12 Setembro 2016
"Paulo, sobre as mulheres, disse de tudo e também o contrário de tudo. Eu acho que é mais necessário informar sobre as atuais abordagens à Escritura, em vez de reiterar os esquemas usados no passado, como se ainda fossem atuais."
A opinião é da teóloga e biblista italiana Rosanna Virgili, professora do Istituto Teologico Marchigiano, vinculado à Pontifícia Universidade Lateranense. O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 11-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um exercício crítico é o que há de mais útil e civil no mundo, e eu expresso o verdadeiro prazer de poder compartilhar uma segunda passagem de tal nobilíssima e rara prática no debate com o professor Vito Mancuso.
Gostaria de esclarecer que eu uso o adjetivo "crítico" na acepção filosófica de "racional", que é o modo pelo qual eu acho que o apliquei àquilo que o teólogo escreve. Esse tipo de crítica não se faz contra, mas sobre um assunto, para avaliar a sua solidez, mas também para ampliar os horizontes. Aqueles que amam o coração das coisas aprecia essa crítica; ela não tende, de fato, a fazer um juízo de valor, a desprezar o autor, muito menos a apagar as suas teses; não é medida em termos de aspereza nem de mansidão, porque é simplesmente uma questão de método.
Não por acaso, o estudo científico da Bíblia utiliza – de Spinoza em diante – precisamente métodos com critérios e técnicas aprovadas pelos colégios dos especialistas; são eles: diacrônicos, sincrônicos, histórico-críticos (realizados com o instrumento da razão, com base nas ciências históricas, atentos aos estudos comparados e vinculados aos sufrágios tirados da arqueologia); redacionais, narrativos e semióticos, estruturais, canônicos e teológicos.
Em todos esses métodos, a primeira indicação para ler um texto diz respeito à sua delimitação. Eu não critiquei Mancuso por ter cortado o texto, mas pelo critério utilizado para fazer isso e pelo uso imediatamente dogmático dos versículos citados.
O estudo científico da Escritura é frequentado nas Igrejas cristãs reformadas e não só admitido oficialmente na Igreja Católica, há várias décadas, mas também exigido na formação cultural dos futuros padres, que devem saber quem eram Schleiermacher e Martin Noth, se quiserem obter o bacharelado em Teologia, necessário para o acesso aos ministérios ordenados. Mas os futuros professores de religião também estudam Bultmann e leem Nietzsche, assim como Levinas e Ricoeur.
Eles sabem que Paulo, sobre as mulheres, disse de tudo e também o contrário de tudo: "O juízo de Paulo sobre o lugar das mulheres na Igreja foi o campo de batalha no qual as questões eclesiais feministas foram e são objeto de confronto. A sua autoridade foi adotada tanto para reduzir as mulheres ao silêncio, quanto para promover o seu avanço no ministério".
Essa é a introdução de um pequeno livro escrito por grandes teólogas e biblistas como Cettina Militello e Maria Luisa Rigato, junto com Jerome Murphy-O'Connor, um dos mais renomados especialistas das Cartas aos Coríntios (Paolo e le donne, 2006, p.11). Eu acho que é mais necessário informar sobre as atuais abordagens à Escritura, em vez de reiterar os esquemas usados no passado, como se ainda fossem atuais.
Concordo plenamente com Mancuso quando ele diz que "a submissão feminina do passado não pode deixar de ter uma raiz também no texto bíblico", e eu nunca sonharia em afirmar que "a submissão da mulher" não foi fundamentada também sobre ele, ou, melhor, eu escrevi claramente que, muitas vezes, os textos foram arbitrariamente utilizados pelos "sistemas religiosos"; não há dúvida de que algo deve ter acontecido já que a "presença de autoridade das mulheres nas comunidades cristãs desapareceu totalmente quase de repente".
Eu critico, ao contrário, que Mancuso não faça a mínima menção à autocrítica que a própria Igreja Católica fez sobre esse modo de proceder em relação à Bíblia. Um texto do Magistério como a Mulieris dignitatem foi comentado por uma teóloga seriamente crítica, como Lilia Sebastiani, que escreve: "O adiutorium simile sibi foi submetido a muitos equívocos de marca patriarcal e androcêntrico no passado. Se os Padres da Igreja, não ao contrário dos rabinos tradicionalistas, liam apenas a mulher como ajuda do homem e não vice-versa – razão pela qual a mulher acabava se encontrando como ser adjunto, complementar, quase ‘suplementar’ (…), a Mulieris dignitatem reconhece e oficializa aquilo que a exegese do século XX e especialmente a reflexão bíblica no feminino já tinham evidenciado, muitas vezes de modo marginal e suspeito, em relação à pregação mais oficial. A mulher e o homem são criados por Deus como ajuda recíproca, e não em vista a uma função (…). O fato de ser homem ou mulher não envolve, aqui, nenhuma limitação" (Consacrazione e Servizio, 5/2008).
Na sua resposta, Mancuso esclarece definitivamente: "Foi a modernidade que fez evoluir a consciência ocidental à paridade homem-mulher e, portanto, que fez sentir a inaceitabilidade das expressões bíblicas, incluindo as de São Paulo". Certamente o foi em muitos aspectos. Mas cada fenômeno deve ser olhado também contra a luz. O Concílio viu e acolheu os "sinais dos tempos", mas foi, por sua vez, um grande "sinal dos tempos".
Entre os séculos XVIII e XX, surgiram na Europa milhares de famílias religiosas femininas que se ocupavam do welfare, quando os Estados ainda não sentiam em nada a responsabilidade social e não garantiam nem a saúde, nem a educação, nem o trabalho. Quanta profecia e "modernidade" naquelas mulheres!
E o que dizer das abadessas medievais que reivindicavam o direito à autonomia no governo das coisas espirituais e materiais? Ainda no primeiro século da era cristã, os Evangelhos se colocaram contra o poder masculino excessivo na instituição matrimonial, defendendo o direito da mulher de não ser repudiada por qualquer capricho do marido, ou de não ser apedrejada por causa de adultério (cf. Mt 19; Jo 8). Crimes contra as mulheres ainda atrozmente atuais que as Escrituras cristãs denunciam e repudiam muito fortemente há ao menos dois milênios! Por que não dizer também isso, ou, melhor, hoje, sobretudo disso?
Mancuso convida a "conferir o primado não à autoridade do texto, mas ao bem do ser humano, a serviço do qual também se chega a curvar o texto bíblico". Sim, se com isso se entende o critério ditado por Jesus: o sábado é para o homem, e não o homem para o sábado.
O texto bíblico não deve ser curvado, mas entendido e desfrutado nas suas razões intrínsecas; naquela alma que é a Palavra de Deus que modela e transforma o seu Corpo nas várias sintaxes da história. Em um autêntico desejo de "florescimento do humano", a Escritura, certamente, deve ser libertada e "posta para crescer" – dizia Gregório Magno –, mas não jogada no lixo.
Por fim, justamente para sair do constrangimento, eu gostaria de desdramatizar, com duas curiosas notas autobiográficas, a questão dos textos que Mancuso me cobra por não ter citado.
O primeiro: "Que as mulheres fiquem caladas nas assembleias, pois não lhes é permitido tomar a palavra" (1Cor 14, 34-35, versão da Bíblia Pastoral). Há nada menos do que 18 anos, na primeira hora de lição sobre o Corpus Paulinum, eu iniciei justamente com esses versículos, com evidente espanto dos estudantes. Eu disse que aquela que ministraria o curso era uma pessoa não legitimada a fazê-lo, mas, justamente por isso, a mais próxima de Paulo, que tinha se encontrado, por sua vez, em tais condições. A partir das suas Cartas, de fato, evidencia-se que ele nunca foi plenamente legitimado como Apóstolo, não fazendo parte dos Doze, e que muitas eram as discussões, as rejeições, os contrastes que ele sustentou para afirmar a verdade do Evangelho e o direito de anunciá-lo. Eu quis deixar logo claro que, para além dos conteúdos, semelhante ao meu era o púlpito bíblico do qual vinha a pregação.
O segundo texto, o da Primeira Carta a Timóteo: "Durante a instrução, a mulher deve ficar em silêncio, com toda a submissão. Eu não permito que a mulher ensine (…). Entretanto, ela será salva pela sua maternidade..." (2, 11-15, versão da Bíblia Pastoral). Por uma estranha brincadeira da vida, eu fui a primeira mulher a proferir uma conferência na Semana Bíblica Italiana, na Aula Magna do Pontifício Instituto Bíblico, com o barrigão de grávida... O meu filho nasceu um mês depois, era o distante 1998! Talvez Paulo, naquele dia, se revirou no túmulo; de minha parte, estou certa de que a salvação virá dos filhos e espero que seja para todos, não apenas para aquelas que os dão à luz.
Paulo e as mulheres: a Igreja condicionada por alguns versículos. Artigo de Vito Mancuso
Islã, cristianismo e a polêmica sobre o burkini. Artigo de Vito Mancuso
Afinal, Paulo era contra a mulheres?
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As mulheres segundo São Paulo ou segundo Mancuso? Artigo de Rosanna Virgili - Instituto Humanitas Unisinos - IHU