O papel da fé cristã, refletida teologicamente, não é passar o tempo especulando o que não podemos saber e não ajuda as pessoas, especialmente os pobres, a viver melhor (assim como a perda do tempo na discussão medieval sobre se Deus pode criar uma pedra tão pesada que o próprio Deus não poderia segurar)
"Eu não quero discutir aqui as questões científicas sobre se ainda temos tempo ou não para evitarmos esse caos, mas a questão teológica, a 'apocalíptica', do fim do mundo. É claro que a vida no planeta Terra um dia vai acabar, porque um dia esse planeta vai desaparecer. Talvez, por causa de uma guerra nuclear final que não permita os raios solares atingirem o solo", escreve Jung Mo Sung, teólogo e cientista da religião.
Segundo ele, "o que a “revelação” (apocalipse), a visão da fé, nos oferece não é a verdade científica sobre se, quando e como ocorrerá o caos ambiental; mas sim como manter a fé, a coragem, de enfrentar as dificuldades e os problemas que estão ocorrendo e irão ocorrer. Não somente coragem para enfrentar os “nossos” problemas e desafios, mas os problemas e sofrimentos das outras pessoas, daqueles que não são do nosso grupo".
Há uns oito anos, visitei John Cobb e tive uma conversa, na sua casa em Claremont, perto de Los Angeles, que me marcou. Cobb é teólogo e filósofo (nascido em 1925), um dos principais nomes da teologia e da filosofia do processo (escola de pensamento associado a Alfred North Whitehead), com quem eu tive o prazer de dialogar várias vezes sobre a relação entre a teologia e a economia capitalista. Nessa conversa em particular, eu comecei trazendo o título do livro que ele tinha publicado em 1971, Is It Too Late? A Theology of Ecology (É tarde demais? Uma teologia da ecologia).
Esse livro, publicado antes do famoso documento do Clube de Roma, “Os limites do crescimento”, de 1972, despertou o mundo para o problema da ecologia e das contradições internas do modelo de produção econômica industrial moderno. Ele já tinha levantado essa pergunta e queria, agora, ouvir a sua resposta após quase 50 anos. Para ele, não temos mais tempo para “corrigir” o caminho equivocado em que estamos. Isso não significa que o caos mundial vai ser estabelecido logo, pois estamos lidando com um processo muito complexo e longo. Mas, na sua opinião, não temos mais como evitar as grandes catástrofes ambientais e, com isso, também os sociais.
Contudo, isso não significa que a humanidade vai acabar, pois as mortes de bilhões de pessoas que provavelmente podem ocorrer nesse longo processo vão modificar o meio ambiente e a população que sobreviver vai enfrentar o desafio de reconstruir a civilização. Por isso, Cobb, que na época tinha mais de 90 anos, me disse que ia todos anos à China para uma série de diálogos (entre o pensamento do processo e a tradição filosófica chinesa) e palestras para pensar e propor novos caminhos e valores para a nova civilização que precisamos criar após a grande crise.
Eu não quero discutir aqui as questões científicas sobre se ainda temos tempo ou não para evitarmos esse caos, mas a questão teológica, a “apocalíptica”, do fim do mundo. É claro que a vida no planeta Terra um dia vai acabar, porque um dia esse planeta vai desaparecer. Talvez, por causa de uma guerra nuclear final que não permita os raios solares atingirem o solo. O papel da fé cristã, refletida teologicamente, não é passar o tempo especulando o que não podemos saber e não ajuda as pessoas, especialmente os pobres, a viver melhor (assim como a perda do tempo na discussão medieval sobre se Deus pode criar uma pedra tão pesada que o próprio Deus não poderia segurar).
O que a “revelação” (apocalipse), a visão da fé, nos oferece não é a verdade científica sobre se, quando e como ocorrerá o caos ambiental; mas sim como manter a fé, a coragem, de enfrentar as dificuldades e os problemas que estão ocorrendo e irão ocorrer. Não somente coragem para enfrentar os “nossos” problemas e desafios, mas os problemas e sofrimentos das outras pessoas, daqueles que não são do nosso grupo.
E o primeiro ponto é reconhecer que o problema é realmente sério. Por que as pessoas não reconhecem isso? Não é somente porque são negacionistas da ciência, mas também porque quase todos nós aprendemos com os pais e com a igreja: “não se preocupe, no fim tudo vai dar certo”. Afinal, Deus está no controle do mundo. Sejam da linha conservadora, sejam da linha progressista, o mesmo fundamento mítico-teológico que confunde “desejo” com previsão. Aquilo que Freud chamou de “ilusão”.
Otimistas (o universo, ou a história, caminha em direção a Deus ou à libertação plena) ou pessimistas (enchentes são punições de Deus) compartilham a mesma “certeza” de que Deus, o universo ou a história tem o controle do futuro e o a “sorte” da vida humana. Essa “certeza” não é nada mais do que a incapacidade intelectual e existencial de lidar com o imprevisível ou com a liberdade humana.
Ao contrário da certeza religiosa ou científica, a fé como coragem de viver com esperança, mesmo em situações de muita desesperança, é o melhor caminho da nossa humanização. O que mais me marcou na conversa com John Cobb não foi a sua argumentação teológica, mas sim a sua fé: a coragem e a força para manter a sua missão e testemunhar ao mundo que a vida derrota a morte.