18 Mai 2021
Em um clima generalizado de retorno a um intenso amor pela natureza, que hoje chamamos de sensibilidade ecológica, foi publicado um livro de teologia que se interroga sobre a criação e, em estreita relação com ela, também sobre o mal: “In principio” [No princípio] (Ed. San Paolo, 256 páginas), de Ursicin G. G. Derungs e Marinella Perroni.
O comentário é de Rosanna Virgili, teóloga e biblista italiana, e professora do Istituto Teologico Marchigiano, na Itália. O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 15-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Esse tema, na teologia dos Padres e na dos doutores da Escolástica medieval, certamente consistia em um todo – o tratado que outrora se chamava “De creatione et peccato” –, mas hoje parece original no cenário editorial fervilhante de textos que exaltam e convidam à estima e ao respeito pela natureza.
Muita água passou por baixo das pontes, de Espinosa a Nietzsche: a Natureza se tornou “divina” e acabamos “além do bem e do mal”, embora, em relação a este último, permaneça uma ferida sempre aberta, permaneçam as perguntas não resolvidas do cur malum? e do unde malum?, não só para a teodiceia – ainda mais cáusticas depois da “névoa” de Auschwitz –, mas também para as diversas ciências que, embora muito poderosas em muitos campos, não conseguem debelar o mal.
Como confessam os autores no prólogo, “mudou a percepção da criação. A imensidão do universo, os seus segredos, a sua beleza, descoberta graças às ciências da física e da astrofísica, nos fazem lembrar que, em nós, humanos, não existe um único átomo que não tenha a sua origem e o seu berço na imensidão de um universo em formação”. Um universo não perfeito no princípio, mas em formação, que se desenvolve de acordo com um processo.
Portanto: “Muitas coisas mudaram, no que diz respeito às abordagens epistemológicas e às suas repercussões nas metodologias teológicas, mas também no clima geral dentro e fora das salas de aula das faculdades de teologia”. E esse já é um primeiro mérito desta obra que, de fato, é diferente de muitas publicações idealmente entusiásticas sobre a natureza, nas quais esta última é assumida de forma evidente como boa e belíssima. Isso acontece com todas as coisas perdidas.
A campanha pelo cuidado do planeta que – graças a Deus! – foi lançada por vários países do mundo e entre eles, recentemente reproposta também por aqueles que mais importam no cenário internacional – como os Estados Unidos e a China –, parece atestar um olhar que separa a natureza dos humanos e vê aquela como vítima de um comportamento de abuso – isto é, de um “mal” – que estes continuam perpetrando contra ela.
Em relação a isso, os nossos teólogos se situam na esteira da teologia cristã tradicional e examinam a criação – um termo mais preciso, do ponto de vista bíblico, do que “natureza” – como um lugar onde o mal também ocorre. Na criação, de fato, também existe o humano.
Mas essa é apenas a primeira razão pela qual você merece conhecer este livro e refletir sobre a sua proposta, com os olhos dos contemporâneos. Como tudo o que realmente honra a memória, o livro consegue não só introduzir caminhos hermenêuticos ainda pouco trilhados, mas também produzir perspectivas e resultados novos sobre o tema em questão.
Eles estão claramente ilustrados na síntese da parte introdutória: “Estamos convictos de que é absolutamente indispensável repensar a teologia da criação e do mal que se tornou tradicional, dado o atual pano de fundo sociorreligioso, mais do que nunca dinâmico e cheio de sugestões, caracterizado por um novo modo de entender o alcance teológico dos textos bíblicos, além do impulso crítico que vem do diálogo da teologia com todas as ciências e da assunção da perspectiva feminista e de gênero”.
E eis outros três bons motivos para ler “In principio”. O primeiro é a consciência da urgência de que a teologia repense o tema da criação e do mal no atual ambiente cultural. O Papa Francisco, com a Laudato si’, deu um salto enorme, escancarou uma porta para a questão ecológica, que agora obriga os teólogos a elaborarem um pensamento que uma um fio entre o depositum da teologia e as abordagens atuais, nesse campo.
E eis o segundo motivo: o “impulso crítico” que deriva da teologia a partir do seu diálogo com “todas as ciências”. Não é pouca coisa. Os autores têm a coragem de entoar a abertura com uma citação de Albert Einstein, que não usam para refutar, mas para mostrar como as suas palavras interpelam os teólogos: “‘Uma coleção de lendas veneráveis, mas ainda um tanto primitivas’: as palavras com que Einstein descreve os relatos bíblicos da criação”.
E é justamente em torno do fato de que os relatos bíblicos do Gênesis foram, na tradição, “atribuídos à ordem dos fatos históricos”, começa a discussão dos autores, que lembram que, “há algum tempo já, a crítica bíblica havia deixado claro o caráter mítico e o consequente valor teológico dos relatos da criação que abrem o livro do Gênesis”, lamentando, no entanto, que “a contribuição de exegetas e teólogos, quando se apresenta como pensamento crítico, faz um grande esforço não apenas para se tornar patrimônio comum das Igrejas, mas também para entrar no debate cultural secular”.
Uma denúncia urgente para a Igreja Católica que, hoje, aliás, é conduzida por um pontífice que, com as suas palavras e os seus escritos, mostra uma abertura leal e decidida às reivindicações culturais da nossa época, às quais – dizem os autores – precisamente a ciência bíblica, entre as diversas ciências teológicas, “abriu-se por primeiro e decisivamente”, confiante também “de que, no labirinto dos fatos, o princípio da fé não se perderá”.
Last but not least, entre as novidades de abordagem hermenêutica, encontra-se nesta obra – que é publicada na Exousia, uma coletânea cuja tipicidade é a da releitura de gênero – não só a paternidade masculina e feminina, mas também um desfecho inédito nesse sentido. Sem esquecer a importância da abordagem de gênero, ela chega, de fato, na segunda parte, à transparência da “irrelevância” deste último e, sem operar “exclusões nem deformações”, permite que o leitor possa reconhecer, no fim, “um discurso unitário, construtivo, estimulante”.
Não é à toa que os dois autores, no decorrer dos trabalhos, quiseram se chamar simpaticamente de Pingue e Pongue, pois, revelam: “Se o universo parece ter começado com um Big Bang, este livro, muito mais modestamente, começou com um pingue-pongue”.
Afinal, o Deus criador e Senhor, no livro dos Provérbios (cf. 8,22-31), também não fez o mundo sozinho, mas junto com a Senhora Sabedoria.
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O desafio à teologia do instante zero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU