relação.
Portanto, encontramos Deus como membros de uma comunidade, não como indivíduos, seja descontentes ou não. Os católicos obtêm a força espiritual que têm a partir da sua comunidade paroquial local, muito mais do que da Igreja global.
Até mesmo João Paulo II achava que a esperança da Igreja estava nas melhores paróquias católicas dos Estados Unidos, embora a Comissão Internacional sobre o Inglês na Liturgia de alguns anos atrás tenha descartado a tradição ao retornar ao Credo do “Eu creio”, abandonando o “nós” muito mais sólido teologicamente.
Bauman também está certo ao dizer que é muito fácil descartar questões difíceis ou sensíveis e também provavelmente conflitivas pelo fato de elas não se enquadrarem em alguma versão do liberalismo condicionada pelo tempo.
Há algo a ser dito sobre a insistência de Johann Baptist Metz de que a genialidade da visão católica sobre as coisas está na sua “produtiva não contemporaneidade”.
Mas não estou tão certo de que Bauman acerta o alvo quando pergunta: “Como é que alguém pode entender a antropologia e a ética sexual tradicional do catolicismo, se o casamento, há muito tempo solenizado como um ato performado por ‘um homem e uma mulher’ diante de Deus, não é mais definido por tais identidades dadas por Deus?”.
Formular a sua questão dessa forma pode parecer eminentemente sensato, até que reconheçamos que é a pergunta errada.
Deixe-me reformulá-la assim: “Como é que alguém pode entender a antropologia e a ética sexual tradicional do catolicismo, se o casamento, há muito tempo solenizado como um ato performado por ‘um homem e uma mulher’ diante de Deus, não é mais definido pelas distinções biológicas encontradas no relato da criação do Gênesis?”.
Receio que a resposta curta seja que não podemos entender, não porque somos liberais, mas porque respeitamos o avanço do entendimento científico. Quando fazemos a pergunta dessa forma, somos forçados a perguntar sobre a valência da “antropologia tradicional”.
A antropologia é impermeável ou absolvida pelo processo histórico? Se não for, as identidades masculina/feminina, como Bauman parece entendê-las aqui, deveriam ser descritas com tanta confiança como “dadas por Deus”?
Parece-me um erro supor que a ética sexual possa estar ligada a uma antropologia “imutável”.
A ética sexual depende da antropologia, com certeza, do nosso entendimento do que é ser um ser humano.
A antropologia filosófica ou teológica não é mais imune à mudança do entendimento histórico do que o geocentrismo ou até o heliocentrismo que o substituiu por um tempo.
O que é imutável na visão do Gênesis se encontra na verdade teológica de que os seres humanos são dependentes de um Deus criador, que escolheu fazê-los à imagem e semelhança divinas.
O restante da história, os detalhes são aquilo que o autor do Gênesis colocou sobre o Criador, extrapolando aquilo que o autor ou autores sabiam que era o caso em seus próprios tempos em relação às origens da vida bilhões de anos antes.
Quando a ciência chega a entender mais plenamente o que é ser humano, ela não está refutando a nossa dependência de um Deus criador; em vez disso, ela está fazendo avançar o nosso conhecimento do que significa ser feito à imagem e semelhança de Deus.
Entre os fatos históricos salientes do nosso momento atual que parecem exigir um ajuste à antropologia cristã, há dois de grande importância.
Primeiro, homens e mulheres que têm atração sexual pelo mesmo sexo estão seguindo as suas inclinações naturais e parecem, em todos ou quase todos os aspectos, viver e funcionar no nosso mundo moderno exatamente da mesma forma que seus concidadãos heterossexuais.
Um corolário disso é o fato de que a atividade sexual se dissociou da procriação.
O impulso sexual instintivo do mundo animal encontrou agora o caminho rumo à oportunidade de escolhas sexuais responsáveis verdadeiramente humanas. A biologia diz que a relação sexual entre homens e mulheres tende à procriação.
A teologia católica disse por muito tempo que a relação sexual que não está aberta à possibilidade de procriação é objetivamente pecaminosa.
O senso comum diz que os seres humanos sabem empregar as relações sexuais com responsabilidade, seja a serviço da procriação, seja a serviço da intimidade amorosa e do prazer sexual mútuo.
Em segundo lugar, é indiscutível que os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, sejam abençoados por um ritual ou não, são marcados pela reciprocidade amorosa tanto quanto os relacionamentos heterossexuais.
Uma das mudanças mais significativas no nosso mundo hoje é que há uma abertura ainda relativamente nova sobre a identidade sexual, em consequência da qual todos nós conhecemos homens e mulheres que são gays, lésbicas ou transgêneros, e podemos ver que eles não são melhores nem piores do que ninguém, e que eles têm sucesso ou fracassam na vida aproximadamente nas mesmas porcentagens.
Em outras palavras, são pessoas normais em todos os aspectos importantes. E nada é mais normal do que o desejo de amar e ser amado.
Quando unimos esses dois pensamentos e insistimos na intenção do Criador de fazer os seres humanos à imagem e semelhança divinas de Deus – uma imagem que não é nem “generificada” nem sexualizada – e na impossibilidade de frustrar essa vontade divina, fica certamente claro que ser feito à imagem divina é ser criado para amar.
Onde quer que haja amor genuíno, Deus aí está. Quando nos afastamos da antropologia ultrapassada e confiamos nos nossos olhos dados por Deus, não há nenhuma forma racional de negar que o amor genuíno não está confinado aos relacionamentos heterossexuais.
Se a Igreja refletisse sobre esses fatos, tanto biológicos quanto teológicos, poderia encontrar o caminho rumo à celebração de uniões amorosas onde quer que ela tenha a sorte o suficiente de encontrá-las.
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Fomos criados para amar. Artigo de Paul Lakeland - Instituto Humanitas Unisinos - IHU