03 Abril 2019
Foi publicada nesta terça-feira a Exortação Apostólica pós-sinodal do Papa Francisco Christus Vivit, que apresenta, comenta e aprofunda os conteúdos da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, realizada em outubro de 2018 sobre o tema "Jovens, fé e discernimento vocacional".
Publicamos abaixo um Guia para a leitura da Exortação (ler o texto integral do documento aqui), completado por algumas linhas de reflexão e ação para continuar o caminho.
O texto é assinado por Rossano Sala, padre salesiano, professor de Teologia Pastoral na Pontifícia Universidade Salesiana de Roma, e Giacomo Costa, padre jesuíta, diretor da revista Aggiornamenti Sociali, Secretários Especiais do Sínodo.
O artigo é publicado por Aggiornamenti Sociali, 02-04-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
No último dia 25 de março, o Papa Francisco deixou o Vaticano para uma breve visita a Loreto: dentro da Casa Santa - um lugar extremamente simbólico - ele assinou a Exortação Apostólica pós-sinodal Christus vivit. Dirigido aos jovens cristãos de todo o mundo e a todo o povo de Deus (ver CV 3), este documento representa mais um passo no caminho, iniciado em outubro de 2016, com o qual a Igreja vem se questionando sobre o tema "Jovens, fé e discernimento vocacional". Um longo caminho preparatório, que solicitou a contribuição de todas as Conferências Episcopais do mundo e ofereceu várias oportunidades para ouvir diretamente a voz dos jovens, conduziu, em outubro de 2018, à celebração da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Esta concluiu seus trabalhos com a aprovação de um DF, apresentado ao Pontífice e divulgado em vista à fase de implementação que envolverá todas as Igrejas particulares.
Numa Igreja que considera o ato de "fazer sínodo" ou, em palavras mais acessíveis, "caminhar juntos" o seu próprio símbolo de identidade, o texto coloca-se expressamente em continuação com todos os passos precedentes do percurso sinodal e abre o caminho para realizar novos avanços.
Em particular, pode ser entendida como uma releitura ponderada e dialógica, de especial significado por sua autoridade, do Documento Final e do trabalho da Assembleia da qual o Papa Francisco participou pessoalmente.
Isto é claramente afirmado desde o começo, remetendo ao conjunto do DF, que é então assumido além das várias passagens citadas textualmente e daquelas, bem mais numerosas, das quais percebe-se um eco e um reproposição na Christus Vivit (CV):
"Deixei-me inspirar pela riqueza das reflexões e diálogos do Sínodo do ano passado. Aqui não poderei recolher todas as contribuições – podereis lê-las no Documento Final –, mas procurei assumir, na redação desta carta, as propostas que me pareceram mais significativas. Assim, a minha palavra será enriquecida por milhares de vozes de crentes de todo o mundo, que fizeram chegar ao Sínodo as suas opiniões. Mesmo os jovens não crentes, que quiseram participar com as suas reflexões, propuseram questões que fizeram nascer em mim novos interrogativos". (CV 4).
A tudo isso, o Papa Francisco também combina os estímulos de numerosas Conferências Episcopais de todo o mundo e alguns toques mais pessoais, que remetem à América Latina e a figuras da Companhia de Jesus, como Pedro Arrupe e Alberto Hurtado. Nas páginas seguintes, vamos oferecer uma primeira apresentação do conteúdo da CV.
A CV começa expressando a intenção de abrir um diálogo com os jovens e dentro dela alterna passagens em que se dirige diretamente ao leitor e outras de discurso indireto. O Papa Francisco não separa os jovens do resto da Igreja, mas através deles pretende dirigir-se a todos os cristãos. Como a Assembleia do Sínodo tinha enfatizado com força, os jovens são protagonistas do nosso tempo e membros ativos da Igreja, não objeto de discursos que recaem sobre eles vindos de cima. As relações entre as gerações são, portanto, fundamentais, partindo de uma profecia de Joel e do trabalho da Assembleia do Sínodo (ver CV 192-201):
"Na profecia de Joel, encontramos um anúncio que nos permite entender isto duma maneira admirável. Diz assim: “Depois disto, derramarei o meu espírito sobre toda a humanidade. Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões” (Jl 3, 1; cf. At 2, 17). Se os jovens e os idosos se abrirem ao Espírito Santo, juntos produzem uma combinação maravilhosa: os idosos sonham e os jovens têm visões. Como se completam reciprocamente as duas coisas?" (CV 192).
De acordo com as modalidades expressivas e comunicativas típicas de nosso mundo, o texto da CV não se apresenta como um percurso estruturado, declarado no início e depois realizado de maneira geométrica, mas alterna gêneros e modos de diálogo e argumentação.
Ao lê-lo, questionamo-nos se o formato textual clássico escolhido para sua apresentação não estaria restringindo-o e se a mensagem não resultaria facilitada pelo recurso às tecnologias da comunicação multimídia hoje disponíveis, que permitem articular uma pluralidade de linguagens, incluindo imagens e vídeos, e permitem ao usuário mover-se até mesmo ao longo de trajetórias não lineares graças à rede de links.
Trata-se de potencialidades comunicativas que o magistério da Igreja não usou até agora, mas que seria bom começar a explorar para poder alcançar com maior eficácia gerações cada vez mais numerosas que crescem em uma cultura multimídia e não apenas na da palavra escrita.
Em todo caso, é um texto "poliédrico", que articula uma pluralidade de abordagens e de percursos dentro dele.
No entanto, uma segunda leitura permite que aflore uma estrutura, que permanece delicadamente subjacente e não se impõe, mas na qual o leitor pode se apoiar. Os nove capítulos que compõem o texto podem ser agrupados de três em três. Parece legítimo reconhecer nestes três blocos a divisão dos passos do processo de discernimento - reconhecer, interpretar, escolher - sobre os quais havia se articulado o trabalho da Assembleia sinodal e que serve de estrutura de sustentação do DF, com o qual a CV se coloca constantemente em diálogo.
O primeiro bloco (cap. 1 a 3) retoma o trabalho de escuta da realidade à qual a Assembleia sinodal tinha se dedicado a partir dos materiais preparatórios para um discernimento compartilhado. O objetivo é começar deixando espaço ao que emerge quando a Palavra de Deus encontra os jovens e interage com as relações que eles tecem entre si, dentro das famílias, das comunidades e das sociedades. Só assim os eventos poderão desdobrar seu significado e oferecerão estímulos para um discernimento que visa reconhecer a vontade de Deus não no abstrato, mas na concretude da história e até da vida cotidiana.
O ponto de partida é, portanto, a Palavra de Deus e, em particular, os muitos encontros de jovens com o Senhor que ela narra (cap. 1). Contudo, não é apenas nas narrativas das Escrituras que Jesus encontra os jovens; ele é Palavra viva, Aquele que torna novas todas as coisas, o eternamente jovem (ver CV 13) pois "Ser jovem, mais do que uma idade, é um estado do coração" (CV 34).
O segundo capítulo entrelaça esta Palavra com as nossas vidas: em todas as épocas, incluindo a nossa, é justamente o encontro com Jesus que ilumina a vida dos jovens e de toda a Igreja, chamada a renovar-se continuamente para voltar ao "seu primeiro amor" (CV 34) e assim conseguir entrar em contato com os jovens em uma época em que muitos "não a consideram significativa para a sua existência" e lhe pedem, aliás, que os deixe em paz (ver CV 40, que retoma tanto DF 53, como IL 66).
Entre outras coisas, são precisamente os jovens que podem "evangelizar" e ajudar a manter-se jovem, a não cair na corrupção, a não se transformar em seita, a ser uma testemunha autenticamente pobre e humilde:
São precisamente os jovens que a podem ajudar a permanecer jovem, não cair na corrupção, não parar, não se orgulhar, não se transformar numa seita, ser mais pobre e testemunhal, estar perto dos últimos e descartados, lutar pela justiça, deixar-se interpelar com humildade (CV 37).
A juventude de Jesus e a perene novidade do Evangelho manifestam-se vigorosamente na vida de Maria e na dos muitos jovens capazes de alcançar a santidade; são assim recordados jovens santos que viveram em todas as épocas da história, em todos os continentes e em todas as culturas.
Somente neste ponto estamos prontos para rever a situação dos jovens no mundo contemporâneo (cap. 3): quanto mais o olhar é animado pela confiança e pela esperança, mais ele pode permitir-se deixar que as sombras e as dificuldades também apareçam. O objetivo do capítulo é evitar o risco de pensar nos jovens de maneira abstrata ou estereotipada (positiva ou negativa), para colocar no centro da atenção a sua vida real (CV 71), a partir da enorme variedade das condições em que eles se encontram:
A juventude não é algo que se possa analisar de forma abstrata. Na realidade, “a juventude” não existe; o que há são jovens com as suas vidas concretas. No mundo atual, cheio de progresso, muitas destas vidas estão sujeitas ao sofrimento e à manipulação (CV 71).
Além disso, foi justamente a Assembleia do Sínodo que indicou como particularmente apropriada para o nosso mundo, a possibilidade que algumas línguas têm de falar de "juventude" no plural (ver DF 10 e CV 68). Do DF, a exortação retoma, quase ao pé da letra, a abordagem de três situações que se colocam como emblemas da condição dos jovens (e não apenas) no mundo de hoje.
A primeira é a crescente penetração do ambiente digital, com todas as suas potencialidades como oportunidade de encontro e diálogo, mas também as suas sombras e seus riscos de manipulação e exploração (CV 86-90).
A segunda é a condição dos migrantes, autêntico paradigma do nosso tempo e da condição dos crentes, que a Carta aos Hebreus define como "estrangeiros e peregrinos" (CV 91-94). A terceira questão abordada é a emergência dos abusos, com respeito aos quais é reiterado, também com base no Encontro sobre "A proteção dos menores na Igreja" (21-24 de fevereiro de 2019), a necessidade de transparência, a impossibilidade de retroceder em matéria de medidas de prevenção e na solicitação de que os jovens colaborem para transformar essa crise em uma oportunidade de autêntica reforma da Igreja (CV 95-102).
Embora com foco em analisar a realidade sociocultural, a intenção desta primeira seção permanece profundamente espiritual: o objetivo não é acumular dados, mas apelar à capacidade de chorar, isto é, à disponibilidade dos cristãos, da Igreja e da sociedade de sentir em relação aos jovens, especialmente aqueles que sofrem violências e injustiças, sentimentos de autêntica maternidade (CV 75-76). Igualmente espiritual é a conclusão do terceiro capítulo, que convida a ter esperança: os jovens – é apresentado o exemplo do servo de Deus Carlo Acutis (CV 104-106) - têm os recursos da criatividade para habitar o nosso mundo sem se deixarem esmagar pelas suas contradições e a elas o Papa Francisco apela. Cabe às Igrejas locais aprofundar a análise do mundo juvenil de cada território, para preparar as linhas pastorais mais adequadas (CV 103).
O segundo bloco de três capítulos representa o coração e o fulcro de toda a exortação, que também justifica seu título. Para cada jovem, nas circunstâncias concretas em que se encontra, a Igreja não tem mais nada a oferecer senão o encontro com aquele Deus vivo que ela continua a experimentar como amor, como salvação e como fonte de vida, sabendo que será este encontro a desdobrar novas possibilidades de orientação para a vida de cada um, isto é, tornar-se chamado e vocação.
O objetivo dos três capítulos é fazer emergir - este é o coração de um verdadeiro e próprio caminho de discernimento - qual é o dinamismo que coloca em movimento uma resposta autêntica ao desejo de vida que a juventude traz consigo e que o Senhor não quer apagar, ou ao contrário, o que é um engano que manipula e escraviza.
No quarto capítulo, o Papa Francisco começa direcionando diretamente, na segunda pessoa, a cada jovem o anúncio que vem da fé: Deus te ama; Jesus Cristo te salva, está vivo e quer que tu vivas; Ele está sempre contigo e não te abandona! Ao dar corpo com simplicidade e profundidade a essas frases, ele mostra na prática o que significa pôr em prática o n. 133 do DF, que reiterava a centralidade do "anúncio de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, que nos revelou o Pai e doou o Espírito" como um dom irrenunciável a ser oferecido aos jovens e como isso também seja intrinsecamente também um chamado que sacode e convida a colocar em jogo a própria liberdade.
Esse apelo apaixonado para entrar numa autêntica relação de salvação e de amizade oferece a perspectiva dentro da qual considerar os itinerários dos jovens e as decisões que são chamados a tomar, desde aquelas ligadas ao compromisso profissional, social e político, até as que dizem respeito. a configuração geral da existência (cap. 5):
Como se vive a juventude, quando nos deixamos iluminar e transformar pelo grande anúncio do Evangelho? Trata-se duma pergunta importante que nos devemos colocar, pois a juventude não é motivo de que possamos vangloriar-nos, mas um dom de Deus: “Ser jovem é uma graça, uma ventura”. É um dom que podemos malbaratar inutilmente ou recebê-lo agradecidos e vivê-lo em plenitude (CV 134).
Reaparecem nessa página expressões caras ao papa Francisco e às quais recorre com frequência quando se dirige aos jovens: a importância de ousar arriscar, de agir mesmo à custa de cometer erros, em vez de ficar na sacada ou no sofá. Os jovens que têm em mente o Papa Francisco são aqueles capazes de sair às ruas para pedir um mundo mais justo, tornando-se protagonistas da mudança:
"Os jovens nas ruas; são jovens que querem ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixeis para outros o ser protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós, entra o futuro no mundo. Também a vós, eu peço para serdes protagonistas desta mudança. Continuai a vencer a apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias partes do mundo. Peço-vos para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor" (CV 174).
No entanto, este convite exige que os jovens não caiam em uma armadilha que o mundo lhes propõe: cortar os laços com as próprias raízes e a experiência daqueles que os precederam (cap. 6). Isso os tornaria mais fracos, mais expostos à massificação e à manipulação.
Por isso, a proposta do Papa Francisco é aquela da complementaridade e do diálogo entre gerações, projetando a experiência dos Padres Sinodais para um nível universal: "neste Sínodo experimentamos que a corresponsabilidade vivida com os jovens cristãos é fonte de profunda alegria também para os bispos. Nesta experiência reconhecemos um fruto do Espírito que renova continuamente a Igreja" (DF 119).
O convite a arriscar é então dirigido não apenas aos jovens, mas a todas as gerações juntas. A perspectiva "sinodal" reaflora com força e determinação: somente se jovens e idosos caminham juntos podem criar raízes no presente e, a partir deste, voltar-se para o passado para curar suas feridas e projetar-se no futuro. A imagem é aquela fornecida durante o Sínodo por um jovem das Ilhas Samoa: a Igreja como canoa viajando no oceano, que pode alcançar a meta somente se os anciãos, que conhecem as estrelas, mantêm o curso, e os jovens, com o seu vigor, empurram os remos (ver CV 201).
O bloco formado pelos três últimos capítulos busca identificar as perspectivas de implementação do que foi focado anteriormente: tanto os jovens quanto as comunidades eclesiais são chamados a escolhas concretas.
O cap. 7 é apresentado como particularmente denso: pode ser melhor compreendido a partir dos materiais do processo sinodal, aos quais remete explicitamente, mesmo que em alguns casos apenas através de simples acenos. O desafio de "arriscar juntos", formulado na conclusão da parte precedente, é retomado e transformado na necessidade de uma pastoral estruturalmente sinodal, fundada na valorização dos carismas que o Espírito concede a cada um e numa dinâmica de corresponsabilidade.
A pastoral juvenil só pode ser sinodal, ou seja, capaz de dar forma a um “caminhar juntos” que implica “a valorização – através dum dinamismo de corresponsabilidade – dos carismas que o Espírito dá a cada um dos membros [da Igreja], de acordo com a respectiva vocação e missão. (…) Animados por este espírito, poderemos avançar para uma Igreja participativa e corresponsável, capaz de valorizar a riqueza da variedade que a compõe, acolhendo com gratidão também a contribuição dos fiéis leigos, incluindo jovens e mulheres, a da vida consagrada feminina e masculina e a de grupos, associações e movimentos. Ninguém deve ser colocado nem deixado colocar-se de lado” (CV 206).
Para a Igreja trata-se de um verdadeiro caminho de conversão, que a tornará mais acolhedora e participativa, podendo assim evangelizar graças à força das relações de que é tecida. Em uma Igreja não mais monolítica, mas poliédrica (ver CV 207), espaços de protagonismo se abrirão para os jovens e também para as mulheres, a cuja condição CV dedica palavras de inequívoca clareza, quando, no n. 42, tinha reconhecido a legitimidade das reivindicações de igualdade e o legado histórico de formas de dominação masculinas.
A capacidade de inclusão é a chave da proposta pastoral apresentada neste capítulo e insiste sobre a obsessão em transmitir as verdades doutrinárias (ver CV 212). As comunidades cristãs são convidadas a oferecer espaços de acolhimento sem muitas barreiras, e às escolas católicas pede-se que não se tornem bunkers em defesa dos erros da cultura externa, impermeáveis à mudança (ver CV 221).
Os parágrafos dedicados ao "pastoral juvenil popular" (CV 230-238) são especialmente estimulantes: partem do reconhecimento de que os lugares tradicionais da pastoral (igrejas, centros de juventude, escolas, associações, movimentos) são capazes de ir ao encontro das exigências de uma determinada parte do mundo juvenil, mas inevitavelmente excluem outras. Aqueles que professam outras crenças ou se declaram não-religiosos, e aqueles que por muitas razões são marcados por dúvidas, traumas ou erros, teriam dificuldade para se integrar na pastoral ordinária, mas não por isso têm menos necessidade de encontrar portas abertas e de serem apoiados para realizar o bem possível.
Os dois últimos capítulos abordam os temas da vocação e do discernimento de maneira concreta e mais explícita, com base no título da Assembleia sinodal. O cap. 8 apresenta a vocação em seu significado fundamental de chamado à amizade com Jesus e de participação da obra de criação e redenção de Deus, que se realiza no serviço aos outros (CV 253-258). Precisamente o serviço aos outros é o horizonte dentro do qual colocar as duas questões que mobilizam a maioria dos jovens.
A primeira é a do amor e a formação de uma nova família (CV 259-267), em que explicitamente se remete à exortação apostólica pós-sinodal anterior Amoris laetitia, sem esconder a beleza e a dificuldade da perspectiva conjugal e acrescentando, com base nos trabalhos sinodais, também algumas palavras dedicadas aos solteiros. Sempre da Amoris laetitia, também é reafirmada a concepção da sexualidade como um autêntico dom de Deus e não como tabu, uma experiência de amor e geração (cf. CV 261). O segundo âmbito em que o significado vocacional é fortemente enfatizado é o do trabalho (CV 268-273). É por isso que o desemprego e as várias formas de exploração representam uma ameaça para a sociedade e uma emergência na qual a política tem o dever de intervir. Com relação ao tema das vocações sacerdotais e religiosas, o convite dirigido aos idosos é de ousar propô-las como possibilidade; aquele para os jovens é de não descartar a eventualidade a priori, mantendo-se livres e atentos à voz do Espírito.
Para o tema específico do discernimento vocacional, ou seja, a capacidade de reconhecer para o que o Senhor chama cada um, é dedicado o cap. 9. Dirigindo-se diretamente aos jovens, o Papa Francisco lembra que se trata de um caminho exigente que requer disposição para assumir um risco: só assim será possível identificar aquilo pelo qual vale a pena colocar a própria vida sem se contentar em avaliar perspectivas de carreira ou ganhos. Trata-se, de fato, de passar para a dimensão do dom, recebido e retribuído, e para a liberdade que disso decorre. Justamente dessa gratuidade são chamados a serem testemunhas daqueles que acompanham os jovens em um processo de discernimento vocacional, com atenção para uma escuta profunda, levando a pessoa a sério, o que ela diz, e também valorizando seus impulsos vitais (ver CV 291-295). Os acompanhantes podem ser sacerdotes ou religiosos, bem como leigos, profissionais ou até mesmo outros jovens (ver CV 291): o importante é que saibam escutar, apresentar perguntas e suscitar processos sem pensar em determinar a trajetória que cada um, livremente, julgará ser chamado para seguir.
A pena apaixonada do Papa Francisco - que viveu todo o processo sinodal, compartilhou-o inteiramente e selou-o através do texto da CV - não conclui sua abordagem com um fechamento, mas como sempre de forma aberta e envolvente. Ele pede aos jovens que se manifestem, não se retraiam. Não teme forçá-los a serem os abre-alas da Igreja do terceiro milênio:
"Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi “atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós” (CV 299).
É outra maneira, desta vez mais pessoal e afetuosa, de repetir aos jovens o que lhes foi dito com a mesma paixão pelos Padres sinodais: ser como João que se antecipa a Pedro na sepultura e depois aguarda-o com paciência e respeito (ver 24 DF 66); ser como Madalena, "a primeira discípula missionária, a apóstola dos apóstolos" (DF 115); ser como os dois discípulos de Emaús, que escolhem regressar com entusiasmo ao coração da comunidade para partilhar a alegria do Evangelho.
Imagens de ressurreição, imagens do futuro, imagens que nos fazem sonhar, esperar, amar. E, acima de tudo, que nos colocam em movimento.
Após a envolvente leitura da CV, surge espontaneamente a pergunta prática, que, aliás, é também evangélica: "O que devemos fazer?" (Lc 3:10). É uma questão mais do que legítima, perguntar a si mesmo como prosseguir concretamente no caminho. É também uma questão que, diante do texto, também poderia nos colocar em dificuldades. Com efeito, a CV, embora extremamente rica em ideias, não contém as indicações operacionais que muitos esperavam para prosseguir o processo de implementação do Sínodo. É uma dinâmica que não deveria surpreender em um texto do Papa Francisco, que faz da renúncia em ministrar instruções a partir do alto e do convite a cada um para assumir sua própria parte de responsabilidade um emblema de seu ministério.
Em 10 de novembro de 2015, ele tinha se dirigido ao Congresso da Igreja italiana de Florença com palavras, sob vários aspectos, paradigmáticas: "Mas então o que devemos fazer, padre? - vocês diriam. O que o papa está nos pedindo? Cabe a vocês decidir: povo e pastores juntos. Hoje eu simplesmente vos convido a levantar a cabeça e contemplar mais uma vez o Ecce Homo que temos sobre nossas cabeças”. Na CV, o Papa Francisco convida-nos a contemplar o Cristo vivo que age na história e pede a nossa colaboração e a nossa sinergia com as jovens gerações para frequentar o futuro com elas. Em Florença, isso também tinha sido pedido aos jovens:
Lanço um apelo sobretudo “a vós, jovens, porque sois fortes”, dizia o Apóstolo João (cf. 1 Jo 1, 14). Jovens, superai a apatia. Que ninguém despreze a vossa juventude, mas aprendei a ser modelos no falar e no agir (cf. 1 Tm 4, 12). Peço-vos que sejais construtores da Itália, que vos coloqueis ao trabalho por uma Itália melhor. Por favor, não olheis da varanda da vida, mas comprometei-vos, imergi-vos no amplo diálogo social e político. As mãos da vossa fé se ergam ao céu, mas façam-no enquanto edificam uma cidade construída sobre relações nas quais o amor de Deus é o fundamento. E assim sereis livres para aceitar os desafios de hoje, para viver as mudanças e as transformações.
Está claro, portanto, que não estamos sendo solicitados a "aplicar" indicações magistrais vinculantes. O âmbito pastoral nunca é aplicativo, mas é sempre um espaço de discernimento, isto é, de fidelidade criativa. E em um período de mudança de época como o nosso, essa capacidade de imaginar juntos a renovação torna-se cada vez mais decisiva.
Aqui estão algumas ideias simples para continuar o caminho nessa direção. Sentimos a necessidade de chamar a atenção de todos os leitores sobre quatro dinâmicas.
A primeira coisa importante é não começar do zero toda vez, como se nada tivesse acontecido antes da CV. O Papa Francisco está muito atento ao fato que somos povo de Deus, que a vida da Igreja é uma verdadeira experiência de fraternidade, uma caravana de solidariedade, uma peregrinação sagrada, uma comunidade em caminho (ver Evangelii gaudium, n. 87 e CV 29). Todo o capítulo 6 da CV convida os jovens a não perderem suas raízes, a se reconhecerem como pequenos anões nos ombros de gigantes. Isso também se aplica à Igreja como um todo e também para o caminho que percorremos.
A sinodalidade indica essa capacidade de se inserir com respeito e humildade em um caminho de povo que começou antes de nós e continuará depois de nós. Por essas motivações tão importantes, é significativo escutar desde o início da CV a referência metodológica decisiva segundo a qual “deixei-me inspirar pela riqueza das reflexões e dos diálogos do Sínodo do ano passado. Não poderei recolher aqui todas as contribuições, que vocês poderão ler no Documento Final, mas procurei assumir, na redação desta carta, as propostas que me pareceram mais significativas" (CV 4). Também no que se refere especificamente à renovação da pastoral juvenil, no início do capítulo 7, o Papa Francisco nos oferece a seguinte reflexão:
"No Sínodo, surgiram muitas propostas concretas para renovar a pastoral juvenil e libertá-la de esquemas que já não são eficazes, porque não entram em diálogo com a cultura atual dos jovens. Como se compreende, não poderia reuni-las todas aqui; entretanto é possível encontrar algumas delas no Documento Final do Sínodo" (CV 208).
Na mesma linha, os Padres Sinodais consideraram oportuno criar uma conexão decisiva entre o Documento Final e o Instrumento de Trabalho, afirmando que
"É importante elucidar a relação entre o Instrumento de Trabalho e o Documento final. O primeiro é o quadro de referência unitário e sintético que sobressaiu depois de dois anos de escuta; o segundo é o fruto do discernimento realizado e contém os núcleos temáticos generativos, sobre os quais os Padres sinodais se concentraram com particular intensidade e paixão. Portanto, reconhecemos a diversidade e a complementaridade destes dois textos (DF 3)".
O que tudo isso significa para nós? Que um Documento produzido durante o caminho sinodal não é engolido, superado ou eliminado pelo seguinte, mas sim é enriquecido e aprofundado. O sucessivo se insere na sequência do anterior oferecendo-lhe luz, profundidade e amplitude. Trata-se de um organismo único que se desenvolve a partir de dentro e que, em todos as fases de seu crescimento, mostra algo específico que não podemos e não devemos perder, da mesma forma que ocorre na experiência humana (ver CV 160).
Se pensarmos apenas que o IL é o resultado da análise de uma escuta que produziu cerca de 20.000 páginas, não podemos facilmente relegá-lo atrás dos bastidores. Na realidade, na Aula sinodal foi apreciado por todos e retomado em muitas de suas partes, reconhecido como um quadro de referência atualizado e preciso.
Valeria a pena, pelo menos, tentar seguir a lista daqueles que são chamados em causa e as referências indicadas, partindo das propostas concretas que surgiram durante o Sínodo (e, portanto, através da reflexão dos Padres sinodais), reunidas no DF que seria impossível replicar aqui. Com um olhar atento, encontramos cerca de noventa entre recomendações, sugestões e propostas contidas no DF que dizem respeito a temas, estilos e âmbitos. Muitos outros estão presentes no Instrumento de Trabalho. Apenas algumas delas são retomadas e relançadas na CV, mas todas deveriam ser objeto de cuidadoso discernimento eclesial em vários níveis.
E assim passamos à segunda instância. Ou seja, para aquela do discernimento. Desde o início, no CV fala-se de "discernimento eclesial" (CV 3). E o último capítulo, o nono, é completamente dedicado a este tema. Portanto, é lógico pensar que seja um tema de grande interesse. Não apenas em nível pessoal, mas também do ponto de vista eclesial, vale a ideia de que "sem a sabedoria do discernimento, podemos nos transformar facilmente em marionetes à mercê das tendências da ocasião" (CV 279). A capacidade de discernimento nos torna pessoas diante de Deus, sujeitos ativos na Igreja e parte viva do mundo. E também é evidente que, tanto do ponto de vista pessoal como comunitário, "o discernimento se torna um instrumento de compromisso forte para seguir melhor o Senhor" (CV 295). O discernimento, se levado a sério, certamente liberta a Igreja de duas tentações tanto opostas quanto próximas:
"Peçamos ao Senhor que liberte a Igreja daqueles que querem envelhecê-la, ancorá-la ao passado, travá-la, torná-la imóvel. Peçamos também que a livre doutra tentação: acreditar que é jovem porque cede a tudo o que o mundo lhe oferece, acreditar que se renova porque esconde a sua mensagem e mimetiza-se com os outros" (CV 35).
No processo sinodal partimos da necessidade de ajudar os jovens no seu discernimento vocacional e aos poucos percebemos que a própria Igreja estava em certo sentido em "dívida de discernimento": não podendo discernir, a Igreja não tem a possibilidade de ajudar os jovens a fazê-lo. Entrar nas dinâmicas e no processo de discernimento tornou-se assim uma necessidade eclesial. Houve a exigência de compreender, aprofundar, esclarecer e praticar o discernimento na forma de um caminho compartilhado, que depois se tornou estilo sinodal. Como o Santo Padre nos disse em 3 de outubro de 2018,
"O discernimento não é um slogan publicitário, não é uma técnica organizativa, nem uma moda deste pontificado, mas um procedimento interior que se enraíza num ato de fé. O discernimento é o método e, simultaneamente, o objetivo que nos propomos: baseia-se na convicção de que Deus atua na história do mundo, nos acontecimentos da vida, nas pessoas que encontro e me falam. Por isso, somos chamados a colocar-nos à escuta daquilo que nos sugere o Espírito, segundo modalidades e direções muitas vezes imprevisíveis.
O "método de discernimento" orientou, portanto, o processo sinodal a partir de dentro. Era importante reconhecer que o "sujeito jovens" e o "sujeito Igreja" se encontravam na mesma situação: não apenas os jovens devem discernir para alcançar sua vocação, mas também a Igreja deve fazer isso para viver com sabedoria e prudência em nosso tempo. Por esta razão, as muitas indicações sobre o discernimento produzidas durante todo o caminho sinodal são, em certo sentido, "intercambiáveis": o que é dito para os jovens se aplica à Igreja e vice-versa.
É oportuno assinalar, sobre o tema do discernimento e do acompanhamento, a implicação mútua entre nível pessoal e nível comunitário. Disso aflorou a convicção que:
"O horizonte comunitário é suposto sempre em todo o discernimento, que nunca se pode reduzir à mera dimensão individual. Ao mesmo tempo, todo o discernimento pessoal interpela a comunidade, instando-a a colocar-se à escuta daquilo que o Espírito lhe sugere através da experiência espiritual dos seus membros: a própria Igreja, como cada crente, vive sempre em discernimento (DF 105).
No centro há a Igreja como casa e escola do acompanhamento e como ambiente adequado para o discernimento. A Igreja é chamada a resplendecer primeiro e acima de tudo como espaço e lugar de comunhão e só assim pode ser significativa para os jovens que a ela pertencem. O todo é teologicamente motivado, porque "tal serviço constitui simplesmente a continuação do modo como o Deus de Jesus Cristo age em relação ao seu povo: através duma presença constante e cordial, duma proximidade dedicada e amorosa e duma ternura sem limites” (DF 91).
Partindo do caminho sinodal em curso e da necessidade de nos imergirmos com convicção no ritmo do discernimento, entramos no espaço de responsabilidade que somos chamados a assumir. É evidente que a corresponsabilidade eclesial só pode acontecer a partir de uma consciência clara das próprias responsabilidades pessoais: nesse sentido, é preciso "dividir para poder unir", ou seja, entender o que somos chamados a fazer pessoalmente para poder fazê-lo juntos. A CV oferece a todos um apelo claro e direto à responsabilidade pessoal: de todo jovem e de todo crente. A forma coloquial da carta segue precisamente nessa direção precisa.
Vamos partir dos jovens. As indicações que surgem no capítulo 5 da CV são muito fortes e até entusiasmantes, pedindo para tornar efetivo o encontro com Cristo, de que se fala no capítulo 6. Se tal encontro é real, traz consigo consequências de amplo alcance para a vida de cada jovem:
"Como se vive a juventude, quando nos deixamos iluminar e transformar pelo grande anúncio do Evangelho? Trata-se duma pergunta importante que nos devemos colocar, pois a juventude não é motivo de que possamos vangloriar-nos, mas um dom de Deus: “ser jovem é uma graça, uma ventura”. É um dom que podemos malbaratar inutilmente ou recebê-lo agradecidos e vivê-lo em plenitude (CV 134).
O caminho indicado é o de não ceder diante dos próprios sonhos e ideais; alimentar o próprio desejo através do confronto com a vida real; entrar profundamente na amizade com Cristo; amadurecer escolhas de fraternidade, de compromisso político e social. Todos os jovens são convidados a se envolverem pessoalmente, sem ficarem paralisados pelo medo de errar, ou esmagados pelas pressões e manipulações dos interesses econômicos. Melhor uma queda saudável do que a imobilidade paralisante. Este é o caminho da alegria, porque "Deus ama a alegria dos jovens e os convida especialmente àquela alegria que é vivida em comunhão fraterna, àquela felicidade superior daqueles que sabem compartilhar, porque "há mais felicidade em dar do que em receber” (Atos 20,35) e "Deus ama quem dá com alegria!” (2 Cor 9,7)” (CV 167).
E aquele protagonismo que os jovens mostram desejar se transforma em um instrumento de ação pastoral e missionária, porque ninguém está mais apto a anunciar o Evangelho aos jovens do nosso tempo do que seus pares que já encontraram o Senhor, tanto que vocação e missão aqui se saldam de maneira frutífera:
"Quero encorajar-te a assumir este compromisso, porque sei que “o teu coração, coração jovem, quer construir um mundo melhor. Acompanho as notícias do mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes do mundo, saíram para as ruas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna. Os jovens nas ruas; são jovens que querem ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixeis para outros o ser protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós, entra o futuro no mundo. Também a vós, eu peço para serdes protagonistas desta mudança. Continuai a vencer a apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias partes do mundo. Peço-vos para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor. Queridos jovens, por favor, não ‘olheis da sacada’ a vida, entrai nela. Jesus não ficou na sacada, mergulhou… Não olheis da sacada a vida, mergulhai nela, como fez Jesus”. Mas sobretudo, duma forma ou doutra, lutai pelo bem comum, sede servidores dos pobres, sede protagonistas da revolução da caridade e do serviço, capazes de resistir às patologias do individualismo consumista e superficial" (CV 174).
Por outro lado, a vocação é sempre uma missão: nunca é a resposta para a pergunta "Quem sou eu?", mas um apelo muito mais radical para "Para quem sou eu?" (Ver CV 286 e DF 69). É a pergunta que caracteriza um jovem em saída que se abre para a vida, para o mundo, para os outros. Que não tem medo da realidade e busca sua vocação.
Por esta razão, não só a pastoral juvenil como um todo, mas toda a pastoral tem uma natureza vocacional e missionária. Se partirmos desses pressupostos, efetivamente "devemos pensar que toda a pastoral é vocacional, toda a formação é vocacional e toda a espiritualidade é vocacional." (CV 254). É uma afirmação repleta de consequências, que incorpora com grande potencialidade e incisividade as indicações presentes no IL 100 e 210, e, principalmente, no DF nos números 139 e 140. Juntos, diz-se com igual clareza que "a pastoral juvenil deve ser sempre uma pastoral missionária” (CV 240). Quando é verdadeiramente vocacional, a pastoral juvenil só pode se tornar missionária. E vice-versa: quando é verdadeiramente missionária, a pastoral juvenil só pode se tornar vocacional. Serviço generoso e discernimento vocacional se sustentam ou caem juntas!
A questão inicial a partir da qual começamos foi "O que devemos fazer?", mas, na realidade, essa pergunta aos poucos foi se modificando. A partir da concentração no trabalho organizacional, o percurso sinodal nos pede para verificarmos os nossos estilos relacionais e sobre a qualidade dos nossos caminhos comunitários. Somos solicitados a passar do fazer para o ser: a nova pergunta é "Quem somos chamados a ser?"
"Os Padres sinodais compreenderam claramente a necessidade desta mudança quando pensaram na centralidade da "sinodalidade missionária" como o coração da desejada renovação eclesial, porque estamos cientes de que não se trata unicamente de dar origem a novas atividades, nem queremos redigir “planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados” (Francisco, Evangelii gaudium, n. 96). Sabemos que, para ser credíveis, devemos realizar uma reforma da Igreja que implique a purificação do coração e mudanças de estilo de vida. A Igreja deve realmente deixar-se moldar pela Eucaristia, que celebra como ápice e fonte da sua vida: tomar a forma daquele pão, feito a partir de muitas espigas e partido para a vida do mundo. O fruto deste Sínodo, a opção que o Espírito nos inspirou através da escuta e do discernimento é caminhar com os jovens, indo ao encontro de todos para lhes testemunhar o amor de Deus. Podemos descrever este processo com a expressão sinodalidade para a missão, ou seja, sinodalidade missionária (DF 118)".
As comunidades locais e as Igrejas são frequentemente chamadas em causa, convidadas a dar vida aos processos sinodais que incluam os jovens. Mais do que manuais teóricos, são necessárias ocasiões em que colocar em ação a engenhosidade e as habilidades dos próprios jovens, ou seja, uma abordagem de baixo e não de cima, tendo o cuidado de recolher e compartilhar essas práticas de sucesso (ver CV 203-208). Também para as Igrejas este convite para confiar nos jovens contém um desafio - oferecer-lhes espaço - e requer a coragem de colocar em discussão o que sempre foi feito. Aqui também é uma questão de arriscar juntos, porque
"A pastoral juvenil só pode ser sinodal, ou seja, capaz de dar forma a um “caminhar juntos” que implica “a valorização – através dum dinamismo de corresponsabilidade – dos carismas que o Espírito dá a cada um dos membros [da Igreja], de acordo com a respectiva vocação e missão. (…) Animados por este espírito, poderemos avançar para uma Igreja participativa e corresponsável, capaz de valorizar a riqueza da variedade que a compõe, acolhendo com gratidão também a contribuição dos fiéis leigos, incluindo jovens e mulheres, a da vida consagrada feminina e masculina e a de grupos, associações e movimentos. Ninguém deve ser colocado nem deixado colocar-se de lado” (CV 206).
Existem, portanto, responsabilidades em vários níveis: todos os jovens, todos os crentes, a comunidade local, os movimentos e as congregações religiosas, cada diocese. Até mesmo às Conferências Episcopais e aos Dicastérios do Vaticano é requisitado de se colocar em um estado de conversão e renovação.
Em tudo isso, aqueles que têm responsabilidade e, portanto, autoridade na Igreja são chamados em causa. Por outro lado, como foi bem expresso em vários pontos do caminho sinodal, a autoridade da Igreja é geradora ou não: "No seu significado etimológico, auctoritas indica a capacidade de fazer crescer; expressa a ideia, não dum poder diretivo, mas duma autêntica força geradora" (DF 71). Por esta razão, "exercer a autoridade torna-se assumir a responsabilidade de um serviço para o desenvolvimento e a libertação da liberdade, não um controle que corta as asas e mantém as pessoas acorrentadas" (IL 141).
Sabemos que o desapontamento institucional é um dos traços que surgiram no caminho de escuta de preparação para o Sínodo. Nós até mesmo sabemos do fracasso da própria autoridade dos pastores no triste caso dos abusos, repetidamente mencionado durante a Assembleia sinodal. Agora, a autoridade da Igreja, em todos os seus níveis, defronta-se com uma possibilidade respeitável: a de tomar iniciativa, de convidar a todos para se envolverem, de abrir espaços para o confronto e para o protagonismo, de criar as condições para uma Igreja sinodal e solidária, caracterizada por um modo de viver e trabalhar juntos que seja verdadeiramente profético para si mesma e para o mundo.
Afinal, o Sínodo nos entregou exatamente isso: um modo de viver e trabalhar juntos, do qual não podemos prescindir. O Papa Francisco estava bem ciente disso no final da Assembleia sinodal, e expressou isso maravilhosamente no Angelus de 28 de outubro de 2018:
"Os frutos deste trabalho já estão “fermentando”, assim como o suco de uva nos barris após a colheita. O Sínodo da Juventude foi uma boa colheita e promete bom vinho. Mas gostaria de dizer que o primeiro fruto desta Assembleia Sinodal deve ser precisamente o exemplo do método, seguido desde a fase preparatória, de união entre os jovens e a Igreja. Um estilo sinodal que não tem como objetivo principal a elaboração de um documento, que também é valioso e útil. Mais do que o documento, no entanto, é importante que se espalhe um modo de ser e trabalhar juntos, jovens e idosos, na escuta e no discernimento, para alcançar escolhas pastorais que respondam à realidade.
Assim nos aproximamos do que podemos definir o horizonte final da proposta da CV, expresso através da recuperação de uma palavra tradicional como "êxtase", assumida em seu sentido original: o encontro com Deus produz êxtase não porque arranca o crente da realidade e da teia de relações em que está inserido, mas porque o impele a sair de si mesmo, superando seus próprios limites para que se deixe conquistar pela beleza do amor pelos outros e se consagre em busca de seu bem. Por isso, a cada jovem o Papa Francisco deseja: "Possas tu viver cada vez mais aquele ‘êxtase’ que consiste em sair de ti mesmo para buscares o bem dos outros, até dar a vida" (CV 163).
E depois ele explica cuidadosamente a questão:
Quando um encontro com Deus se chama “êxtase” é porque nos tira fora de nós mesmos e nos eleva, cativados pelo amor e a beleza de Deus. Mas podemos também ser levados a sair de nós mesmos para reconhecer a beleza escondida em cada ser humano, a sua dignidade, a sua grandeza como imagem de Deus e filho do Pai. O Espírito Santo quer impelir-nos a sair de nós mesmos, para abraçar os outros com o amor e procurar o seu bem. Por isso, é sempre melhor vivermos a fé juntos e expressar o nosso amor numa vida comunitária, partilhando com outros jovens o nosso afeto, o nosso tempo, a nossa fé e as nossas preocupações. A Igreja oferece muitos e variados espaços para viver a fé em comunidade, porque, juntos, tudo é mais fácil (CV 164).
No final, a pergunta que o Papa Francisco apresenta para cada jovem, para cada crente e à própria Igreja como um todo através da CV é provavelmente esta: "Você tem coragem de ousar esse êxtase?" A resposta tem muito a ver com a possibilidade de descobrir a própria vocação e viver a própria vida com plenitude.
Nota dos autores:
Este texto é parte da edição da Christus Vivit publicada pela Elledici, com uma introdução de Michele Falabretti, Diretor do Serviço Nacional de Pastoral Juvenil da Conferência Episcopal Italiana.
A versão portuguesa do documento pode ser lida aqui.
O documento será apresentado e debatido no próximo dia 8 de abril, 2a. feira, na Unisinos Campus São Leopoldo, às 19h30min.
Participarão do evento promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU:
- Davi Rodrigues da Silva, Secretário Nacional da Pastoral da Juventude - CNBB;
- Rocheli Koralewski, Secretária Diocesana da Pastoral da Juventude da Diocese de Erexim - RS e Multiplicadora da Campanha Nacional de Enfrentamento aos Ciclos de Violência contra a Mulher - CNBB;
- Wagner Fernandes de Azevedo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
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"Christus Vivit", comentário e guia de leitura da Exortação Apostólica pós-sinodal sobre os jovens - Instituto Humanitas Unisinos - IHU