A crise na teologia católica

Livros de teologia | Foto: catholicwomenspeak.com

24 Mai 2021

 

"Se os departamentos de Teologia forem transformados em uma variante dos Estudos Culturais, a teologia católica pode se retirar para o seu lugar tradicional, nos seminários, para ser feita (principalmente) pelo clero (principalmente) para o clero. Tal mudança seria uma grande perda para a Igreja Católica como um todo".

A opinião é de Grant Kaplan, teólogo estadunidense e professor de Teologia Sistemática e Histórica na Saint Louis University, nos EUA. O artigo foi publicado em America, 19-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Mais de 30 anos atrás, a revista America publicou artigos de Thomas O’Meara, OP e do Pe. Matthew Lamb questionando se os departamentos de Teologia das universidades católicas seriam capazes de sustentar a renovação teológica em curso desde o Concílio Vaticano II. A situação era terrível.

O Pe. O’Meara declarou em 1990: “Estamos nos aproximando de um estado de emergência na vida teológica católica nos Estados Unidos”. Se os departamentos de Teologia não conseguissem formar a próxima geração da sociedade teológica, isso ameaçaria o futuro das universidades católicas, pois, como declarou o Pe. Lamb naquele mesmo ano, “a teologia católica é central para a identidade católica de qualquer faculdade ou universidade católica”.

Hoje, embora a preocupação com o futuro das universidades católicas continue alta, tem-se dado relativamente pouca atenção ao modo como a atual crise na teologia católica põe em risco a viabilidade das instituições que as abrigam. Revisitar esses dois artigos não apenas joga luz sobre a crise atual, mas também sugere que a questão não pode permanecer como um debate intrateológico, mas deve ser uma prioridade dos administradores universitários.

Os professores de Teologia, assim como quase todos os educadores universitários, sentem que algo profundamente preocupante está acontecendo nas cerca de 226 faculdades e universidades católicas dos Estados Unidos. A pandemia aumentou a probabilidade de um futuro quase certo: dezenas das nossas faculdades e universidades católicas encontram-se em risco financeiro, e algumas já estão fechando as portas, e outras estão à beira de fazer isso. Medidas de corte de custos transformaram em norma a dependência de professores adjuntos e colaboradores. Cada vez mais, os estudantes de hoje, muitas vezes com um forte empurrão dos marqueteiros universitários, escolhem uma graduação em disciplinas fora das humanidades.

Como publicações como o Chronicle of Higher Education nos lembram quase que semanalmente, as humanidades enfrentam a marginalização contínua, apesar das crescentes evidências dos amplos danos cívicos e sociais que resultam do fato de negligenciá-las.

Esses elementos contextuais mais amplos apresentam consequências infelizes para a teologia em particular. Em comparação com os anos 1990, menos pais católicos incentivam seus filhos a seguir o Ensino Superior católico, muito menos um curso de Teologia. Com a diminuição do número de estudantes que se formam em humanidades, a disciplina de Teologia luta para encontrar um equilíbrio.

 

Anfiteatro da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (Foto: Wikimedia Commons)

 

A crise atual

O afastamento gravitacional da teologia no nível da graduação teve consequências diretas e negativas para a renovação das posições do corpo docente reservadas a teólogos. Desde que eu comecei a trabalhar no Departamento de Teologia da St. Louis University em 2007, testemunhei uma queda de 32 cargos de docente em tempo integral para 22, e a maior parte da redução envolvia o grupo de cargos efetivos. Essas tendências estão amplamente disseminadas, exceto nas universidades católicas mais prósperas.

Apesar dessas tendências alarmantes, parece haver pouco esforço concertado na rede de instituições católicas, e mais particularmente entre os 28 membros da Associação de Faculdades e Universidades Jesuítas, para colaborar e criar estratégias sobre como renovar e revigorar a teologia em seus campi. No mínimo, os cerca de 215 departamentos sem doutorado deveriam se envolver em conversas com a dezena de universidades católicas com doutorado sobre as necessidades futuras de contratação.

Nos departamentos de Teologia e Estudos Religiosos, surge uma crise relacionada. Para que serve a teologia e como um departamento deveria ser construído? Depois do Concílio Vaticano II, muitos departamentos adotaram categorias de ensino herdadas dos seminários – Escritura, História, Ética ou Teologia Prática, e Teologia Sistemática. Durante os anos 1980 e 1990, certos departamentos perceberam a necessidade da diversidade religiosa mais cedo do que outros, mas agora quase todos os departamentos oferecem a maioria dos seus cursos fora das categorias antigas e contrataram professores com expertise adequada nessas áreas. Departamentos maiores que ofereciam graus avançados sentiram-se compelidos a manter um corpo docente capaz de equipar os futuros catequistas e professores com aquilo que era entendido, no sentido mais amplo, como os instrumentos necessários para realizar o ofício e transmitir algo da missão da tradição católica com integridade. Esses pressupostos não são mais evidentes hoje.

Apesar de todas as suas diferenças, o Pe. Lamb e o Pe. O’Meara compartilhavam características comuns. Ambos eram clérigos nascidos nos anos 1930, que ingressaram na vida religiosa antes do Vaticano II e passaram a estudar com teólogos importantes do norte da Europa após o Concílio. Isso pode explicar a concordância significativa expressada em seus artigos.

O ponto de partida deles era a repentina transformação teológica e institucional instigada pelo Concílio. Essas mudanças podem ser mais bem resumidas pelo termo laicização. Com menos religiosos e religiosas, e menos clérigos como professores, as universidades católicas não tinham os recursos financeiros e humanos necessários para fornecer salários competitivos aos leigos e para financiar a formação intelectual e espiritual adicional até então fornecida pelas comunidades religiosas.

 

Desafios e oportunidades

Esses desafios, para usar o jargão administrativo, também trouxeram oportunidades abundantes. O centro do financiamento teológico se deslocou do seminário – “leões” da academia católica de meados do século, como John Courtney Murray, SJ e Raymond Brown, SS, eram membros do corpo docente de seminários – para a universidade, onde o dinheiro e (mais vitalmente) os melhores estudantes se encontravam. Havia agora um grupo maior de teólogos em potencial, assim como o reconhecimento de que se podia estudar mais do que a teologia tomista ou manualista. Os estudos bíblicos, o ecumenismo e o estudo das outras religiões eram agora algo justo e atraíam muitos estudantes ansiosos. O rosto da academia teológica tornou-se decididamente menos clerical e também menos masculino, embora continuasse esmagadoramente branco.

Fazendo o levantamento de uma nova concepção massiva e incompleta da Teologia um quarto de século depois do Concílio, o Pe. Lamb e o Pe. O’Meara temiam que a Teologia fosse à deriva. Havia o perigo de que os administradores simplesmente ignorassem as consequências dessas mudanças demográficas. Para que a Teologia católica sobrevivesse, e ainda mais para que prosperasse, de acordo com esses dois observadores, as universidades católicas precisavam oferecer mais do que promessas da boca para fora e um lugar para a Teologia no currículo básico. Era necessário dinheiro para oferecer aos teólogos trabalhadores o tempo e os recursos para se envolverem mais profundamente com a tradição. Somente assim a nova geração poderia transmitir uma compreensão profunda e viva da tradição teológica para uma futura geração de estudantes.

Em grande parte, as universidades católicas cresceram nas últimas três décadas. Os programas de doutorado, via de regra, agora cobrem os custos das mensalidades, oferecem seguro-saúde e fornecem salários que tornam possível estudar Teologia como um emprego de tempo integral. Além disso, surgiram inúmeros institutos para promover a pesquisa católica, alguns dos quais vinculados a universidades (como o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Notre Dame, inspirado em um instituto em Princeton, Nova Jersey, ou o Instituto de Estudos Católicos Avançados na Universidade do Sul da Califórnia).

Outros são independentes ou têm apenas uma afiliação vaga, como o Instituto Lumen Christi, em Chicago. Na Saint Louis University, benfeitores generosos e a priorização administrativa possibilitaram que os professores das humanidades recebessem fundos e reduções na carga horária para pesquisas contínuas. Tais iniciativas se espelham em outras universidades católicas mais bem financiadas.

 

Salvaguardando a tradição

Além do dinheiro, entretanto, os departamentos de Teologia requerem um compromisso correspondente com a identidade católica. O Pe. O’Meara foi rápido em explicar que não se pode igualar essa identidade “com catecismos ortodoxos e controle papal”, mas com “os princípios gerais da interpretação católica do cristianismo” e “os campos e tradições de um milênio de reflexão sobre a fé”.

Lamb, por sua vez, defendia a preservação da “memória católica” e considerava imperativo que “projetos de pesquisa sérios e de longo prazo sobre as tradições teológicas católicas e o seu significado para a cultura estadunidense sejam fomentados mais intensamente nas universidades católicas”.

O Pe. Lamb e o Pe. O’Meara se formaram antes do Concílio e rejeitavam um retorno ao estado da teologia pré-Vaticano II. Eles tinham em mente uma recuperação ampla e profunda que pudesse estar familiarizada com os assuntos urgentes da época. Algo assim exigiria um refinamento real e contínuo.

Os próprios mecanismos que levaram ao boom da teologia leiga também criaram problemas imprevistos, incluindo um que ambos mencionaram em sua discussão sobre a formação na pós-graduação. O Pe. Lamb e o Pe. O’Meara temiam que a falta de programas de primeira classe nas universidades católicas levasse os teólogos mais promissores às universidades protestantes ou seculares para estudar. “A tendência”, escreveu o Pe. Lamb, “é que os departamentos de Teologia católica contratem cada vez mais professores de programas protestantes e estatais”, mesmo quando a contratação na direção oposta não acontecia na mesma taxa.

O Pe. Lamb descrevia apropriadamente essa situação como “ecumenismo de mão única”. O Pe. O’Meara observava a mesma tendência, escrevendo que as universidades denominacionais, nomeadamente protestantes e públicas, “são mais ou menos fechadas aos católicos em qualquer número”. O Pe. O’Meara perguntava: se os melhores estudantes católicos são formados em instituições Ivy ou para-Ivy [em referência à Ivy League, um grupo formado por oito das universidades mais prestigiadas dos EUA: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale], eles serão “apresentados adequadamente às áreas teológicas centrais ou aos importantes teólogos do catolicismo”? E, se a futura geração de teólogos e teólogas católicos não tiver um entendimento e uma visão profundos da tarefa da teologia, será que eles se importarão se essa tradição é transmitida?

 

O trabalho comum de uma Igreja mundial

Para o Pe. Lamb, a crise já se manifestava em 1990. O ambiente iluminista mais amplo da cultura estadunidense depreciava o discurso teológico, e, no despertar do Iluminismo, o debate público sobre a religião oferecia apenas um contraste estultificado de “conservadores versus liberais, progressistas versus reacionários”.

Sem um envolvimento mais profundo com a tradição, e sem uma formação em práticas que unam o espiritual e o intelectual, os departamentos de Teologia correm o risco de “produzir mais jornalistas teológicos do que teólogos”, cujos argumentos são “tão previsíveis quanto alguns jornais católicos, conhecidos pelas suas rotineiras posições conservadoras ou liberais”.

A geração do Pe. O’Meara e do Pe. Lamb experimentou e se libertou das ondas da estreiteza. No antigo sistema, o catolicismo era o catolicismo romano, a teologia era o tomismo, e a patrística era ocidental. Criar um novo enquadramento significava descobrir uma tradição mais profunda do que aquela que havia sido oferecida.

A história da teologia católica do século XX pode ser amplamente contada como a história dessa descoberta, cujos frutos se manifestaram nos triunfos litúrgicos, eclesiológicos e ecumênicos do Vaticano II. Apesar de ocuparem locais posições diferentes no cenário da política teológica e eclesial, o Pe. O’Meara e o Pe. Lamb compartilhavam essa história e queriam garantir o seu próximo capítulo.

O projeto teve sucesso em parte porque não apenas tornou atraente o projeto da teologia, da memória e do compromisso católicos com o mundo moderno para uma gama de futuros teólogos e teólogas, clérigos e leigos. Também havia pessoas de fora olhando para dentro – uma multidão de ex-teólogos protestantes e estudantes de pós-graduação que sentiam algo vivo e real na tradição católica. O número de teólogos e aspirantes a teólogo norte-americanos que estão sendo recebidos na Igreja Católica é inconcebível na maior parte da Europa e evidencia a renovação aspirada pelos padres Lamb e O’Meara.

A narrativa também era compartilhada pelo meu mentor em Tübingen, na Alemanha: Peter Hünermann (nascido em 1929), que se formou no antigo “sistema romano” e tinha a intenção de encontrar um novo caminho para a teologia moderna. Ele levava a sério a afirmação (empírica e normativa) feita por Karl Rahner, SJ de que a Igreja não era mais europeia e passou um tempo significativo lecionando na América do Sul.

Quando eu recebi a permissão para participar do seu colóquio doutoral, há cerca de 20 anos, eu me sentei ao redor de uma mesa com estudantes não só da Europa, mas também da África e da América do Sul. Eles apresentavam as suas pesquisas em alemão e inglês, mas também em espanhol e francês. Eles estavam escrevendo dissertações sobre se os europeus haviam levado a salvação ou apenas a religião para a África, além de trabalhar as implicações da teologia da libertação e da teologia feminista para diferentes doutrinas.

Eu entendia o meu próprio projeto de recuperar a Escola Católica de Tübingen do século XIX como parte de um trabalho comum de uma Igreja mundial, possibilitado pelos melhores teólogos e por um compromisso financeiro de longa data que permitiu isso. Na cidade universitária de Tübingen, no sudoeste da Alemanha, eu tive a sensação de um catolicismo global, uma experiência que James Keenan, SJ fomentou entre os eticistas nos últimos anos.

No entanto, apesar da rede cada vez mais internacional da teologia católica, tem havido pouco esforço para fazer os departamentos de Teologia dos Estados Unidos se parecerem mais com a Igreja Católica mundial, subequatorial e em contato com os pobres.

Quais são as forças que moldam os teólogos e teólogas hoje e qual será o seu impacto na teologia católica? Antes de tratar da espinhosa questão da contratação, é útil retomar a preocupação do Pe. Lamb com o jornalismo teológico.

A proliferação de publicações de opinião teológica, muitas delas online, oferece um maior número de plataformas para debater as questões urgentes da atualidade. Hoje em dia, pode-se ouvir o presidente Biden citar Agostinho ao meio-dia e ler sobre a sua aplicação da “Cidade de Deus” naquela noite.

Dado o baixo nível da alfabetização religiosa e os danos causados por teólogos não credenciados, a boa teologia pública é um serviço à Igreja e traz bons reflexos para os teólogos e teólogas.

O problema, à época e agora, é confundir jornalismo com pesquisa. Os departamentos de Teologia desesperados por prestígio doaram cátedras importantes e ofereceram honorários para prestigiosas palestras a sujeitos que atuam principalmente no jornalismo teológico. Essas decisões enviam a mensagem de que as universidades católicas valorizam mais aquilo que é do momento do que aquilo que é profundo e duradouro. O jornalismo teológico, mesmo quando feito com habilidade, não pode substituir a longa e sustentada busca acadêmica necessária para formar os alunos no ofício. Quem entra na academia teológica pode ter a impressão de que deve deixar a sua marca com o jornalismo, ao invés da pesquisa, e tal conclusão dificilmente pode ser um prenúncio de uma séria renovação teológica vindoura.

 

Levar a diversidade católica a sério

As oportunidades perdidas por favorecer o jornalismo teológico, no entanto, empalidecem em comparação com as consequências negativas das contratações precárias. Os departamentos afetados pelas reduções mencionadas anteriormente enfrentam pressões adicionais, incluindo o nebuloso imperativo de “diversificar”.

Contratar tendo em vista a diversidade ajudou a tornar os departamentos menos clericais e menos masculinos, de modo que refletissem mais de perto a demografia da sociedade do que da maioria dos professores dos seminários, e esse passo óbvio muitas vezes demorou muito.

Diversidade aplicada também à especialização e à denominação: os departamentos aprenderam os benefícios de ter não apenas cristãos não católicos, mas também não cristãos em seu corpo docente. No nível da pós-graduação, a virada ecumênica permitiu que os departamentos oferecessem a possibilidade de teologia comparada, ao mesmo tempo em que fornecia expertise sobre figuras como Friedrich Schleiermacher e Karl Barth, que estavam praticamente ausentes nos currículos e nos livros didáticos dos seminários católicos nos anos 1950.

A diversificação também foi uma resposta necessária às mudanças demográficas e aos desejos dos estudantes. Entre os decanos, os diretores e outras partes interessadas, entretanto, havia um entendimento compartilhado de que essas posições do corpo docente designadas para teólogos complementariam, em vez de suplantar, o papel central da teologia católica em uma universidade católica.

Esse consenso sobre o papel central da teologia católica, sem dúvida, se perdeu. No atual clima político e acadêmico, fortes pressões e imperativos éticos profundamente sentidos forçam um tipo particular de contratação por diversidade. Maior diversidade de gênero e de raça no corpo docente é um bem exigido pela justiça.

A Igreja Católica afirma ter mais de 1,3 bilhão de membros em todo o mundo, e cerca de 70% deles vivem fora da Europa e da América do Norte. Certamente, se as universidades católicas levarem a diversidade católica a sério, elas deveriam olhar para estratégias de longo prazo para recrutar os estudantes de pós-graduação mais brilhantes e para contratar os professores mais promissores, que podem transmitir e encarnar o estado atual e o curso futuro do catolicismo global.

No entanto, poucas universidades católicas estão buscando deliberadamente a colaboração com instituições em lugares como Brasil, China, Nigéria e Filipinas.

 

Razão de ser da Teologia

O Pe. Lamb e o Pe. O’Meara temiam que a nova geração de estudantes leigos carecesse de formação básica em Teologia e nas línguas necessárias para um trabalho teológico sério. Hoje, a crise parece girar em torno da necessidade ou não de gastar tempo com fontes e questões básicas.

Bernard Lonergan, SJ passou anos “buscando alcançar a mente de Aquino”, e pode-se perceber que Hans Urs von Balthasar, Henri de Lubac, SJ, Karl Rahner, SJ e Edith Stein tiveram a mesma sensação de terem realmente descoberto algo quando leram as fontes cristãs primitivas. Muitos estudantes hoje, no entanto, têm a impressão, muitas vezes transmitida intencionalmente, de que um curso de pesquisa sobre Teologia pré-moderna é suficiente.

Os estudantes são encorajados, explicitamente ou por sugestão, a integrar questões teológicas com métodos (teoria crítica, etnografia) ou campos (estudos do trauma, estudos sobre deficiência, estudos ambientais) adjacentes à Teologia. Na prática, isso não é nada novo, e integrar esses métodos pode ter uma recompensa teológica real, tanto quanto a aplicação da filologia e da história às disciplinas teológicas para as gerações anteriores.

Mas aqui surgem dois problemas. Primeiro, fazer isso bem requer um tempo que não pode vir às custas do curso teológico. Caso contrário, dá-se a impressão de que a tradição pode ser adquirida a baixo custo ou, pior ainda, de que o esforço não vale a pena.

Em segundo lugar, é preciso conceber novamente a teologia para o século XXI, como Johann Sebastian Drey, de Tübingen, fez para a sua época em sua “Breve introdução ao estudo da Teologia” (1819), quando a compreensão da Teologia em relação a outras disciplinas estava passando por um processo de transformação análogo.

Se a boa Filosofia e a boa História contribuíram para uma Teologia melhor, o mesmo pode ser verdade para o impacto sobre a Teologia de campos como a etnografia e os estudos sobre deficiência. Para que a Teologia mantenha a identidade e a coerência, a aplicação de disciplinas e métodos suplementares precisa ser acompanhada de uma apreciação pelas conquistas históricas da Teologia, que o corpo docente deveria encarnar e articular por meio de um amor palpável pela Teologia. Caso contrário, os departamentos correm o risco de perder a sua razão de ser.

É difícil separar o modo como os departamentos deveriam ser e o modo como eles deveriam contratar. Na minha experiência, porém, quase não há nenhuma coordenação entre as universidades católicas sobre esse assunto. Se uma colaboração internacional pode ajudar a tornar realidade uma maior catolicidade, a colaboração nacional ajudaria a responder à questão ética sobre se os departamentos de Teologia católica deveriam oferecer doutorados. Se a dezena de universidades católicas dos Estados Unidos que oferecem doutorados em Teologia soubessem que as demais universidades estão comprometidas com práticas de contratação que recompensam os departamentos que formaram os estudantes a recuperarem e reimaginarem a teologia católica de formas criativas e dinâmicas, seria mais fácil justificar a continuidade desses programas.

Para ser claro, o que é necessário não é um apelo renovado para uma “contratação católica”, mas para estratégias deliberadas para buscar teólogos e estudiosos da religião interessados em continuar a pensar, lembrar e imaginar com um padrão amplamente católico de fazer teologia. A coesão de um departamento depende de uma coalizão de membros engajados em uma atividade comum que pode ser reconhecida e nomeada. A vitalidade do esforço comum requer novos colegas que ampliem e expandam uma visão da Teologia que afirma ser católica. As instituições mais preocupadas com a identidade católica muitas vezes se contentam com uma identidade paroquial em vez de uma identidade vitalmente católica. Tais exemplos negativos, no entanto, não deveriam dissuadir os departamentos mais tradicionais de darem passos para imaginar a sua catolicidade de uma forma séria e ponderada.

A prática da Teologia católica feita em grande parte por teólogos e teólogas leigos em instituições fora do controle eclesiástico é relativamente nova, mas muitos altos administradores tratam a disciplina da Teologia acadêmica como se ela estivesse protegida contra danos no ambiente de hoje. Muitos professores e decanos se contentam em seguir as tendências que prevalecem atualmente na academia, como se as instituições católicas tivessem as mesmas necessidades e fins que as suas contrapartes seculares.

Se os departamentos de Teologia forem transformados em uma variante dos Estudos Culturais, nos quais a disciplina da Teologia é substituída por uma mistura de métodos e campos, há uma questão real de saber se a teologia leiga continuará. A teologia católica pode se retirar para o seu lugar tradicional, nos seminários, para ser feita (principalmente) pelo clero (principalmente) para o clero.

Tal mudança seria uma grande perda para o estudo da Teologia, para a vida das nossas universidades católicas e para a Igreja Católica como um todo.

 

Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.

 

XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição

 

 

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