06 Junho 2024
A série de videoentrevistas Economía fuera del carril, coproduzida por Alternativas económicas e El Diario, com o apoio do programa de Projetos Singulares da Generalidade da Catalunha, nesta nova edição, aborda a economia ecológica com Enric Tello, uma das referências desta tradição na Espanha.
Professor do Departamento de História Econômica, Instituições, Política e Economia Mundial da Universidade de Barcelona, irá se aposentar no final deste ano letivo, após ter consolidado um conceituado núcleo de economia ecológica na Faculdade de Economia e Empresa desta universidade, de referência internacional.
Discípulo de Joan Martínez-Alier, um dos fundadores da disciplina na Espanha, Tello vem da tradição do marxismo heterodoxo articulado em torno da revista Mientras Tanto, fundada em 1979 pelos filósofos Manuel Sacristán e Giulia Adinolfi, que continha sendo publicada em formato digital. Segue, abaixo, uma versão editada da conversa.
A entrevista é de Pere Rusiñol, publicada por El Diario, 31-05-2024. A tradução é do Cepat.
O que é a economia ecológica?
Uma disciplina científica que podemos chamar de híbrida porque atravessa fronteiras e combina os conhecimentos de duas áreas: a ecologia e a economia. A ponte entre as duas nos permite responder aos problemas contemporâneos da insustentabilidade a que a economia convencional nos levou.
Economia ecológica ou ecologista?
O ecologismo se refere ao movimento de denúncia e transformação, ao passo que a ecologia é uma disciplina científica. Existem relações entre ambas, claro, mas é importante distingui-las para que fique claro que a economia ecológica é uma disciplina científica.
E em que difere das correntes da economia convencional que também se preocupam com o meio ambiente?
Na corrente neoclássica, a economia ambiental é uma tentativa de se abrir e considerar os problemas ambientais. O problema é que este enfoque, com o qual a economia ecológica mantém uma discussão científica, tenta levar ao campo do mercado e da quantificação custo-benefício, em termos puramente monetários, o que chamam de externalidades. Ou seja, consideram que a interação entre o funcionamento da economia e o meio ambiente é uma externalidade, o que já indica claramente que para eles é algo que está fora.
Fora da economia?
Que a economia está fora da natureza e da sociedade. Como se estivesse em um vazio mercantil, em uma espécie de redoma de vidro em que o ar foi extraído de tudo o que tem vida e só ficam esses elementos abstratos de supostos agentes que interagem em um mercado perfeito para alocar recursos de forma otimizada, de acordo com os preços que surgem da oferta e demanda. Este é o universo mental da economia convencional. Contudo, a essa altura, precisam reconhecer que existe algo fora: as externalidades. E, então, tentam internalizá-las contando-as em dinheiro, mas estando fora do mercado, incorrem em procedimentos discutíveis.
E qual é a abordagem alternativa para a economia ecológica?
Faz a operação conceitual contrária: começa enfatizando que a economia funciona dentro da sociedade, e ambas dentro da natureza, pois é o suporte que nos dá a vida, com os seus materiais, energia... Sem isto, não existe sociedade, nem economia. Não é concebível, pois, que a economia deteriore a natureza: leva-nos a um caminho insustentável.
O Instituto de Resiliência de Estocolmo demonstrou que o crescimento econômico e a lógica do lucro, que é o objetivo da economia padrão, já fizeram com que nove limites planetários fossem ultrapassados. O crescimento infinito em uma biosfera finita é uma quimera e são os cientistas que estão dizendo isto. Não ultrapassamos apenas os limites do clima, mas até nove limites planetários.
Ou seja, nossos problemas vão muito além da mudança climática.
Evidentemente, e são anteriores. A deterioração da biodiversidade da qual dependemos é enorme em serviços ecossistêmicos cruciais: da polinização, sem a qual as plantas não podem crescer, à disrupção dos ciclos biogeoquímicos dos macronutrientes dos quais as plantas e os animais se alimentam.
Esses limites são científicos. Por que a economia convencional não os assume?
Ainda pensa que o crescimento econômico pode prosseguir. Reconhece que temos um problema com a mudança climática, mas que pode ser resolvido passando dos combustíveis fósseis às energias renováveis. Como se trocássemos o pneu do carro que furou. Colocamos o pneu reserva das energias renováveis e pronto.
E por que isso não é possível?
Não é o suficiente. É claro que temos de fazer a transição para as energias renováveis, mas não é o suficiente. Os números não batem.
Muito menos com a tecnologia?
A inovação tecnológica é importantíssima, mas os economistas convencionais, que vivem nessa bolha, dão por certo que sempre encontraremos uma solução tecnológica. Na realidade, em seus modelos, é uma externalidade, algo que cai do céu. Consideram isto como certo, mas não demonstram. Nós também trabalhamos com as contabilidades convencionais, em dinheiro, mas relacionando-as com as biofísicas.
Em nossos modelos, calcula-se em termos físicos, energéticos, biológicos, territoriais e, depois, conecta-se com os fluxos de dinheiro. Vemos como uns arrastam outros e aí percebemos que não é tão simples que logo algo será inventado. É claro, não podemos dar por certo, menos ainda em tão pouco tempo: já ultrapassamos os limites planetários!
Em quais tipos de indicadores devemos nos ater para saber se a economia vai bem ou mal, respeitando os limites?
Os indicadores são uma das grandes diferenças entre a economia convencional e a ecológica, que propõe uma visão alternativa do que é uma boa economia e, por isso, requer outros tipos de indicadores, como a pegada ecológica, hídrica, de carbono etc. E como a chave está nos limites, vem ganhando interesse a abordagem que chamamos de donut, rosquinha, uma ideia da economista da Universidade de Oxford, Kate Raworth, que leva em consideração estes limites planetários com uma abordagem muito visual.
Em que consiste?
São dois círculos, um para fora, com limites planetários, e outro dentro, com indicadores sociais, daí a imagem do donut ou rosquinha. Quando vamos bem – os limites não são ultrapassados –, a seção é pintada de verde, ao passo que se vamos mal, de vermelho. Seria como conceber uma casa com um piso onde todos precisam estar e um teto que ninguém pode ultrapassar: o espaço seguro e justo para que todos possam viver uma vida digna, sem ultrapassar os limites planetários. Essa foto, ou espelho, nos permite ver como vamos e, a partir daí, ver o que podemos fazer para decrescer em impactos biofísicos e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida de todos.
Existe algum país que tenha as duas esferas em verde?
Nenhum. O que normalmente se observa é uma curva na qual os países que não ultrapassam os limites planetários têm um fundamento social inaceitável, e vice-versa. E o que é pior: nos últimos 30 anos, muitos países têm aumentado os impactos e a ultrapassagem dos limites planetários, sem melhorar os fundamentos sociais e, por vezes, inclusive, piorando-os pelo aumento da desigualdade. Com esses indicadores, observa-se que a solução não é o crescimento econômico.
O problema é o capitalismo?
Evidentemente. Precisamos de uma mudança sistêmica que possa enfrentar as enormes injustiças sociais e ambientais globais, com mudanças nas formas de produzir, consumir e habitar o planeta. Esta mudança pode receber diversos nomes, mas está claro que o capitalismo não é a solução, ao contrário, é o problema.
O caminho proposto pela economia ecológica é o decrescimento? Muitas pessoas associam decrescer com piorar. É difícil que esta bandeira obtenha apoio da maioria.
O importante é esclarecer do que estamos falando. Se estamos ultrapassando determinados limites planetários, então, será necessário decrescer nestes impactos. E existe uma correlação estatística extraordinária entre o crescimento do PIB e todos estes impactos.
Então, mais do que entrarmos em debates sobre crescer ou decrescer, não seria necessário romper o vínculo entre economia e PIB como indicador central?
Sem dúvida! Há anos, a economia ecológica discute a hegemonia do PIB e muitos economistas da corrente principal assumem que é um indicador ruim. Nós abrimos a caixa do PIB e procuramos o que tem dentro.
E no que se fixam dentro da caixa?
Nela estão as tabelas de input-output, que permitem decompor por setores e se fixar nos fluxos, que vão da extração de materiais ao consumo final de cada país ou região, analisar as exportações e importações e as relações entre setores. Por exemplo, a agricultura produz, depois a indústria alimentícia transforma e o que não comemos se torna resíduos, que é preciso acompanhar para ver se voltam para a terra ou se poluem.
É possível decompor esta tabela com os fluxos de dinheiro de valor agregado e, portanto, observar quem o recebe e entender por que o crescimento degrada o meio ambiente sem melhorar a vida das pessoas. As tabelas vão se interligando: dos fluxos de energia às emissões, os consumos de água, a poluição, a ocupação do solo... e assim sucessivamente.
Para onde essa sequência nos leva?
Permite-nos estabelecer modelos e sistemas de cálculo e, com isso, previsões mais razoáveis do que um modelo padrão, que só conta dinheiro. É quando abrimos a caixa do motor e vemos como funciona que percebemos a necessidade de uma mudança sistêmica. E aí haverá setores que precisam crescer muito, como a agricultura biológica. O PIB conta tanto os bens como os males, o que é um absurdo. Não se deve ficar preso aí.
A economia convencional não está interessada em entrar na caixa?
Vejamos isso com a mudança climática. Temos um modelo, Medeas, que foi criado com um programa europeu que permite prever os impactos da transição energética de forma interconectada. E aí vemos que as energias renováveis aumentam muito o consumo de materiais como o lítio e outros, que são muito limitados e, além disso, exigem muito consumo de energia para extraí-los, processá-los e utilizá-los para fazer painéis solares e carros elétricos.
Quando fazemos os cálculos com este modelo, vemos que o crescimento verde promovido com políticas keynesianas que mobilizam investimentos pode impulsionar o PIB, mas se choca com os limites biofísicos. Resultado: não cumprimos o Acordo de Paris e o aquecimento global ultrapassa muito os dois graus.
A economia ecológica parece sempre portadora de péssimas notícias... Existe alguma esperança?
O próprio modelo nos diz que há uma saída: um decrescimento suave em nível global, mas bem planejado, com uma mudança estrutural e integrando todas as peças, como a alimentação, a agroecologia, que esfria e regenera a terra, mudanças na dieta, com menos consumo de carne, o que é, além disso, bom para a saúde...
Então, se você muda o sistema agroalimentar e se outros setores industriais avançam para modelos de ecologia industrial circular, sim, os números aparecem. É verdade que, além do chamado crescimento verde e da mudança sistêmica, existe um terceiro cenário: não fazer nada. Mas isto, sim, seria a pior notícia: o desastre. Os negacionistas do clima, aqueles que querem crescer a todo custo, sim, nos levam ao pior decrescimento.
Por que há tanta oposição no campo à transição verde?
Por todos os lados, ocorrem impulsos contraditórios: deseja-se o crescimento e que seja verde; o problema é que é preciso escolher. No caso dos agricultores, quando analisamos as cadeias de produção e consumo, vemos que são cada vez mais assimétricas: há algumas grandes corporações vendendo os insumos industriais, baseados em combustíveis fósseis – fertilizantes, agrotóxicos, tratores etc. –, cada vez mais caros, e depois os grandes supermercados comprando cada vez mais barato. Isto significa que daquilo que o consumidor final paga, o valor agregado que chega aos agricultores é cada vez menor: já não ganham a vida e estamos ficando sem camponeses.
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“Crescer a todo custo nos leva ao pior decrescimento”. Entrevista com Enric Tello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU