29 Março 2016
Há anos, o filósofo polonês Zygmunt Bauman adverte contra o medo, o mais sinistro dos demônios aninhados nas cidades abertas em que vivemos. Os atentados de terça-feira passada em Bruxelas, assim como os de Paris, reúnem no abraço mortal do terrorismo aquela insegurança do presente e aquela incerteza do futuro que ele, o teórico da sociedade líquida, identificou no nosso DNA. Isso, sim, o assusta.
A reportagem é de Francesca Paci, publicada no jornal La Stampa, 26-03-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Repetimos que, em Bruxelas, foi atingido no coração da Europa: é isso, professor Bauman, ou se trata de propaganda jihadista que não devemos fomentar?
O "coração" que os terroristas tentam atingir é aquele onde abundam as telecâmeras, sempre sedentas por sensações novas e chocantes para garantir atenção máxima por alguns dias. Há um número dez maior de pessoas mortas em algum lugar entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio que não tem qualquer chance de obter a visibilidade dos ataques de Nova York, Madri, Londres, Paris ou Bruxelas. É nessas últimas cidades, ao contrário, que os rumores adquirem a força dos trovões. Custos mínimos – um bilhete de avião, uma kalashnikov, um explosivo caseiro, a vida de um punhado de desesperados – correspondem a horas intermináveis de espaço grátis na TV e picaretadas contra os valores democráticos por parte dos governos que deveriam protegê-los.
A nova geração de terroristas usa os benefícios da "sociedade líquida"?
É o princípio inspirador da sua estratégia desde o início: dispondo de recursos limitados, dedicaram-se a provocar o seu inimigo, teoricamente forte, mas, na realidade, extremamente vulnerável. Os terroristas aprenderam rapidamente a arte de apontar para cima e maximizar os lucros diminuindo as despesas – ou seja, utilizando o zelo míope com que o adversário entrou no jogo.
Os terroristas consideram a Europa como uma comunidade unida muito mais do que os europeus?
Por ironia do destino, os terroristas conseguem acertar golpes capazes de repercutir em toda a União Europeia. Poderíamos dizer que são o mais poderoso fator unificante entre os membros de uma União Europeia que, de outra forma, vê se desfazerem muitas das suas costuras. O medo, o desperdício de recursos cada vez maiores na construção de muros, o emprego de um número crescente de homens para a segurança e custosos gadgets para a espionagem na vã esperança de evitar o próximo atentado: tudo isso está ocorrendo não só nos lugares atingidos, mas também muito mais longe, nos países da Europa de "segunda velocidade" que o terrorismo não tem nenhuma intenção de atacar, tendo calculado sobriamente custos e benefícios.
Os terroristas não são estrangeiros. Eles cresceram nas cidades europeias: por que eles odeiam os europeus?
Ao contrário da infame afirmação de Victor Orban, para o qual "todos os terroristas são migrantes", quase todos os terroristas são "indígenas". Os espertos, astutos e ferozes conspiradores que inspiraram o terrorismo podem viver longe, em países estrangeiros, mas a sua mão de obra é recrutada entre os jovens discriminados, humilhados e vingativos que crescem em nosso meio, sem futuro. Mantê-los em condição de privação é uma forma de cooperar com o terrorismo: seguindo a lógica do olho por olho, ampliamos o campo que os líderes terroristas mostraram que sabem usar bem.
O Islã radical está preenchendo o vazio das ideologias do século XX?
Não podendo garantir aos seus correligionários vidas fantásticas, os fundamentalistas islâmicos lhes oferecem o melhor bálsamo alternativo à dignidade humana mortificada: uma morte repleta de sentido. Muitos (mas estes muitos são uma pequena minoria dos muçulmanos que vivem na Europa) cedem à tentação, não tendo outros caminhos para a dignidade humana.
Podemos realmente nos salvar multiplicando os muros?
Construir muros para manter os migrantes fora dos nossos quintais recorda a história do antigo filósofo Diógenes, que rolava para a frente e para trás no barril em que vivia nas ruas da nativa Sinope. À pergunta sobre o porquê do seu estranho comportamento, ele respondeu que, vendo os vizinhos ocupados em blindar as portas e em desembainhar as espadas, ele esperava fazer a sua contribuição para a defesa da cidade contra o avanço das tropas de Alexandre da Macedônia.
O senhor está preocupado com a civilização ocidental?
A única mas grave razão para estar preocupado é a felizmente pequena possibilidade de que a Europa abandone os seus valores e se curve ao código de conduta dos terroristas. Seria o suicídio da casa da moralidade e da beleza, onde nasceu a ideia de liberdade, igualdade e fraternidade.
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"Se cedermos ao medo, a democracia morrerá." Entrevista com Zygmunt Bauman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU