19 Fevereiro 2020
“Com as novas armas dotadas de Inteligência Artificial, será necessário redefinir o que é guerra, o que é uma arma e o que resta da Convenção de Genebra, do Direito Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos. O que não será necessário é redefinir o que é 'vítima', isso, sim, não muda”, escreve Tica Font, membro do Centre Delàs d’Estudis per la Pau, em artigo publicado por Público, 18-02-2020. A tradução é do Cepat.
Em 3 de janeiro, o presidente dos Estados Unidos autorizou que drones armados lançassem um míssil para acabar com a vida do general iraniano Qasem Soleimani, quando saía do aeroporto em Bagdá (capital do Iraque). Soleimani estava acompanhado, entre outros, por Al Mohandes (que em 1983 atentou contra a embaixada dos Estados Unidos no Kuwait). Não sabemos quantas vítimas houve neste ataque ou nesta execução extrajudicial.
Segundo Washington, o ataque foi realizado com mísseis lançados por um drone MQ-9 Reaper. Os drones são aviões não tripulados, ou seja, não há humanos pilotando de dentro do aparelho. Esses drones estão equipados com um sensor multiespectral, com câmera de televisão monocromática ou colorida e luz infravermelha (também podem ver à noite), também com seleção de objetivo a laser para guiar os mísseis e explosivos com os quais está equipado.
Como esses drones têm capacidade de voo de 14 a 30 horas, geralmente estão localizados em bases militares relativamente próximas aos objetivos a serem abatidos. Os militares que supervisionam a operação ficam a muitos quilômetros do drone e do alvo que desejam bombardear, podendo permanecerem na base aérea de Creech, em Nevada, ou na Virgínia. Com as câmeras e sensores do drone, os militares estão vendo toda a trajetória de voo e o que está acontecendo ao seu redor, as câmeras com as quais estão equipados podem ler uma placa de carro a 3 km e o tempo necessário para a informação entre o drone e os operadores militares é de 1,2 segundo. Todas essas comunicações são realizadas via satélite.
Esses aviões de combate não tripulados são mais baratos do que os aviões de combate tradicionais, podem estar no ar, de dia e de noite, com chuva e sol, e os militares que os operam fazem guerra por turnos. Quando termina o turno, podem voltar para casa e jantar com seus filhos e família.
Como dizíamos neste caso, Trump autoriza que se mate ou assassine Soleimani, existem alguns operadores localizados em uma base localizada no território norte-americano que de maneira remota supervisiona todo o processo, até que o botão de disparo seja pressionado e, finalmente, haja um drone armado com mísseis localizados em uma base americana ou em outro país que voa e executa uma missão supervisionada a distância.
Por outro lado, o governo do Irã respondeu seis dias depois, atacando com o lançamento de 22 mísseis duas bases iraquianas usadas pelos norte-americanos, a base Ain al Asad (no oeste) e em Erbil (capital do Curdistão iraquiano) e onde existem destacadas tropas norte-americanas. Mísseis lançados do Irã tendo como destino bases no Iraque.
Não sabemos se o míssil norte-americano causou danos colaterais ou danos indesejados e matou civis que estavam ao redor do ataque. Mas sabemos que um ou dois mísseis iranianos, mísseis terra-ar, foram lançados contra um avião comercial com 176 passageiros a bordo. O avião decolou do Aeroporto Internacional de Teerã e se dirigia para Kiev. Segundo as autoridades iranianas, “naquela situação muito delicada e de crise”, o avião estava perto de um centro militar dos Guardiões da Revolução com “uma altura e uma posição de voo de um objeto inimigo”. Considerando que poderia se tratar de uma resposta dos Estados Unidos ao ataque e levando em consideração “o aumento sem precedentes dos movimentos aéreos na região”, especialmente “os voos de guerra das forças estadunidenses em todo o país”, as Forças Armadas derrubaram o objeto.
Em resumo, ocorreu um erro nas baterias antiaéreas, que dispararam mísseis sem fechar o espaço aéreo para a aviação civil e lançaram mísseis em tudo aquilo que estivesse na mira. O presidente Rohani afirmou que o operador do sistema de defesa confundiu o dispositivo com “um míssil de cruzeiro” e que reagiu com outro míssil para destruí-lo.
Esta parece ser a maneira de fazer a guerra hoje. Podemos dizer que são guerras de “Low Cost”, guerra com o slogan “zero vítimas”, guerras nas quais os militares não vão morrer, mas os civis podem morrer. Seguindo o manual de comunicação de guerra, na Espanha e no mundo ocidental, podemos saber os erros que cometem os adversários, a quem matam por erro, mas não sabemos quem são as vítimas, nem quantas, que por erro das forças armadas norte-americanas ocorreram nesses ataques.
Com as novas armas dotadas de Inteligência Artificial, será necessário redefinir o que é guerra, o que é uma arma e o que resta da Convenção de Genebra, do Direito Internacional Humanitário e dos Direitos Humanos. O que não será necessário é redefinir o que é “vítima”, isso, sim, não muda.
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Guerras a distância. Guerras “Low cost” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU