18 Novembro 2024
Francisco não usa eufemismos e pede à comunidade internacional para apurar se as acusações contra a conduta de Israel no conflito feitas por juristas e organismos internacionais são fundamentadas. A política agressiva de Netanyahu também está complicando as relações entre a Igreja e o mundo judaico. A embaixada israelense: “Chamar a autodefesa com outros nomes significa isolar o Estado judaico”.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 17-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O papa atacou duramente Israel por causa do conflito em curso no Oriente Médio: fez isso levantando um questionamento pesado sobre o fato de que, de acordo com vários especialistas em direito internacional, o que está acontecendo em Gaza pode ser classificado como genocídio. Francisco pede precisamente que se verifique se essa acusação é fundamentada. O Pontífice aborda essa questão, bem como várias outras relacionadas às crises internacionais, no livro, publicado por ocasião do Jubileu e do qual La Stampa publicou alguns trechos previamente, intitulado: La speranza non delude mai. Pellegrini verso un mondo migliore [A esperança jamais decepciona. Peregrinos rumo a um mundo melhor], editado por Hernán Reyes Alcaide (Edições Piemme).
Francisco, portanto, com um discurso meditado, volta a falar sobre o conflito no Oriente Médio a partir da situação dos refugiados, “onde as portas abertas de nações como a Jordânia ou o Líbano continuam a ser a salvação para milhões de pessoas que fogem dos conflitos na região: penso sobretudo naqueles que deixam Gaza em meio à carestia que atingiu os irmãos palestinos diante da dificuldade de fazer chegar alimentos e ajudas ao seu território. De acordo com alguns especialistas, o que está acontecendo em Gaza tem as características de um genocídio. Dever-se-ia investigar com atenção para determinar se se enquadra na definição técnica formulada por juristas e órgãos internacionais”.
A intervenção de Francisco inevitavelmente provocará discussões e críticas: a embaixada israelense junto à Santa Sé publicou imediatamente uma declaração no X: “Em 7 de outubro de 2023, houve um massacre genocida de cidadãos israelenses e, desde então, Israel exerceu seu direito de autodefesa contra as tentativas de sete frentes diferentes de matar seus cidadãos. Qualquer tentativa de chamar essa autodefesa por qualquer outro nome significa isolar o Estado judaico”.
Mas é fato que a guerra desencadeada pelo governo de Benjamin Netanyahu, após o ataque sofrido em 7 de outubro de 2023, está mudando o juízo sobre Israel na opinião pública mundial e, nesse sentido, também o da Santa Sé. As dezenas de milhares de mortes de civis, a extensão do conflito ao Líbano, sem mencionar as afirmações violentas e racistas feitas de parte de alguns membros do governo de Netanyahu, e as agressões contra os palestinos na Cisjordânia, aproveitando a guerra em Gaza, não poderiam deixar indiferente a Igreja, que também está presente no teatro do conflito com suas comunidades.
O tema levantado pelo papa vem sendo há tempo uma questão aberta e polêmica no debate internacional.
Em maio passado, o Tribunal Penal Internacional pediu o indiciamento de lideranças do Hamas e de Israel por “crimes de guerra e crimes contra a humanidade” cometidos durante a guerra. Também no ano passado, a África do Sul acusou Israel de “genocídio” perante o Tribunal Internacional de Justiça.
É claro que não há como escapar do fato de que, entre a Igreja de Roma e o mundo judaico, o diálogo e o confronto sempre foram delicados e, ao mesmo tempo, objeto de grandes impulsos e grandes incompreensões. De fato, as feridas do passado, a começar pelo antissemitismo também promovido pela igreja ao longo dos séculos, tiveram um peso enorme sobre o destino dos judeus, especialmente no velho continente. Mas, no entanto, 60 anos de diálogo inter-religioso superaram, pelo menos em parte, os mal-entendidos e as tragédias do passado.
Agora, as palavras do papa sobre Gaza marcam uma mudança de perspectiva: para Israel, mesmo no Vaticano, acabou o tempo de um tratamento especial devido a uma história dramática. Por outro lado, Netanyahu assumiu a responsabilidade por um conflito violento e sem barreiras para garantir a segurança de Israel e, para ter liberdade de ação com tal política, ele se apoiou nas forças mais extremistas e fundamentalistas de Israel, visando, assim, a um tipo de nacionalismo judaico-israelense construído com base no medo despertado pelo ataque igualmente violento e aterrorizante do Hamas realizado em 7 de outubro de 2023.
Mas que algo está mudando no cenário das relações internacionais por causa da guerra, também pode ser percebido a partir de um episódio ocorrido nos últimos dias; no último 14 de novembro, de fato, uma delegação de seis ex-reféns israelenses encontrou-se com o papa para pedir ajuda para obter a libertação dos cerca de 100 reféns que ainda permanecem nas mãos do Hamas. “O papa nos ouviu e pode nos ajudar a fazer retornar aqueles que ainda estão em Gaza”, disseram ao final da conversa com Bergoglio os representantes daqueles reféns, que evidentemente não confiam totalmente na sabedoria de seus governantes. É difícil dizer qual será a reação dos líderes religiosos e políticos do mundo judaico, tanto em Israel quanto nas comunidades da diáspora, à intervenção de Francisco sobre Gaza.
Parece, no entanto, que uma primeira fase do diálogo inter-religioso católico-judaico tenha chegado ao fim, aquela que começou com a publicação da declaração conciliar Nostra Aetate (outubro de 1965), que cancelava a acusação de deicídio que a Igreja havia dirigido aos judeus durante séculos e abria caminho para uma nova temporada de entendimento e colaboração.
Agora, em um contexto histórico e mundial modificado, será necessário tentar identificar novos passos para garantir que o caminho comum não se perca e encontre novos percursos para prosseguir.
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A virada do Papa sobre Israel: “Verificar se em Gaza está em curso um genocídio” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU