24 Novembro 2018
“A sinodalidade é a forma dinâmica da Igreja. Todos os membros do povo de Deus devem estar envolvidos nessa corresponsabilidade.”
A opinião é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado na revista Vita Pastorale, de dezembro de 2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Sínodo recém-celebrado será lembrado, sobretudo, pelo modo como foi vivido: de 3 a 28 de outubro, mais de 250 bispos provenientes de todo o mundo se escutaram, mas também escutaram os jovens que souberam tomar a palavra e se fazer escutar. Foi uma assembleia que colocou em movimento aquela sinodalidade tão invocada pelo papa para toda a Igreja.
Convidado por Francisco para participar dos trabalhos, eu estive presente e fui ativo de acordo com as minhas competências e o meu papel de “auditor”. Confesso que, tratando-se da minha terceira participação em um sínodo (depois daquele sobre a palavra de Deus em 2009 e sobre a evangelização em 2012), eu pude medir a novidade desta terceira cúpula, das suas qualidades proféticas, mas também das suas fraquezas.
A imagem que fica impressa é a de uma Igreja que não quer nem recuar nem se sentir paralisada no presente, mas que quer caminhar na consciência de ser um corpo plural hoje mais do que nunca. Um corpo cujos membros vivem em áreas culturais e situações sociopolíticas diferentes, a ponto de se poder dizer que as realidades vividas pelos cristãos em algumas culturas não são “contemporâneas” às dos seus irmãos e irmãs de outras partes do mundo.
Em muitos aspectos, o Sínodo que terminou em Roma inicia verdadeira e concretamente nas Igrejas locais, e será justamente lá que se poderá medir se se tratou de um evento de virada ou de uma simples focalização da situação dos jovens no mundo.
Houve quem escrevesse que esse Sínodo foi inútil. Na verdade, tal julgamento não só é injusto e simplista demais, como também se conforma ao daqueles que nunca conseguem discernir no presente aquilo que prepara fatigantemente o futuro.
Acima de tudo, esse Sínodo desejado pelo Papa Francisco foi acompanhado por ele todos os dias. No início dos trabalhos, ele pediu aos Padres que falassem com liberdade, com parrésia, que se expressassem sem temer os possíveis conflitos, que interviessem com sinceridade e atenção à verdade a ser vivida na caridade, de modo a criar um debate, um diálogo em que aparecesse o grande primado da escuta.
Depois dessa exortação inicial, o papa sempre escutou tudo em silêncio, intervindo apenas duas ou três vezes com breves expressões que se inseriam na trama da discussão em curso. Além disso, as pausas de silêncio desejadas por Francisco a cada cinco intervenções na sala foram vividas por todos como um benéfico tempo de meditação das palavras ouvidas.
Ao contrário dos Sínodos anteriores, neste houve uma “ordo” na discussão: as intervenções se sucediam sobre pontos específicos do Instrumentum laboris, favorecendo, assim, uma focalização mais adequada sobre os temas individuais pouco a pouco em discussão. Precisamente a partir das intervenções dos Padres, surgiu com evidência a diversidade, a pluralidade e a complexidade das situações juvenis.
Tomou-se consciência de uma evidência muitas vezes omitida: um jovem de Berlim ou de Milão é diferente de um coetâneo de Kinshasa ou de Manila. Não só os jovens são diferentes, mas ainda mais os seus mundos: há jovens que fogem das guerras, outros que sofrem a miséria e a fome, outros que são perseguidos por serem cristãos, outros ainda que migram de terra em terra, enquanto seus coetâneos do rico Ocidente vivem outra pobreza, não econômica, mas humana, e sofrem uma forte indiferença em relação à religião e, portanto, a Deus.
As primeiras palavras decisivas que uns sabem dizer são pão, paz, esperança de vida; os outros falam, acima de tudo, de sentido, significado da vida... Os Padres sinodais, que tinham escutado os jovens nas suas Igrejas, se tornaram seus porta-vozes.
A partir de tudo isso, que resposta surgiu? O documento final? Não só, eu diria, e não acima de tudo. Esse documento, entregue ao papa para que ele possa decidir sobre uma eventual exortação pós-sinodal, sofre de alguns limites: a falta de teólogos e biblistas entre os especialistas do Sínodo, a predominância de uma atenção pedagógica e propedêutica ao tema dos jovens, uma certa timidez onde se esperava não mais abertura muito menos uma mudança de doutrina, mas sim uma “revelação” no sentido bíblico de uma apresentação capaz de “levantar o véu” no anúncio cristão. Refiro-me sobretudo à sexualidade, à afetividade, às histórias de amor.
Talvez houve medo? Sim, porque havia se produzido uma fileira de tradicionalistas que mostravam que estavam prontos para atacar o documento final do Sínodo como incoerente com a tradição católica. E, depois da ofensiva contra a Amoris laetitia, muitos Padres preferiram se calar, esperando que, nas diversas Igrejas locais, se percorressem aqueles caminhos que, no Sínodo, não eram viáveis.
A incessante campanha “padrofóbica”, que investe contra um corpo eclesial inteiro por causa dos delitos de uma pequena minoria, inibiu, de fato, uma certa audácia e uma liberdade de investigar temas decisivos para as novas gerações. Muito mais e melhor poderia ter sido dito aos jovens sobre o problema da sexualidade, embora ele já tenha sido tratado com profunda sensibilidade pastoral na Amoris laetitia.
Quanto ao tema da presença da mulher na Igreja – uma “parte faltante” –, significativamente, ele foi focado com força apenas por alguns bispos norte-europeus. E que, de todos os modos, é uma temática em relação à qual a Igreja se encontra em um impasse. Continuam-se a fazer votos para que as mulheres estejam presentes não só na diaconia eclesial – onde estão em número predominante –, mas também nos percursos decisórios em todos os níveis: Igreja universal, diocese, paróquia... Mas não se iniciam procedimentos para a real viabilidade dessa presença.
Pediu-se também que, nos próximos sínodos, as religiosas possam ter direito a voto, como os seus coirmãos não presbíteros.
Seria preciso estudar as modalidades para que os fiéis leigos de ambos os sexos, qualificados e chamados ao Sínodo, também possam intervir com um voto. No entanto, por enquanto, a cúpula é um Sínodo de bispos: seria preciso uma nova compreensão do órgão sinodal.
Precisamente por isso, considero importante a terceira parte do documento final, dedicada à sinodalidade ou ao discernimento sinodal. Significativamente, as proposições dessa parte tiveram um elevado número de votos contrários, talvez porque “a forma sinodal da Igreja aqui proposta” surpreendeu a muitos Padres.
Mas esse Sínodo foi, acima de tudo, um evento vivido sinodalmente. E o espírito que o animou exigirá que se dê início a um processo a ser dilatado nas Igrejas locais.
“Igreja e Sínodo são sinônimos”, lembra Francisco. E a sinodalidade é a forma dinâmica da Igreja. Todos os membros do povo de Deus devem estar envolvidos nessa corresponsabilidade. É claro, sob a orientação dos pastores e na escuta dos doutores (teólogos) e dos profetas, mas todos devem poder participar como protagonistas da vida e da missão eclesial.
De minha parte, tentei recordar que, nessa indiferença para com Deus e com a Igreja, própria do Ocidente, existe a possibilidade de intrigar os homens e as mulheres de hoje por meio do anúncio de Jesus Cristo, o homem-Deus, que nos ensinou a viver neste mundo. Aqui, porém, nem mesmo o documento final soube chamar os adultos cristãos à responsabilidade: são eles, somos nós os primeiros responsáveis pelas gerações incrédulas que se assomam hoje à vida.
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Agora o Sínodo começa nas Igrejas locais. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU