13 Janeiro 2015
A tentação do Jihad golpeou milhares de jovens europeus. Por que trabalham arriscando suas vidas e de outras pessoas? Talvez são muito jovens, por vezes convertidos, por vezes de famílias muçulmanas, do campo ou da cidade, provenientes de ambientes com dificuldades ou de classe média, entre eles também meninas, casais com filhos... Os europeus estão espantados com as descobertas feitas pela mídia, semana após semana, a nova face dos seus filhos que, em centenas ou até mesmo aos milhares, partem para a Síria para se alistar nos campos de insurreição do Jihad – ou colocam à prova essa tentação.
A reportagem é de Cécile Chambraud, publicada pelo jornal Le Monde, 10-01-2015. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
“As nossas capacidades têm chegado aos seus limites”, se assustou recentemente o procurador geral alemão, Harald Range, frente ao número de questões abertas. Na França, os serviços do Estado confirmam que aproximadamente 1000 pessoas partiram ou voltaram à “guerra santa”. O que significa essa obsessão a se somar aos combatentes dos quais a maior parte da opinião pública lembra somente cabeças cortadas, reféns executados e comunidades inteiras martirizadas? Como entender o que convence os jovens, considerados inseridos na sociedade, a arriscar sua vida – e com o desejo de morrer – por uma causa que, por vezes, de nada parecia os predestinar? Como interpretar a velocidade com a qual esses jovens parecem se decidir, como testemunham os pais consternados e impotentes?
São os convertidos à religião muçulmana que, segundo o pesquisador Olivier Roy, professor do Instituto Universitário Europeu de Firenze, dão uma primeira “chave de compreensão” do fenômeno. “O seu alto percentual (entre 20-30%) mostra que não se trata da radicalização de uma parte da população muçulmana”, observa. É algo constante há 15 anos. O mesmo percentual existia na gang de Roubaix, composta na sua maioria por ex-membros de milícias que defendiam a causa muçulmana durante a guerra da Bósnia, na metade dos anos 90.
“O fenômeno supera amplamente as comunidades muçulmanas”, aprova o sociólogo Farhad Khosrokhavar, autor de um livro intitulado Radicalisation (editora Maison des sciences de l’homme, 2014). “Há um ano e meio, é muito mais global. Agora atinge a faixa entre os 15 e 17 anos, a classe média”. “Daech – analisa Olivier Roy – não é a expressão de uma cultura tradicionalmente muçulmana. Os seus membros colocam-se como únicos detentores do saber, como únicos verdadeiros muçulmanos, e consideram todos os outros como sendo hereges”.
A atração do crescimento Sírio
Como explicar essa onda de alistamentos? Para Olivier Roy, estes jovens estariam ligados a um “movimento geracional”, marcado por uma forma de niilismo. “Na mensagem que alguns deixam, dizem: ‘eu tinha uma vida vazia, sem objetivos’. A vida, como a experimentam na sua família ‘não vale a pena ser vivida’. A minha geração escolhia a extrema esquerda, eles o Jihad, porque é aquilo que é oferecido”.
Para entender este comprometimento de gerações é preciso voltar à origem, ou seja, à revolução síria contra o regime de Bachar Al-Assad. Porque se esquece de que antes daquele momento chave, como explica Samir Amghar, pesquisador da Universidade de Québec a Chicoutimi, “existiu uma fase de declínio do Jihad”. A morte de Osama Bin Laden, a prisão de diversas figuras, a reinserção de outras por parte dos regimes do Golfo se uniam para enfraquecer o movimento. “A primavera árabe deu-os uma segunda vida, resume o pesquisador, em particular com a liberação de diversos membros do Jihad aprisionados, como na Tunísia e na Líbia. E a Síria veio a fornecer uma zona de conflito, uma nova utopia”.
A mudança, confirma Mohamed-Ali Adraoui, autor de um trabalho intitulado Du Golfe aux banlieues, le salafisme mondialisé (Do Golfo à periferia, o salafismo globalizado, editora PUF 2013) precedeu a assunção do Estado Islâmico (EI). “Muitos partiram para o combate contra Assad. É a chave que convenceu um bom número”. O fato de que os ocidentais houvessem renunciado a intervir militarmente contra o regime de Bachar Al-Assad no verão de 2013, depois que havia sido feito o uso de armas químicas, pode ter reforçado a revolta contra o sentimento de abandono da oposição síria. “Sobre isso não existiu uma só autocrítica” entre os ocidentais, ressalta Jean Pierre Filiu, professor de Ciências Políticas em Paris. “Há alguns meses, na França, todos estavam de acordo com a necessidade de derrubar Assad, cita Olivier Roy. Eles buscam fazê-lo hoje”.
Para descrever o que constitui um grande atrativo ao crescimento sírio, ao ponto que determinadas pessoas estavam prontas a abandonar tudo para ir, Mohamed Ali Adraoui faz um paralelo, a primeira vista audaz, com a capacidade de mobilização de uma organização não governamental. Uma ONG “funciona com a globalização e com a utopia, explica. Quando chega de qualquer lugar uma catástrofe, pessoas armadas com espírito de solidariedade entram em cena”.
Essa catástrofe é o conflito sírio, com suas imagens de crianças mortas, de civis tidos como alvos ou aprisionados com armas químicas. Entre as motivações daqueles que partiram nestes últimos meses, afirma também Farhad Khosrokhavar, “existe uma reinterpretação do humano. Boa parte deles não estão no Jihad como estava Mohammed Merah. Existia uma mistura entre o humano e o neo-comunitário. São pré-Jihad. Uma vez inseridos, com a doutrinação, podem se transformar”. A facilidade de acesso aos cenários de guerra contribui também para fazer do fenômeno uma onda sem precedentes, segundo Jean-Pierre Filiu. “Parte-se de manhã de Paris, chega-se à noite”.
Depois da primeira guerra do Afeganistão até a Síria e o Iraque atuais, passando pela Chechênia, Bósnia, Caxemira, as pessoas de origem não muçulmana se envolveram nos conflitos. “A condição de que os cenários de guerra sejam acessíveis, modera Mohamed-Ali Adraoui. Não é assim, por exemplo, para a Palestina e para a China, países onde o Jihad permanece endógeno”. A Argélia dos anos 90, cenário de uma batalha sanguinária entre o Estado e o povo islâmico, representa também um contraexemplo instrutivo. Não bastassem as ligações entre esses países e a Europa, em particular a França, aquele conflito não queria um efeito sobre os jovens europeus. O fato é que contrariamente ao drama sírio, não se inseria no contexto de esperança coletiva das revoluções árabes. O pesquisador discerne também uma dimensão propriamente europeia à tentação do Jihad. Antes de tudo porque muitos países do continente estão envolvidos igualmente, proporcionalmente, muito mais que os Estados Unidos.
“Existe um mal estar europeu. A nação, o coração da construção europeia, está em crise. A Europa não consegue mais dar um horizonte de esperança aos seus jovens”, é a sua análise. Autor de O apocalipse no Islamismo (Fayard, 2008), o histórico Jean-Pierre Filiu insiste na importância da dimensão apocalítica, associada ao território sobre o qual o Estado Islâmico estende a sua influência. O “Cham”, equivalente ao Levante com, ao centro, o contínuo sírio-iraquiano, é ligado à tradição muçulmana pelas profecias escatológicas sobre um fundo de batalha do fim dos tempos. Tais profecias estão no coração do discurso dos membros do Jihad e participam, aos olhos desses especialistas, à “sedução” exercida por este campo de batalha.
“Menos forte é a cultura muçulmana dos candidatos à membros da Jihad, mais isso tem influência”, ressalta Jean-Pierre Filiu. “Essa dimensão está ligada ao fascínio da violência à cultura do derrame de sangue que se encontra um pouco em todos os lugares, cita Olivier Roy. É um fenômeno profundamente moderno e geracional. A dimensão apocalíptica é a nossa cultura. Não se quer ver que o Daech é um produto da nossa modernidade”, afirma.
“Amadorismo” e “dramatização”
Esse universo se faz conhecer através de certos documentos, em particular dos vídeos, colocados à disposição dos candidatos a membro da Jihad na internet. Dounia Bouzar e o Centro de prevenção contra rupturas sectárias ligadas ao islamismo estudam há meses aquilo que os jovens que desejam se lançar acessam na internet. A pesquisadora percebe uma recente sofisticação da propaganda jihadista, que agora apresenta “ofertas individualizadas” para que imerja nos diferentes “universos de referência” destes jovens. Alguns colocam no primeiro plano dos “valores humanistas” e altruístas, outros referem-se ao universo dos jogos de vídeo-game (em particular Assassin’s Creed), outros insistem sobre a “comunidade de substituição” que os jovens que cansam de procurar seu espaço buscam se empenhar.
“No início, cita Dounia Bouzar, são captados na internet por coisas que certas vezes não têm referência alguma com o islamismo, em particular com as teorias da conspiração, dos relatos de manipulações ...”. O pesquisador descreve ainda detalhadamente no seu trabalho “as técnicas das rupturas sectárias” utilizadas pelos “recrutadores” na internet: isolamento, pois romper com pessoas próximas, despersonificação, teorias da conspiração. Essa aproximação vem porém criticada por alguns. A terioa da influência sectária “é uma rejeição a ser entendida, segundo Olivier Roy. Significa negar a qualquer pessoa a razão de suas ações. Esses jovens querem fazer determinadas coisas. São eles que vão buscar no sites”. A internet seria então o primeiro agente recrutador do Jihad? Samir Amghar duvida: “a internet é um local de socialização, de alfabetização jihadista. Mas não é a internet que incita a tomar esse caminho. É, infelizmente, um companheiro, um encontro, um líder carismático”.
A web e as redes sociais, por sua vez, servem profundamente para uma outra dimensão do comprometimento destes jovens que querem construir a si próprios. Dessa forma, aqueles que partem fazem, por vezes, participar os internautas no seu caminho inserindo fotos e vídeos de todas as etapas. Se mostram com um rifle, uma bandeira preta, mesmo se jamais estiveram em combate. “A pessoa se transforma – resume Jean-Pierre Filiu. Se transforma em cavaleiro. Maxime Hauchard – um francês que aparece no vídeos das decapitações – se transforma em Abu Abdallah Al-Faransi, carrega explosivos, armas. Até a transformação física é impressionante. Acabam por parecer com Al-Baghdadi”, o chefe do Estado Islâmico.
O “amadorismo” desses novos recrutas vai acompanhando com a “dramatização” do seu comprometimento, segundo Samir Anghar. “É a estética do islamismo. Não se vai para a Síria para combater Assad tanto quanto para mostrar que são capazes de partir. É um alistamento. Esses jovens são o produto de uma sociedade ocidental onde a imagem é central e onde é difícil viver no anonimato. Mesmo sem muito talento pode-se transformar em estrela”. E brincar com a morte.
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