11 Novembro 2024
Ao me despertar cedo no dia após a eleição, vi no celular o resultado que me entristeceu e ainda me entristece. A vida é assim, com idas e vindas. Neste tempo de tantas transformações e instabilidades, o que pode nos manter com uma fé teimosa?
O artigo é de Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Bungishabaku Katho, professor de bíblia e teologia em DR Congo, no seu livro “Lendo Jeremias na África: Ensaios Bíblicos em Imaginação Sociopolítica”, escreveu: “O profeta (Jeremias, que viveu nos séculos VII e VI a.C.) deseja que seus compatriotas e seus líderes abram os olhos para ver a destruição que se aproxima, mas eles não se importam. Todos vivem em negação, todos estão preocupados com seus próprios interesses, o bem-estar da nação (no nosso caso, da humanidade) não é uma prioridade para o povo ou seus líderes. Isso cria uma grande dor emocional e espiritual para o profeta, que vivencia o mal na terra diariamente”.
Eu conheci esse professor em um congresso teológico em uma universidade católica em Chicago e a sua fala me impressionou. Logo após a viagem de volta, eu li o seu livro. No debate após a palestra dele, eu comentei que o profeta Jeremias é o meu “preferido”, especialmente pela música que cantávamos nas comunidades de base na década de 1980 e 90, na periferia da zona leste de São Paulo: “Antes que te formasse dentro do ventre de tua mãe; antes que tu nascesses, te conheci e ti consagrei. [...] Tenho de gritar, tenho de arriscar, ai de mim se não o faço! Como escapar de Ti? Como não falar se Tua voz me queima dentro?”
Por que estou falando de Jeremias e essa vocação que “me queima dentro” em um texto sobre a eleição de Trump? Eu mesmo não tenho muita certeza, mas eu penso que essa “agonia” ou a dor emocional e espiritual que Katho fala pode nos ajudar a entender o que muitos de nós estamos vivendo. Eu particularmente comecei a repensar a minha teologia da libertação nos inícios da década de 1990, na época da queda do bloco socialista, e a reler a Bíblia a partir do exílio de Israel e os profetas dessa época. A minha juventude teológica foi marcada pela esperança da libertação dos pobres e a construção, não do Reino de Deus por que desse Reino nós não somos o construtor e não cabe plenamente na história, mas de uma sociedade pós-capitalista, um socialismo democrático humanista (eu até escrevi um documento sobre isso no meu grupo político), uma nova sociedade centrada na justiça social. Mas, aprendi com dor que a história não respeita nossas esperanças.
Devemos levar a sério a afirmação da fé cristã de que Jesus, o crucificado, fui ressuscitado por Deus e que isso nos revela que Deus estava presente na cruz, um paradoxo e um escândalo para todas as religiões. A ideia escandalosa de que o Messias, – a esperança da vitória do bem contra o mal no mundo, a derrota dos impérios, dos reis e sacerdotes –, foi derrotado e morreu na cruz sob o poder do Império foi escandalosa também para muitos cristãos na linha de libertação, tanto que escondeu esse escândalo sob o mito do progresso da história ou da narrativa da revolução inquestionável. A insistência do apóstolo Paulo de que o crucificado é o ressuscitado e que o ressuscitado foi antes crucificado, – não porque um Deus sacrificial exigia sua morte, mas porque Deus veio ao mundo sem o poder imperial (cf. Fl 2,6), mas como amor e perdão (1Jo) – deve ser para os cristãos uma chave de interpretação da história. Em outras palavras, a verdade, amor e justiça se aliam e caminham juntos, mas não necessariamente com o poder e, muito menos com a violência que os poderosos impõem na história humana.
Os grandes poderosos e os muitos “influenciadores” do mundo vivem de negações da vida real, especialmente a realidade das vidas sofridas e dos desastres sociais e ambientais que estão aparecendo em todos lugares do mundo. Como dizia Jeremias, eles não enxergam porque são ignorantes ou lhes falta informações, mas porque não querem, não tem interesses em ver. É a mentira dominando os discursos religiosos e políticos.
No calor do resultado da eleição é difícil saber o que aconteceu. Mas, nas várias análises sobre a vitória de Trump e/ou os erros da campanha dos democratas, há um certo consenso de que a campanha do Trump concentrou o seu discurso ao tema da economia, em especial a inflação que tem corroído a renda da população, a imigração ilegal, a recuperação do “status” do homem frente às mulheres, sejam eles brancos, negros ou latinos (o machismo dá votos!). Enquanto que os democratas “esqueceram” ou colocaram em segundo ou terceiro lugar o tema dos trabalhadores e pobres e se concentram nas questões de identidade e a noção (abstrata) da democracia. Cada campanha presidencial “esqueceu” os temas que não lhe interessavam. Sem deixar de lado o fato de que as grandes transformações tecnológicas e culturais estão gerando muita instabilidade pessoal e social e, em tempo assim, o discurso da “ordem” e do fundamentalismo atrai mais o povo.
Ao me despertar cedo no dia após a eleição, vi no celular o resultado que me entristeceu e ainda me entristece. A vida é assim, com idas e vindas. Neste tempo de tantas transformações e instabilidades, o que pode nos manter com uma fé teimosa? Jeremias pode nos ajudar: “Tenho de gritar, tenho de arriscar, ai de mim se não o faço! Como escapar de Ti? Como não falar se Tua voz me queima dentro?”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A eleição de Trump e o profeta Jeremias. Artigo de Jung Mo Sung - Instituto Humanitas Unisinos - IHU