06 Junho 2024
António Guterres, secretário-geral da ONU, alerta que “o fim da era dos combustíveis fósseis é inevitável” e apela ao veto à publicidade relacionada com este setor.
A reportagem é de Manuel Panelles, publicada por El País, 05-06-2024.
É possível que a sucessão de recordes de calor exerça um efeito anestésico na população, mas o território em que o planeta entrou por causa do ser humano não tem precedentes próximos no tempo, na intensidade e na velocidade de mudança. O mês de maio recentemente concluído foi o maio mais quente já até agora, conforme informou esta quarta-feira o Serviço de Alterações Climáticas Copernicus da Comissão Europeia. Em abril, aconteceu a mesma coisa. E em março, fevereiro, janeiro, dezembro... Os últimos 12 meses - de junho de 2023 a maio de 2024 - foram os mais quentes, pelo menos desde que as medições diretas começaram em meados do século XIX (embora existam especialistas paleoclimáticos que mantêm que é preciso voltar milhares de anos para encontrar um planeta tão quente). “Estamos jogando roleta russa com o nosso planeta”, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres, que apelou ao veto à publicidade de combustíveis fósseis semelhante à do tabaco.
Coincidindo com o Dia Mundial do Meio Ambiente, Guterres organizou um evento no Museu Americano de História Natural de Nova York, focado na crise climática. “Nosso planeta está tentando nos dizer algo, mas parece que não estamos ouvindo. “Estamos quebrando recordes de temperatura global e sofrendo as consequências”, alertou. “Agora é o momento de mobilizar, agir e cumprir”, afirmou sobre a necessidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, ligadas principalmente aos combustíveis fósseis.
Além de reduzir o consumo e aumentar a eficiência energética, a alternativa que surge mais claramente para acabar com a dependência humana do petróleo, do gás e do carvão são as energias renováveis. Os governos comprometeram-se na última conferência do clima, realizada em dezembro no Dubai, a triplicar a capacidade renovável global até 2030. Embora o avanço destas energias seja muito significativo – impulsionado pelos baixos custos da energia fotovoltaica e eólica – os esforços ainda não são suficientes.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), os atuais planos governamentais levarão a um aumento de 2,2 vezes na energia renovável em 2030, em comparação com o nível de 2022. Embora a AIE tenha reconhecido num relatório divulgado na terça-feira que “quase 30 países pretendem aumentar a sua capacidade renovável duas a três vezes até 2030”, esta organização apelou ao aumento do ritmo de instalação. Entre os países mais ambiciosos neste domínio, a AIE deu como exemplos a China, os Estados Unidos, a Índia, a Alemanha e a Espanha.
A velocidade e a intensidade com que a economia mundial se desliga dos combustíveis fósseis é fundamental para evitar que o aquecimento que já está a ser sofrido seja mais ou menos catastrófico. O problema é que, apesar do avanço das energias renováveis, as emissões globais não estão a diminuir tão rapidamente quanto necessário porque a humanidade continua a depender em grande parte do petróleo, do gás e do carvão. “Estamos indo na direção errada”, alertou Guterres no evento desta quarta-feira. “As emissões do ano passado aumentaram 1%”, acrescentou.
Em todo o caso, o secretário-geral, num longo discurso, também deixou claro que a lógica econômica, além da luta climática, aponta para “o fim da era dos combustíveis fósseis ser inevitável”. Ele pediu às empresas desse setor que parassem de investir em petróleo, gás e carvão. Propôs aos governos que vetassem a publicidade aos combustíveis fósseis – que descreveu como os “padrinhos do caos climático” – como muitos países fazem com o tabaco. Por fim, defendeu que as empresas de mídia e tecnologia não permitam mais publicidade nesta indústria.
Guterres iniciou o seu discurso referindo-se aos dados do Copernicus, serviço que, baseado em medições de satélite, se tornou referência nos últimos anos no monitoramento das consequências e impactos da crise climática no mundo. Tal como explicou esta agência europeia, a média dos últimos 12 meses está 0,75 graus Celsius acima da média do período entre 1991-2020. Se o foco for ainda mais ampliado, a média do período pré-industrial (1850-1900) fica 1,63 graus acima.
Carlo Buontempo, diretor do Serviço Copernicus para as Alterações Climáticas, afirmou: “É chocante, mas não surpreendente, que tenhamos alcançado esta sequência de 12 meses”. Essa concatenação de registros, que também é influenciada por alguns fenômenos naturais como o El Niño, acabará por parar. Mas as alterações climáticas continuarão a estar presentes e a agravar-se a um ritmo perigoso enquanto as emissões de gases com efeito de estufa não forem interrompidas. “Vivemos tempos sem precedentes, mas também temos uma capacidade sem precedentes de monitorizar o clima”, sublinhou Buontempo.
Quando o Acordo de Paris foi assinado em 2015, foi estabelecido o objetivo de que os países reduzissem as emissões de gases de efeito estufa como um todo de tal forma que o aquecimento global não ultrapassasse a barreira de dois graus em relação aos níveis pré-industriais e, na medida se possível, 1,5. Uma superação específica da meta de 1,5, como a que se tem verificado nos últimos meses, já não pode ser considerada um incumprimento de Paris porque essa linha deve ser ultrapassada de forma estável ao longo do tempo, algo que, em qualquer caso, é muito provavelmente ocorrerá nas próximas duas décadas, como alertou o IPCC, o painel de especialistas que analisa as mudanças climáticas para a ONU, no ano passado.
2023 foi o ano mais quente registrado até agora, e o limite de 1,5 graus já foi atingido: foi 1,48 graus mais quente que a média pré-industrial. Outro relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) também apresentado esta quarta-feira alerta que há 85% de hipóteses de pelo menos um dos próximos cinco anos ultrapassar 2023 como o mais quente.
Além disso, há 80% de probabilidade de que o limite de 1,5 graus seja temporariamente excedido em pelo menos um dos próximos cinco anos. Para além destes dados específicos, o importante desta estimativa é a sua evolução: em 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris, a probabilidade de que em pelo menos um dos cinco anos seguintes o aquecimento global ultrapassasse 1,5 era quase nula. Ou seja, o aquecimento avança a uma velocidade e intensidade sem precedentes recentes.
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A Terra vive 12 meses de calor recorde: “Estamos jogando roleta russa com o nosso planeta” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU