17 Outubro 2018
A tentativa de acompanhar o sínodo dos jovens, na semana passada, foi uma empresa realmente complicada. As conferências de imprensa que todos os dias informavam sobre os trabalhos, colocaram em pauta uma quantidade tão grande de assuntos que foi simplesmente impossível para mim identificar qualquer horizonte comum.
Em qualquer caso, a ideia inicial das discussões, primeiro na plenária e depois nos diferentes grupos linguísticos, foi a segunda parte do Instrumentum laboris, que traz o título Interpretar: Fé e discernimento vocacional. Então, vou tentar identificar algumas curiosidades nesse tópico.
O comentário é de Armando Matteo, teólogo italiano, publicado por Settimana News, 16-10-2018. A tradução é de Luisa Rabolini. Curiosidades do Sínodo – nº. 1 pode ser lida aqui.
Em outros textos já argumentei que a escolha da categoria do discernimento vocacional - e, portanto, mais geral daquela da vocação - para falar sobre a vida de todos os jovens (e não apenas aqueles chamados a uma específica consagração religiosa) parece-me uma aposta que tenha poucas chances de sucesso. E isso por diversas razões.
A primeira. As palavras têm uma história e não permitem que seu significado seja facilmente mudado segundo a vontade daqueles que as usam. Não são meros instrumentos vazios. E é por isso que, se há muito tempo usamos esta palavra - a palavra ‘vocação’ - apenas para falar de homens jovens chamados ao sacerdócio ou à vida consagrada e de jovens mulheres também chamadas a esta última, é uma tarefa, na minha opinião muito difícil, tentar dar agora à palavra vocação e à expressão discernimento vocacional um significado universal, apto a dizer algo para a vida de todos – repito: todos – os jovens.
Deve-se acrescentar que essa palavra, inclusive, não foi usada como uma palavra ao lado das outras, mas sempre tem sido acompanhada por uma áurea especial, por uma carga de forte sacralidade, que tendia a penalizar os homens e mulheres que, de fato, não tinham recebido uma vocação!
A segunda razão. Se hoje quem usa "vocação" e "discernimento vocacional", mesmo entendidos em termos mais gerais, são os bispos, padres, religiosos, irmãs, a fim de entrar em contato e diálogo com o mundo da juventude, as coisas não melhoram. De fato, não é novidade para ninguém que, desde sempre, uma das principais razões pelas quais nós (refiro-me a nós padres, freiras, religiosos, bispos) ocupamo-nos dos jovens era para "desencavar" alguém a ser alistado em nossos "exércitos", hoje cada vez mais mirrados e minimamente apresentáveis depois de tantos escândalos que nós miseravelmente provocamos.
Estamos realmente certos de que a memória coletiva tenha esquecido completamente esse fato?
Como proceder, então, para interpretar a atual condição dos jovens?
Eu acho que, em primeiro lugar, trata-se de restituir a palavra vocação (e discernimento vocacional) à sua história e deixar que ela indique precisamente aquelas chamadas específicas que o Senhor continua a fazer para uma vida dedicada totalmente ao seu séquito.
Em segundo lugar, deveríamos finalmente nos convencer de que, na verdade, já na própria realidade do jovem está inscrito algo como uma específica destinação, um projeto, uma chamada, um convite ao outro: o jovem é tal, ou seja, não mais uma criança, justamente porque é forte, justamente porque é genuíno e, portanto, genial e, em virtude de tudo isso, ele é o herdeiro do mundo! Ele é quem deve logo receber das gerações que o precedem este mundo para regenerá-lo com novos filhos, para renová-lo com novas ideias, reumanizá-lo com um novo ethos.
E eu acredito - a terceira coisa de que todos nós deveríamos nos convencer - que os jovens estão prontos para tudo isso: basta vê-los, ouvi-los e seguir os seus interesses, os livros que leem, os filmes que assistem, as músicas que ouvem, as lutas em que se empenham, a força com que fogem e migram, tentando mudar destinos que parecem marcados desde sempre ...
A ideia que sejam frágeis ou necessitados de orientação é a maior farsa inventada por nós adultos para mantê-los em uma condição infinita de minoridade e para não reconhecer o direito de herdar o mundo que cabe a eles por natureza.
E aqui se começa a entrever o outro lado da lua deste sínodo sobre os jovens. O verdadeiro ponto problemático, em nosso tempo, continuamos a ser nós adultos, especialmente as gerações do pós-guerra: todos aqueles homens e mulheres nascidos entre 1946 e 1980.
O problema dos jovens somos nós, cada vez mais cínicos, cruéis, ilusoriamente jovens, apegados ao nosso poder, ao nosso dinheiro, aos nossos privilégios, capazes de amar a juventude mais que os jovens. Mais que os filhos.
Nós somos o problema dos jovens: que não permitimos aos jovens ser/fazer os jovens, porque nós somos os primeiros a não querer fazer o que devemos fazer: os adultos, ou seja, os barqueiros de vida.
Nós adultos somos o problema dos jovens: nós que não somos mais capazes daquele gesto de amor que é próprio de quem é chamado a uma responsabilidade educacional, como bem lembra Hannah Arendt: "A educação é o momento que decide se nós amamos suficientemente o mundo para assumir a responsabilidade e assim salvá-lo da ruína, que é inevitável sem a renovação, sem a chegada de novos seres, de jovens. Na educação é decidido também se nós amamos tanto os nossos filhos a ponto de não desalojá-los do nosso mundo deixando-os à mercê de si mesmos, a ponto de não arrebatar de suas mãos a chance de realizar algo novo, algo inesperado para nós; e prepará-los, em vez disso, para a tarefa de renovar um mundo que será comum a todos".
Uma pergunta, finalmente. Por que o Papa Francisco continua a solicitar uma aliança unicamente entre os jovens e os idosos? Por que continua a não mencionar os adultos?
A ideia que me ocorreu é que ele nos considera carta fora do baralho, que, em sua opinião, para nós adultos não há mais nenhuma possibilidade de redenção e que seria o caso de nos deixar de lado quando se trata de recolocar em movimento este mundo e esta Igreja. Temo que ele esteja certo.
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Curiosidades do Sínodo - 2 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU